Guerra dos mundos
H.G.Wells

Para quem leu distopias aos moldes de 1984, Farenheit 451, Ensaio Sobre a Cegueira, etc., consegue entender o quão frágil é a estabilidade moral, ética e física da sociedade humana. Parafraseando o livro Sapiens, de Yuval Harari, a humanidade é constrangedoramente similar aos nossos primos chimpanzés. Particularmente eu adoro este tipo de livro. Há um certo prazer mórbido em ver ruir a empáfia e soberba da aristocracia, assim como em ver aflorar a inevitável verdade de que, no frigir dos ovos, sem a proteção ilusória das castas, leis e do dinheiro, somos todos primatas frágeis e vulneráveis.

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O livro A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, não é exatamente uma distopia, mas tem tais moldes. Conta a história de um ataque alienígena, na Inglaterra, por volta de 1860. Ou seja, se hoje em dia, diante de um hipotético ataque extraterrestre, estaríamos em maus lençóis, imagine naquela época em que lutava-se com mosquetes e canhões estilo desenho do Pica-pau.

O autor usa a narração em primeira pessoa, impingindo um tom confessional, recurso que aproxima muito o protagonista do leitor emotivamente.

Apesar de a história se passar há quase dois séculos, as descrições do narrador não poderiam ser mais verossímeis. Diferente dos demais autores de ficção de sua época, Wells não tinha uma visão exatamente fantasiosa e mágica sobre ciência. Claro, não havia conhecimento o bastante em seu tempo e por isso ele completava as lacunas com dados especulativos, mas não necessariamente irreais. Na narrativa, jatos de hidrogênio, por exemplo, que o narrador comenta ter visto de Marte são tão plausíveis quanto os jatos de vapor expelidos por Europa, a lua de Júpiter.

Aliás, um parênteses: muitos já ouviram falar da fatídica transmissão de rádio, de 1938, em que o ainda não famoso diretor Orson Welles fez uma leitura dramática do livro ao vivo, fazendo com que ouvintes desavisados entrassem em pânico, acreditando tratar-se de um ataque real e evadindo-se da cidade aos borbotões. Percebe-se assim que, para a época, era algo muito plausível.

Outra conjectura absolutamente admirável do autor é a de que a dificuldade de sobrevivência num planeta como Marte teria gerado uma certa urgência evolutiva. E, por isso, os marcianos (ah sim, no livro eram marcianos) teriam evoluído mais rápido que os humanos – isso porque ele possivelmente não sabia que já tivemos algumas extinções em massa por aqui, o que daria ainda mais tempo para os marcianos avançarem no quesito evolução.

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H. G. Wells
O livro também aborda, do ponto de vista antropológico, o comportamento humano: numa situação de perigo intensa, o ser humano tende a voltar ao seu estado primal, comportando-se como um ratinho assustado, entocando-se, entrando em estado de pânico descontrolado. O que denota o imenso senso de análise científica de Wells.

A leitura em si é empolgante, a despeito do anacronismo dos padrões atuais da ficção científica. Até porque faz parte da diversão perceber qual era a visão da época sobre tecnologia. Os parâmetros do século XIV eram as indústrias inglesas, as máquinas a vapor, as engrenagens, etc. Então era de se esperar que as descrições do autor permeassem por esses termos.

Não há grandes arroubos estilísticos no texto, seguindo o padrão da outra obra do mesmo autor, já analisada por nós aqui do Cafeína, O Homem Invisível. Possivelmente porque foi um livro escrito para que atingisse um público amplo. E, de qualquer modo, nem precisa. Tal qual a outra, esta já é grandiosa o bastante.

A edição que li (belíssima, que ganhei da minha amiga amada, Cristine) ainda conta com uma entrevista com o autor e Orson Welles, onde ambos debatem sobre pormenores da ficção científica. Um brinde apaixonante.

O livro ganhou algumas adaptações para o cinema (a mais recente, dirigida por Spielberg, com um enredo muito diferente) e serviu de inspiração para milhares de outras obras, filmes, desenhos, etc. Provando com louvores porque é chamado de clássico.

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