»» resenha publicada originalmente no Vórtex Cultural, em 22/12/2013 ««

A obediente Gerti é casada com Hermann, diretor de uma fábrica de papel que usa a mulher para satisfazer sua tantalizante obsessão sexual. O filho do casal, ainda uma criança, testemunha com curiosidade perversa os abusos sofridos pela mãe. Está também sob o jugo controlador do pai, por quem é tratado como presa, e revida ao mundo com violência, saboreando a inveja das crianças pobres do bairro.
(fonte: primeira orelha do livro)

Desejo, escrito por Elfriede Jelinek, deu à autora o Nobel de Literatura de 2004. Autora de A pianista – que virou filme pelas mãos de Michael Haneke – ganhou todas as premiações mais importantes de literatura em idioma alemão. Este é o segundo romance da autora publicado no Brasil.

desejo-Elfriede-Jelinek[1]

Polêmico, causou certo escândalo ao ser lançado. Há sexo em abundância, em praticamente todas as páginas. Contudo, como adequadamente afirmou a imprensa austríaca quando do lançamento do livro, o texto é antes de mais nada anti-pornográfico. Mesmo descrevendo o sexo com todos os detalhes e todas as palavras possíveis, não há absolutamente nada de erótico nessas cenas. Principalmente porque Jelinek entrelaça a elas associações entre a submissão da mulher – como gênero – e o capitalismo, dando ênfase ao consumismo desenfreado e à condição social dos operários. Quer algo menos sensual que isso?

“As mulheres, enxertadas de esperanças, vivem da lembrança; os homens, entretanto, vivem do momento, que lhes pertence e, se cuidadosamente cultivado, se deixa compor e formar um montinho de tempo, que igualmente lhes pertence.”
(p.23)

elfriede jelinek
Elfriede Jelinek
O livro estilisticamente é ainda mais difícil de “encaixar”. Trazendo para a realidade literária brasileira, a grosso modo seria possível descrever como sendo uma mistura de Guimarães Rosa – com neologismos e construções inovadoras – e Clarice Lispector – com digressões e fluxos de consciência. Parece estranho. E é mesmo. É difícil de acompanhar a princípio, enquanto a autora alterna entre sexo explícito e crítica social. E, honestamente, não há como se habituar a isso. Talvez tenha sido essa mesma a intenção da autora.

“Incômoda” talvez seja o adjetivo mais suave que se aplica a esta obra de teor degradante, implacável e violento. Tanto a forma quanto o conteúdo causam um desconforto durante a leitura, que demora a se dissipar mesmo depois de chegar ao fim do livro. Em alguns trechos, é insuportável acompanhar a narrativa, ver o modo como Gerti é subjugada e humilhada pelo marido, sua tentativa de fuga da realidade abrigando-se na bebida alcoólica, a perversão do filho, um pequeno voyeur que se delicia observando a situação. Desconcertante.

Cristine Tellier
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