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O lobo da estepe

Hermann Hesse
tradução: Ivo Barroso

O lobo da estepe conta a história de Harry Haller, um homem de 50 anos que acredita que sua integridade depende da vida solitária que leva em meio às palavras de Goethe e às partituras de Mozart; um intelectual tentando equilibrar-se à beira do abismo dos problemas sociais e individuais, ante os quais sua personalidade se torna cada vez mais ambivalente e, por fim, estilhaçada.
A primeira parte do livro é o pesadelo do lobo Haller, sua depressão e sua incapacidade de se comunicar que está na base da crueldade e da destruição. Na segunda, o lobo se humaniza, através da entrada em cena de Hermínia, que tenta reaproximá-lo do mundo, no caso uma comunidade simplória, com salas de baile poeirentas e bares pobres.
O lobo da estepe foi escrito quando Hesse tinha 50 anos, como seu personagem, e estava profundamente influenciado pela psicanálise. O estilo adotado, altamente revolucionário para a época, foi elogiado por Thomas Mann, para quem, como novela experimental, O lobo da estepe era tão genial quanto Ulisses, de James Joyce.”
(fonte: https://www.record.com.br/produto/o-lobo-da-estepe-2/)

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Aos leitores desavisados, um lembrete: “Leiam o prefácio.”
Creio que muitos, como eu, costumam pular o prefácio e deixar para lê-lo após a leitura do livro. Criei o hábito de fazer isso após tomar alguns spoilers. Mas neste livro, o prefácio cumpre a função de iniciar a imersão do leitor na narrativa. Além de apresentar Harry Haller, o protagonista, indica aos leitores o que esperar do texto, no que diz respeito à estrutura da obra. Um dos personagens notifica aos leitores que o romance compõe-se de registros escritos deixados pelo protagonista, deixando-os dessa forma preparados para a inexistência de um enredo linear e para a natureza desarticulada da narrativa.

Hesse escreveu e publicou o livro em 1927. O texto é uma mistura instigante entre psicologia e filosofia, por um escritor que se pôs à margem da sociedade com a qual não se conformava. Talvez devido a essa rebeldia intrínseca ao texto, a obra tenha encontrado eco e também um público cativo entre os universitários que conduziam a revolução sócio-cultural nos anos 60. Não é de se estranhar que uma das músicas símbolo da rebelião no rock dessa década, “Born to be wild”, foi gravada por uma banda que mudou o nome de The Sparrows para Steppenwolf antes de ficar famosa. Vale lembrar que a influência da obra foi bem além, e não apenas no meio musical. Desde referências literais em filmes e séries, personagens lendo o livro, até letras/títulos de músicas e nomes de outras bandas – por exemplo, a banda O Teatro Mágico e a música “Lobo da estepe” da banda Os Cascavelletes.
(veja aqui uma lista mais extensa de referências)

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Cena de Easy rider, escrito e dirigido por Peter Fonda e Dennis Hopper, cuja música-tema é justamente “Born to be wild”.

O protagonista introvertido é sempre um clichê que, bem explorado, gera boas reflexões. Haller chega aos 50 sentindo-se exausto, acreditando já ter vivido o suficiente. Sua introversão o leva a se achar incapaz de socializar e até de amar. E, em sua “viagem interior” (mais um clichê) passa a se definir como o Lobo da Estepe. E a primeira parte do livro (cerca de dois terços dele), incluindo o Tratado do Lobo da Estepe, é uma dissecação dos seus pensamentos mais íntimos. O tratado é um livreto que o protagonista recebe de um estranho, em que ele mesmo é objeto de estudo e análise profunda. Discorre sobre sua natureza dual – a humana (o bem) e a do lobo (o mal) – e o conflito constante em que essas duas naturezas lutam pelo controle de sua personalidade. A dualidade – em vários sentidos – o impede de ser uma pessoa feliz. Ao mesmo tempo que deseja ser livre e exercer sua individualidade, entende que apenas é possível atingir seu objetivo sendo solitário e isolando-se. E quanto mais se aprofunda na análise desses conflitos, mais se torna um suicida em potencial – o que, aliás, é um tema recorrente do tratado.

É possível comparar o protagonista e sua jornada a uma outra personagem bem conhecida. Assim como Alice – tanto em Alice no País das Maravilhas como em Alice através do espelho – que inicia sua viagem devido ao tédio, quando decide seguir o Coelho Branco, o protagonista vagava pela cidade entediado e solitário até encontrar uma porta em um muro onde antes nada havia. E na segunda parte do livro, esse caráter de viagem non-sense fica ainda mais acentuado. Haller conhece pessoas incomuns, vai a locais antes (aparentemente) inexistentes e participa de eventos numa atmosfera onírica. Considerando-se o formato da narrativa – excertos das anotações do protagonista – a linha entre realidade e sonho é muito tênue já que a subjetividade impera.

A linguagem é bastante acessível e cativante, mesmo nos trechos cujo conteúdo mais se assemelha a um TCC sobre temas por vezes eruditos ou ratos. A leitura flui apesar da complexidade e brutalidade de alguns assuntos. Como já comentado, a narrativa foca essencialmente nos pensamentos, digressões e reações de Haller, enquanto o mundo “externo” ao protagonista – tanto o ambiente quanto os demais personagens – é descrito brevemente, de forma bastante concisa.
Para os leitores que apreciam fluxos de consciência ou mesmo textos com viés mais intimista – Dostoiévski, Virginia Woolf, Clarice Lispector – é uma leitura a ser considerada. Aliás, vale ler mesmo que seja para encontrar na obra as referências que deram origem a músicas, bandas, filmes que fizeram e fazem sucesso.

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Cristine Tellier
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