Recursos Desumanos
Pierre Lemaitre
É… A crise pegou mesmo. Ao redor do globo este tem sido um assunto recorrente e preocupante. No Brasil, nada de novo. Somos habituados à tempestade. Notícias de aumento na inflação, corrupção, desemprego, enchente… Preocupa, claro, mas não assusta. Se você tem mais de trinta anos, então conheceu a inflação galopante, a fila do leite, a fila do gás e a velha maquininha de remarcar preços que fervia nos mercados de tanto trabalhar. Para o primeiro mundo, entretanto, tudo isso é novidade. Tanto que a literatura contemporânea reflete isso em seu conteúdo.
Haja vista a obra Recursos Desumanos (ou Cadres Noirs em francês), de Pierre Lemaitre, que trata deste ponto de maneira latente. Nesta narrativa, Alain Delambre é um ex-diretor de RH que, ao 57 anos, está há 4 desempregado. E recebe, ao que parece, a chance da sua vida: uma entrevista de emprego para uma multinacional. O porém da história é que esta entrevista de emprego é uma tomada de reféns encenada. Ou seja: um prato cheio de possibilidades para a coisa não terminar bem.
O autor, segundo a contracapa, tem vários prêmios e títulos tanto na literatura francesa quanto na norte-americana, atua como roteirista e leciona literatura. E isso é algo que me deixa geralmente com um pé atrás. Quando você precisa elogiar o autor na contracapa, é porque o cara é desconhecido e então faz-se necessário um esforço para convencer o leitor de que ele é bom.
Favoravelmente, o livro começa muito bem. O protagonista tem a psique bastante explorada, já castigada pelos anos de desemprego. Sua autoestima está esfarrapada, assim como sua condição física. Os efeitos da deterioração de sua vida são bastante deprimentes e verossímeis, reforçados pela narração em primeira pessoa, situando bem o leitor do desespero crescente na vida de Alain Delambre.
Um ponto digno de análise é uma excelente técnica que o autor utiliza, onde coaduna em um mesmo trecho, duas cenas em paralelo e complementares. Como um personagem que conta para outro uma história enquanto, no mesmo parágrafo, a história vai ocorrendo. Por exemplo:
“ – Pois é fulano, a festa estava ruim – disse eu, mas a garota da festa entrou exibindo seu tubinho vermelho.
– Eu nem olhei para nenhuma garota – continuei. E ela me deu um fora espetacular.”
De forma semelhante, ele salta, num mesmo parágrafo de uma cena para a outra, utilizando uma frase apenas para introduzir. Algo como:
“Acordei e pensei em ir ao banco, só não contava com o mau humor daquele caixa que pegou com má vontade meu dinheiro.”
Essas duas técnicas são uma característica evidente do cinema/tv. O que mostra que ele reaproveita – e muito bem – seus conhecimentos de um lado no outro.
Embora o conhecimento dele sobre o assunto seja evidente, pois aplicou corretamente pontos de virada, cliffhangers, mudança de pontos de vista e etc., ele peca em alguns pontos: a não variação na forma de narrativa quando muda o ponto de vista para outro narrador, a falta de pesquisa em alguns assuntos cruciais na trama e a obviedade nos itens de pista/recompensa.
Isso chateia um pouco e torna a obra um pouco previsível, mas não chega a desabonar completamente. O autor sabe muito bem trabalhar a tensão e instigar o leitor, fazendo-o relevar as falhas em prol da diversão. Típico dos livros policiais.
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