o jantar - capa

Lembro de um dia, quando criança, que estava acompanhando a conversa de um grupo de adultos. Falavam sobre política. Era um assunto constante naquele tempo entre meus familiares. Então, um senhor, que não faço ideia de quem seja, provavelmente comovido pelo meu tédio, me perguntou o que eu achava do então candidato à presidência Leonel Brizola. Por ser gaúcho, Brizola era um ídolo indelével no Rio Grande do Sul (onde se passa este causo). 90% da população gaúcha o apoiava. Em meu ponto de vista infantil, prontamente soltei, dentro de minha inocência, que ele provavelmente era só mais um político ladrão como todos os outros. Pobre de mim. Faltou pouco para que eu levasse algumas palmadas. As pessoas se horrorizaram e de menino bonitinho e simpático, minha reputação passou a ser de o menino mal educado que falava mal do Brizola.

Nesse dia aprendi que existe uma certa hipocrisia social que precisamos sustentar. Qualquer adulto consciente sabe que dizer/fazer o que se quer pode trazer consequências extremamente negativas em seus relacionamentos sociais. Mesmo aquele que enche a boca para dizer “eu sempre digo o que penso”, já está mentindo, pois se o fizesse provavelmente seria uma criatura tão isolada que não teria para quem o dizer.

o jantar - capa

E este é o mote principal do livro O Jantar de Herman Koch – justamente essa hipocrisia social. A história gira em torno de dois casais que vão a um restaurante para discutir alguns assuntos em comum. O narrador, em primeira pessoa, vai nos levando através de suas sensações, deixando para nós o abismo entre o que sente e como age e sua tremenda dificuldade com isso. Todos passamos por algo do tipo: ter de sentar em frente a uma pessoa insuportável e sorrir enquanto em nossa mente estamos batendo nela com um porrete.

Herman Koch desenvolve uma narrativa muito atual. Um tipo de conversa que o narrador tem com o leitor: aberta, honesta e de certo modo sarcástica. O que me agrada muito. Talvez pelo personagem ser homem, ser pai e ter sérias dificuldades em lidar com convenções sociais, me identifiquei tanto com ele. Provocar a identificação com um personagem – ou uma situação – é o fator mais importante que um livro precisa ter: no instante em que o leitor enxerga a si mesmo ali, vai querer saber como termina.

Apesar de a história principal estar focada no jantar, ela se desdobra em digressões (ou flashbacks, embora eu não goste deste termo aplicado à literatura), encaixando sistematicamente as peças da trama. Isso é feito moderadamente, de forma que não se perde o fio da meada. As questões que o livro apresenta são batidas: violência, racismo, política, hipocrisia social… Sempre atuais, não obstante. Ele o faz, entretanto, de forma interessante, o que não soa como um mero clichê.

herman koch
Herman Koch
Um ponto que me chamou a atenção foi o fato de tudo se passar na Holanda e, claro, sob o ponto de vista de um holandês. Ele comenta os problemas do dia a dia e eu achei tudo tão… Nós! Quero dizer: sempre somos ensinados indiretamente que o Brasil é um país problemático demais em comparação à Europa. Entretanto, percebe-se pelo livro que lá também há pessoas pobres, mendigos, políticos corruptos, violência e preconceito. Óbvio, as proporções são abismais. Não me iludo. Paradoxalmente, essa semelhança me conforta. Afinal, se temos os mesmos defeitos, significa que podemos encontrar as mesmas soluções.

Os personagens são bastante interessantes. Tridimensionais, quase “palpáveis”. Muito bem construídos, através do narrador, o autor nos mostra suas características e deixa que julguemos, sem deixar claro quem são. O que, ao meu ver, é uma artimanha excelente. A pureza do “Show don’t tell”.

[cotacao coffee=”capuccino”]

[compre link=”http://migre.me/hoIw1″]

mm
Últimos posts por Douglas (exibir todos)
Send to Kindle

4 Replies to “O Jantar, de Herman Koch”

    1. Fran, obrigado pela visita!

      Gosto quando o livro é realista assim. Quando o narrador arranca suas vísceras pra fora e esfrega na cara do leitor: “Veja! Este sou eu! E sabe de uma coisa? Você é podre assim por dentro também!”. Por mais incômodo que seja a sensação, faz-nos refletir e nunca mais esquecer; um golpe sensacional do autor.

      Beijo.
      D.

  1. Gostei da sua resenha. Eu acabei de escrever a respeito do livro de forma bastante informal no blog Brasil com Z. O interessante é que os holandeses tem fama de ser diretos, francos (o que é verdade, posso garantir a partir dos meus 15 anos de Holanda). MAS, porém, todavia, no entanto, entretanto… nunca deixam o interlocutor saber o que eles estão pensando e escondem dois segredos sempre: genéticos (no caso do livro a psicopatia do pai, do filho e talvez da Claire) e financeiros (a maioria dos donos de empresas sonega e compra casas na França, Espanha, Brasil, etc. com dinheiro não declarado). No ambeinte profissional são extremamente mentirosos e disseimulados.

    Concluindo: ótimo livro, muito criativo com a manipulação de tempo e – apesar de achar que muitos pontos não foram revelados (o nome da doença misteriosa da Claire, o exame genético que fez, etc.).

    1. Olá Ana! Obrigado pelo cafezinho conosco e pelas informações adicionadas. Nunca conheci um holandês e me surpreende muito – por incresça que parível – positivamente. Me sinto bem em saber que nós, brasileiros, tão difamados lá fora, somos, no final das contas tão humanos quanto todos eles.

      Beijo.
      D.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *