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Flores em sangue
Carlos Santiago

Três amigos de infância separados pelo destino se reencontram, quando Cassimiro, um psiquiatra forense, desaparece sem deixar vestígios. Guilherme, um funcionário do governo, expert em descobrir falsificações, tenta saber o que aconteceu e se seu amigo ainda está vivo, com a ajuda de Gonçalves, um ex-policial civil, de comportamento promíscuo e violento, e dono de um passado duvidoso. Eles penetrarão no submundo das ruas do Recife, e seguindo um rastro de sangue e violência, verão até onde a luxúria, o vício e a sedução podem conduzir o ser humano.
(fonte: quarta capa do livro)

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Quem nunca teve medo do “maníaco do elevador”? Sim, ele, “o mesmo”. A frase de advertência – “Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado no andar.” – difundiu com ela um erro gramatical que se espalhou por todos os edifícios do país, virando piada em uma das comunidades do extinto Orkut – Eu tenho medo do Mesmo. Até mesmo o vestibular da Unicamp usou a frase em uma das questões, solicitando aos candidatos que apontassem o problema e propusessem alternativas gramaticalmente corretas. É um vício de linguagem quase tão grave quanto o gerundismo. A regra é clara e simples: a palavra “mesmo” não deve ser usada como pronome pessoal. Se o receio de quem escreveu a malfadada frase era de personificar o elevador – usando o pronome “ele” – bastaria reformular a sentença para algo similar a “Antes de entrar, verifique se o elevador encontra-se parado no andar.”

Bem, todo este libelo sobre o “mesmo” foi para salientar dois pontos, duas questões que tornaram bem cansativa a leitura do livro: o uso indiscriminado de “o mesmo”/”a mesma” como pronome pessoal e as digressões longas e, muitas vezes, desnecessárias. Se, por um lado, a tentativa do autor em manter a aura de mistério e suspense o levou a suprimir algumas informações importantes – como o nome e profissão dos personagens, que a princípio só se sabe pela sinopse na quarta capa; por outro, principalmente na segunda metade do livro, a cada dois ou três parágrafos, o texto se embrenha em digressões que pouco ou nada agregam à história. Há detalhes que poderiam ser introduzidos ao leitor sucintamente, mas que consomem trechos de 15 ou 20 linhas, o que quebra o ritmo da leitura.

Outro porém foi a escolha do autor pelo uso do narrador em primeira pessoa. E, como agravante, o uso do presente do indicativo como tempo verbal. A junção dos dois resultou em uma narrativa pouco verossímil. Além disso, logicamente há deslizes, pois não é algo natural contar uma história usando o presente. O contador de causos que “mora” em cada um de nós está habituado a contar eventos já ocorridos. O uso do presente do indicativo requer um domínio da narrativa e um jogo de cintura que se percebe que no autor ainda não se desenvolveu totalmente. Além disso, sem qualquer indicação, o narrador deixa de ser Cassimiro e passa a ser Guilherme, o que causa certa confusão no leitor até que isso seja identificado.

O texto é “duro”, engessado. Os diálogos são formais demais, improváveis. Faltou ao autor intimidade com o uso do idioma para deixar o texto fluido e “gostoso” de ler. Não é por ser um texto escrito que a norma culta deve ser o padrão. É uma história sendo contada, não uma tese de doutorado. Faz-se necessária a utilização de linguagem mais coloquial, mais próxima do cotidiano, do ambiente das personagens. Como afirma Marcelino Freire: “É preciso ‘vestir’ o que se escreve. Ninguém vai à feira vestido de ‘não obstante’ ou ‘doravante’.” Reparem no trecho abaixo, está longe de se assemelhar a uma conversa casual entre o garçom e um dos clientes do restaurante:

“– Olha! Como muitas pessoas passam por aqui todos os dias, não fica fácil decorar todos os rostos, apenas aqueles que frequentam com mais assiduidade!
Respondeu.
– Mas, para mim era estranha! Eu não me lembro de tê-la visto em outros dias.
Continuou.
E como ela era? Alta, magra? Tinha alguma coisa que a identificasse?
Continuei a indagá-lo.
– Ela era morena, mas da pela clara, tinha os olhos de uma cor meio esverdeada. Era atraente. E ela não demorou muito aqui, depois que me pediu para que eu lhe entregasse o papel! Por quê?
Perguntou ele a mim.”
(p.44)

O mote da história é interessante, mas se perde por conta da narrativa inconsistente e do final abrupto. Aliás, não há desfecho, fica tudo em aberto. Uma pena.

[cotacao coffee=”coado”]

Cristine Tellier
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4 Replies to “Flores em sangue, de Carlos Santiago”

  1. Olá, Bom dia,

    Sou escritor pernambucano e pergunto: como fazer para que você comente sobre um livro publicado?

    Atenciosamente,

    Valdir Soares Fernando

    1. Olá Valdir

      Obrigada pelo contato.
      Sempre estamos dispostos a resenhar livros. Gostaria de deixar claro algumas regras que citamos a todos os escritores que nos pedem resenhas. Por favor, não se sinta ofendido, caso alguma observação abaixo pareça óbvia.

      Seremos honestos na resenha. Se acontecer de o livro ter defeitos, vamos comentá-los. E isso nem sempre é legal para autores iniciantes, pois talvez prejudique o plano de divulgação. Assim como vamos citar os pontos fortes e técnicas que foram utilizadas com maestria.

      Caso o autor não concorde com nossa opinião, teremos prazer em conversar, mas entenda, porém, que uma resenha não é uma leitura crítica. Nós fazemos leitura crítica, o que dá ao autor direito a um relatório e uma sessão de esclarecimento via Skype. Isto é, contudo, um serviço pago. A resenha fazemos sem custo, apenas pelo prazer da leitura.

      O material pode ser enviado da forma que o autor preferir – de forma digital ou para nossa caixa postal (veja aqui os nossos contatos).

      Mais uma vez, obrigada pelo contato.
      Abraços e boas leituras 🙂

  2. Oi, Cristine,

    Grato, pelo retorno. Esqueci de dizer que o livro a comentar tem conteúdo altamente erótico. E no caso da leitura crítica, como saber os preços?

    No aguardo,

    Valdir Soares Fernando

    1. Olá Valdir,

      Quanto ao conteúdo, não temos restrições. Não precisa se preocupar.

      Sobre a leitura crítica, vc pode encontrar mais detalhes nesta página. Ao final dela, há um formulário de contato específico para solicitação de orçamento. Peço, por favor, que vc o preencha, dando mais detalhes sobre o livro, para que possamos ser mais assertivos acerca dos valores. Se preferir, pode nos enviar um email – para contato@cafeinaliteraria.com.br – com essas informações.

      Obrigada pelo contato.
      Abraços e boas leituras 🙂

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