Existe um ditado que diz: Tolo é aquele que empresta um livro. Mais tolo ainda aquele que devolve. Todo ávido leitor sabe disso. O que demonstra de forma evidente o apreço da besta leitora por seus preciosos livros. Embutido nisso está, não raro, o gosto pelo objeto em si, o cheiro do papel, a textura das folhas, etc.

Dito isso, escrevi meu último post sobre Guerra e Paz, de Tolstói, cuja edição é lindíssima. Capa de veludo e folhas em papel bíblia. Como meu tempo de leitura em casa é extremamente reduzido, me obrigo a ler no metrô e no ônibus. E, quem mora em São Paulo sabe, isso é um grande desafio, pois no horário do rush já é um exagero apenas o cidadão querer estar lá, quanto mais ler.

Guerra e Paz, de Tolstoi (editora Cosac Naify)
Guerra e Paz, de Tolstoi (editora Cosac Naify)

Associando isso à beleza inefável do meu exemplar e ao seu peso exagerado – deve ser por volta de um quilo o volume – é um crime sujeitá-lo aos possíveis estragos de estar na multidão e um castigo extremamente desconfortável carregá-lo, tornando a leitura não tão prazerosa.

Eis que o Natal me traz um presente sensacional: um dispositivo Kindle Paperwhite. Ainda em meio à leitura de Guerra e Paz, não me contive, porém. Tive de dar uma pausa para estrear o brinquedo. Li dois em sequência: Hamlet, de Shakespeare, e O Jantar, de Herman Koch. A vantagem mais gritante foi, de imediato, a questão da praticidade. É possível ler no metrô com apenas uma mão. A tela é confortável e, em dado momento, é possível esquecer que se está com um não-livro.

A autonomia de bateria é excelente. Comparado aos convencionais smartphones que raramente duram mais que 8h em uso, o Kindle Paperwhite durou ligado quase 15 dias. Isso considerando que, diferente da versão original, ele tem tela iluminada. Outra característica que o diferencia da versão anterior, é o fato de ser touch . Claro, não aquele touch de um tablet ou smartphone – nem é este seu intuito – é um pouco mais limitado, mas serve bem ao propósito.

Muitos leitores que eu conheço vão me crucificar pelo que escreverei a seguir: me sinto inclinado a substituir o máximo possível da minha leitura pelo formato digital. Entenda que, ainda que seja um leitor apaixonado, sou também um entusiasta da tecnologia e adepto da praticidade. Além da questão do peso, o Kindle proporciona procurar verbetes em dicionários (é possível instalar tantos quantos dicionários quiser. Inglês, português, etc). Isso é prático para ler livros em outro idioma, ou mesmo um texto muito rocambolesco, que usa verbetes menos conhecidos.

Leitura Digital: Experiência Kindle

Um dos outros recursos, ainda não tão popular é a interatividade que o leitor pode ter com o livro. Isso será fabuloso em alguns anos adiante, quando o conceito se tornar mais assentado. Imagine uma criança, que está em seu processo de aprendizado, poder “conversar” com o livro e ser estimulado através de brincadeiras que respondem aos seus contatos. Fabuloso.

Não sou profeta do apocalipse literário, que prega o desaparecimento dos livros de papel. Tampouco um revoltoso pró-natureza que vê o papel como um destruidor de florestas. Acredito, de qualquer maneira, que os livros tradicionais vão se extinguir nos próximos cem anos, quando nossa era perecer e a geração touch assumir a gerência. Um processo natural e inevitável. Em breve, gostar de livros de papel será algo nostálgico como, há alguns anos, os entusiastas da máquina de escrever ao afirmar que o computador jamais a substituiria.

Isso só não aconteceu ainda porque as grandes corporações não conseguiram se alinhar ainda em relação aos padrões. Cada qual quer se tornar “O” definidor. Isso é comum com tecnologias recentes. Tolo é quem pensa que eles nunca vão conseguir. O mercado pode até demorar um pouco para aprender a ganhar dinheiro, mas ele nunca, nunca desiste. E quando este mercado se tornar rentável, não haverá piedade com nossos velhos e amados livros de papel. Adapte-se ou morra.

kindle

Nota de Curiosidade: no Brasil o primeiro nome de Tolstói é traduzido como Leon – possivelmente por causa das primeira traduções em português, advindas do Francês. Há também uma variação: Liev. Todavia, o nome em russo é Lev. De qualquer forma, ambas significam “Leão”.

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5 Replies to “Leitura Digital: Experiência Kindle”

  1. Sempre fui apaixonada pelo cheiro e tato dos livros, mas a praticidade do Kindle é inegável.

    Estou no segundo aparelho e pretendo sempre aliar minhas leituras físicas com as digitais. Existem as suas vantagens e desvantagens, mas duvido que a substituição seja possível. Acredito sim no aditivo pra educação, como você citou com crianças.

    Excelente texto.

    @LilianSinfronio
    nemtecontoblogg.blogspot.com.br

    1. Pois é, Lilian, eu vejo que essa substituição está longe ainda, não deixará, entretanto, de acontecer. Nós temos apego a eles porque somos dessa geração que ainda teve o prazer de manuseá-los, cheirá-los, usar como apoio de mesa, como arma, com prateleira, etc. Mas os filhos de nossos filhos talvez não cheguem a ter esse contato e, por isso, não desenvolvam esse sentimento.
      Ainda ontem, na livraria cultura, passei pela sessão de discos de vinis: reduzidos a uma prateleirinha mixuruca, no canto da loja, custando uma exorbitância. Não vejo o futuro do livro de papel tão diferente…
      Obrigado pela visita!
      Beijo.
      D.

  2. Já eu sempre fui avesso às tecnologias da comunicação em geral (celular, computador, smartphone). Reluto, assim, em buscar os livros digitais. Dou um jeito de ler os pesados livros quando posso e continuo carregando-os (até gosto de sentir seu peso e forma, fora as preciosas capas duras). Mas, concordo, dia chegará que renderei-me a essa tecnologia. Tudo bem. Só não sei se acho legal a criança conversar com o livro digital. Não seria melhor pensar em ler para elas?! Abraço, Piero.

    1. Meu querido Piero,

      Entendo-te perfeitamente quando te remetes ao prazer de carregar e manusear um livro, independente do formato. Pergunto-te, entretanto, se já pegastes o metrô lotado na estação da Sé, por volta das 18h… Se sim, saberás do que estou falando. Se não, experimente um dia. Faço uma ressalva: não leve um livros. A voracidade com a qual as pessoas disputam cada centímetro naquele cubículo é de apavorar. O problema aí não é necessariamente o peso do livro, mas o seu valor, pois ele será sujado, manchado, esfregado, amassado e outros sacrilégios mais. Acredite: antes que espatife o tal Kindle do meu maravilhoso exemplar de Ulysses. Ademais, antes de escritor eu fui informático, o que significa que tenho apego à tecnologia. Assim, além da precaução de não estragar meus livros, estou exercitando uma segunda paixão: a tecnologia.

      Quanto a ler para as crianças, sim, ler para elas é fenomenal. Mas os pequeninos (tenho dois) recebem e absorvem estímulos de infinitas fontes. Seus poderes de assimilação são incríveis. Ler para eles não é o suficiente. Eles querem mais, mais e mais. E, se é assim, que sejam também os livros digitais catalisadores dessa sede. Afinal, digitais ou não, são livros.

      Muito obrigado pela visita.
      Grande abraço.
      D.

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