Sei que não vou viver até ler todos os livros. É uma das minhas neuroses. Tanto conhecimento a adquirir e tão pouco tempo… É uma lástima! Por isso, como já disse dezenas de vezes, prefiro me ater aos clássicos. Não apenas porque são garantia de satisfação – embora vez ou outra se tope com um Moby Dick da vida… -, mas também porque neles está contido o supra sumo do conhecimento literário.

Eis que, num certo workshop de literatura, de um autor auto-proclamado estruturador de romances, coaching literário, leitor crítico e um punhado de etcéteras, levanto minha mão inquieta e faço um comentário sobre uma passagem de Dom Casmurro que tinha a ver com o contexto do que o brilhantíssimo palestrante comentava. Então, aquele senhor vira-se para mim e diz: “Não leio este tipo de literatura. Prefiro os autores contemporâneos.”

Como sou um homem assaz educado, revoguei-me o direito da fala para não exprimir minhas ácidas observações sobre tão asinino comentário. Mas que deu vontade, deu!

Meu caro leitor, gosto é como cu. Cada um tem o seu. Ponto. Tens o teu direito de gostar e desgostar do que quiseres. MAS! Se tu és um escritor, automaticamente tu assumes a obrigação irrevogável de ler os clássicos. Ponto novamente! Acredite em mim: não importa o quão genial sejam tuas histórias, tua narrativa, tuas metáforas, tuas figuras de linguagem em geral: há sempre um clássico da literatura que já o fez e certamente o fez melhor. É tua obrigação saber as raízes destes conhecimentos. Nem que seja para falar uma merda como Paulo Coelho falou sobre Ulisses de James Joyce.

Em muitos livros e oficinas cujo intuito é “ensinar” ou “formar” escritores, percebo que a seguinte tecla é batida: “Como escritor, você precisa ler”. Sou ignorante, é fato. E talvez por isso eu considere tão ignóbil esse chavão. Não consigo fazer caber no meu cérebro que exista um escritor que não goste de ler. É como dizer que viu uma águia que não curte muito voar. Ou uma baleia que resolveu viver no deserto por estar de saco cheio de tanta umidade… Simplesmente… Não faz sentido!

Partindo da premissa de que “escritor assim se diz ser porque, antes de tudo, lê”, entendo que ler os clássicos para este não é um imagesfardo, mas sim um deleite. Neles está o favo de mel, a pedra filosofal da escrita. Como aprender, por exemplo, a criar personagens profundos sem ler Dostoievski? Ou como falar de sarcasmo sem ter lido Machado de Assis? Como desenvolver figuras de linguagem tão palpáveis e verdadeiras sem ler William Golding? Como atingir a inocência dos diálogos de uma criança sem ter sobrevoado o mundo de Saint-Exupéry? Como torturar um personagem com uma obsessão doentia sem ter navegado o Pequod à caça de Moby Dick (que tem aí o seu mérito)? Como falar de amor sincero sem ter lido Grande Sertão: Veredas? Como falar de solidão sem ter dividido a sua com Clarice Lispector?

Afinal das contas… É possível atingir um nível de qualidade literária sem ler clássicos? Eu respondo: sim. Porém, aprender de forma diferente tornará o processo mais oscilante e cheio de reveses. Além do mais, seja qual for sua fonte de conhecimento – os livros didáticos ou os cursos – tenha a certeza de que eles, para serem bons, tiveram de ler os clássicos.

Escritor, sua missão não é apenas divertir. Por favor, não se deixe enganar por essa mentira. Antes de tudo, sua missão é elevar o conhecimento. Omitir-se disso é decretar a si mesmo um repassador de clichês. A diferença entre o gênio e o medíocre é a perseverança do seu trabalho. Crepúsculos vão e vem. Mas Drácula é imortal.

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2 Replies to “Velho não! Clássico.”

  1. Percebe-se que em qualquer campo há sempre os lucradores charlatães, que com uma porção ínfima de conhecimento sobre escrever, abre-se um uma verdadeira ratoeira para fisgar aspirantes dispostos a uma fagulha que for dessa mísera exposição de informação.
    Mesmo para os que se ostentem os estilos literários de toda biblioteca clássica como estandartes de vaidade e orgulho, cada um encontra seu filão de ganhar seu pobre dinheirinho, mesmo pervertendo todo conceito artístico do que é escrever.
    A arte de escrever é unir a essência que em palavras toca-se não só a mente, mas também acrescentar algo mais para a alma, dando-lhe o encantamento do pensar e sonhar para além do mundo dos comuns.
    É isso. Posso não ter os aparatos técnicos mas sei o que abstrair do que leio.

  2. Também sei que não consigo ler tudo que quero nessa vida, então leio o que sei que vou gostar, não importa se clássico ou contemporâneo. Li Crepúsculo e me interessei por ler Drácula, e assim vou indo, absorvendo tudo que me toca, tirando proveito de qualquer leitura.
    Mas concordo que escritores devem conhecer os clássicos, é de lá quem se vem todos as inspirações, né?
    Realmente gostei do que você escreve.

    beijos
    Bia – http://www.livredujour.wordpress.com

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