A Montanha Mágica
Thomas Mann

Em 1905, Albert Einstein publicou a sua famosíssima Teoria da Relatividade. Trabalho que estremeceu o mundo científico e, assim como A Origem das Espécies, de Darwin, foi alvo de tanta admiração quanto de polêmicas. Neste mesmo ano, Thomas Mann casava-se com Katia Pringsheim. A mulher que, alguns anos mais tarde, em 1912, contraiu tuberculose e foi levada para um sanatório (lugar em que, na época, remetia a um tipo de hospital hospedaria) em Davos, na Suíça.

Ambos eventos, tanto o trabalho de Einstein, eu presumo, quanto a temporada de Mann em Davos deram origem ao livro A Montanha Mágica, lançada em 1924. Percebe-se que ele levou estes 12 anos para completar a obra e quando tomamos em mãos o exemplar (gentilmente cedido pela Comapanhia das Letras), entende-se o porquê de tanto tempo de trabalho sobre ele. Nas mais de 840 páginas do volume, Mann desenvolve a vida de Hans Castorp sobre o qual, embora eu desconheça com acuidade a vida do autor, apostaria com veemência que trata-se de um auto retrato dele mesmo.

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Hans Castorp, um rapaz burguês de classe média alta, órfão, porém afortunado pela herança da família, sobe à montanha de Davos para visitar um primo que estava lá adoentado. Sua vida, até então levada por uma inércia comum que é a vida de quase todo jovem que recém chega à idade adulta, cheia de indecisões e incertezas, transforma-se radicalmente.

Radical, contudo, não quer dizer necessariamente agitada. Pelo contrário. Alheio à cidade onde as obrigações e compromissos são latentes, Hans, de repente, vê-se rodeado pela calmaria inexorável do ambiente bucólico de um sanatório no topo de uma montanha. Lá ele passa, devagar, à entregar-se à rotina, ao tédio, com certa relutância no início, mas depois com deleite, passa a viver cada vez mais um niilismo pessoal, político e social.

E aqui eu retorno à obra de Einstein, pois Mann demonstra claramente uma inclinação para o tema do tempo e da relatividade e, portanto, quero crer que ele leu e foi influenciado pelo trabalho do físico, dadas as inúmeras referências e análises filosóficas sobre a questão. Além disso, é possível perceber na semiologia da obra que a narrativa inicia-se lenta, analisando cada dia com detalhamento exacerbado para, gradativamente, aumentar sua velocidade, saltando em semanas, depois meses e, por fim, anos.

Thomas Mann
Thomas Mann
Mann analisa, através a vida de Hans Castorp, o quanto o ócio pode ser ao mesmo tempo uma benção e um carma, visto que a personagem evolui em inúmeros aspectos intelectuais e, ao mesmo tempo, involui em sua vida social e profissional. Fazendo, ao que parece, uma dupla crítica: tanto aos pseudo intelectuais que acumulam conhecimento sem prática quanto àqueles que se prendem a uma vida de trabalho contínua, sem perceber que a magnitude da vida se esvai intocada.

A narrativa, inclinada para o estilo indireto livre – em que o narrador praticamente fala em nome da personagem, em terceira pessoa, mas não deixa denotar seus sentimentos, como se fosse o próprio – nunca sai do ponto de vista do protagonista, criando uma intimidade muito grande do leitor com Hans. É impossível não imergir na vida dele, não se identificar e até, em certo nível, compreender e corroborar com as razões dele por se submeter ao absurdo de abandonar a vida promissora de um jovem engenheiro por uma vida de marasmo e ócio na tal montanha mágica.

Inclusive, a descrição dos sentimentos é, ao meu ver, um ponto altíssimo no estilo de Mann que demonstra, de maneira muito terna, o processo de “apaixonamento” de Hans Castorp por Madame Chauchat, uma moça russa que Hans conhece no sanatório. Personagem, diga-se de passagem, assaz impressionante que me remeteu o tempo inteiro à Capitu, de Machado. Aliás, vale citar, a mãe de Thomas Mann era uma brasileira e, por isso, não me surpreenderia se ele tivesse tido acesso à obra do gênio brasileiro e feito a referência direta à moça dos olhos de ressaca.

Assim como Madame Chauchat, outros personagens são dignos de nota: Ludovico Settembrini, um representante do movimento humanista que retrata muito bem o conturbado período de ascensão científica, humanitária e liberal em face ao retrógrado e conservador pensamento religioso representado por Leo Naphta. Ambos são amigos e, ao mesmo tempo, rivais travando longas e acirradas discussões sobre filosofia, sociologia, política, religião e etc. Confesso que em alguns momentos senti uma vontade imensa de saltar as páginas, porque eram tremendamente longas e enfadonhas. Presumo, que Mann tenha as escrito propositalmente para demonstrar o quanto tais assuntos tomam tempo exacerbado e exercem, na prática, pouca ou nenhuma influência para o cidadão comum. Pois Hans, apesar de ouvir e demonstrar certo interesse, nunca se inclina para nenhum dos segmentos filosóficos apregoados pelos pugilistas retóricos.

Ainda sobre as demais personagens, há também o primo do protagonista, Joachim, que contrapõe o pensamento divagante de Hans, sendo um aspirante a militar, representando, de certa maneira, a consciência do outro (o grilo falante ou seu Sancho Pança). Ainda que o tempo inteiro meio ofuscado, tem um final emocionante e belíssimo, determinando exatamente o ponto em que o protagonista se entrega deliberadamente à magia da montanha.

A sutileza é uma nota constante que ressoa por todo o livro. Inclusive Mann, embora casado com uma mulher, fosse homossexual (ou bissexual, vá lá…) e, na narrativa, entra neste assunto de maneira breve, sutil e tão trivialmente que dá à questão naturalidade e leveza, fazendo transparecer apenas a ternura ao invés de polemizar. Em outras palavras, foca na beleza dos sentimentos sem tornar seu texto um material panfletário ou levantar bandeiras.

Para finalizar, ouso dizer que a obra toda é uma viagem completa ao cenário europeu das décadas de 1910 e 1920, mostrando através do microcosmo do sanatório um apanhado da cultura e da filosofia daquele tempo e que, poder-se-ia, dizer acabou-se por se perder no espaço-tempo, abruptamente com o romper da primeira guerra mundial.

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(fonte: http://www.gemeindedavos.ch)
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