Fausto
Johann Von Goethe

Certa feita, conversando com um conhecido sobre Beatles, demo-nos conta de que as primeiras letras do grupo não traziam lá uma erudição muito expressiva. Se você parar para observar “Twist and Shout” e “Love me do”, apesar de muito melodiosas e envolventes, não carregam grande profundidade poética. Eram apenas arroubos sentimentais, mas rasos, de quatro adolescentes de Liverpool. Por que, então – perguntamo-nos, meu conhecido e eu – eles tiveram aquele sucesso tão arrebatador? Por que são considerados tão marcantes na história da música?

A conclusão a que eu cheguei é que eles estavam quebrando os paradigmas. A sociedade do início dos anos 60 estava sobrecarregada de seu moralismo adstringente e a música, até então padronizada nas baladinhas comportadas, finalmente começou a ceder à influência dos negros e ficar cada vez mais ousada e potente. Hoje, em meio ao aterrorizante abuso do tema sexual na música, parece ridículo mandar uma menina “dar uma sacudida, requebrar e gritar” (shake it up, baby/twist and shout), mas em 1960 isso era uma perversão total!

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Voltando ao nosso mote, Fausto, de Johann Wolfgang von Goethe, escrito entre 1770 à 1808, é um grande clássico da literatura alemã, dividido em duas partes. (aqui vou tratar apenas da parte I, a mais conhecida). Sua história é baseada numa lenda folclórica, de um tal Dr. Fausto que faz um pacto com Mefistófeles, o diabo. Quem tem algum interesse por literatura dificilmente não terá ao menos ouvido falar desta obra. O poema épico, composto por Goethe, é universalmente reconhecido e já serviu de inspiração para inúmeras outras obras. Seu tema principal é a aflição humana de nunca se satisfazer. Sua inquietude e inconformidade em relação ao mundo. No poema, Dr. Fausto anda enfastiado, depois de considerar que não há nada mais no mundo que possa impressioná-lo. Mefistófeles, então, depois de uma ligeira aposta com Deus, bem aos moldes da parábola de Jó, pactua com o protagonista que é capaz de prover-lhe novamente a centelha divina da alegria e da descoberta. Dentre outras coisas, como festas e uma poção mágica da juventude, Mefistófeles apresenta Fausto a Margarida, a moça mais bela e mais encantadora que ele poderia ter conhecido em vida (mulheres, sempre elas!).

Igualmente aos Beatles, a obra quebrou paradigmas. Mostrou uma visão da psique humana mesclada aos anseios religiosos e morais. Novamente, como os Beatles, hoje em dia isso pode não parecer nenhuma novidade, mas naquele tempo o mundo estava em transição da Idade Média para a Idade Moderna. Então falar de religião x ciência não era a mesma coisa que fazer declarações preconceituosas via Facebook. Era grande a chance de ir para a fogueira.

fausto-filme
Cena do filme Fausto (1926)

Embora escrita em formato de peça de teatro, os diálogos são dispostos como poesia épica. Para quem não está habituado a ler neste formato – que é o meu caso – a leitura de Fausto pode ser um pouco maçante. Sobretudo porque o linguajar da época – mesmo na tradução – é bastante pesado e rocambolesco (ponto para o Kindle que tem um dicionário à mão para consultas).

Abstraindo-se isso, preciso ser honesto e dizer que fiquei um pouco desapontado com a falta de profundidade de Mefistófeles. Enquanto o personagem de Fausto é bastante conciso e bem trabalhado, o seu antagonista está mais para um vigarista de esquina do que para um sujeito realmente diabólico. Presumo, todavia, que seja um reflexo da visão maniqueísta do período em que foi escrito.

Goethe_(Stieler_1828)
“Goethe (Stieler 1828)” by Joseph Karl Stieler
Aliás, de forma geral, fiquei com uma sensação semelhante a de quando li Drácula, de Bram Stocker. A mitologia em torno da obra confere a ela uma reputação pitoresca, de nível supremo. Ao lê-la, contudo, nota-se que, à parte a erudição das palavras, não há uma trama muito surpreendente.

É possível que muitos eruditos me crucifiquem, alegando que a culpa é minha falta de conhecimento da atmosfera da época e, provavelmente, de uma infinidade de ideias subjetivas incutidas que não me foi possível captar. Até concordo com isso. Entendo que uma obra, enquanto clássico, deveria ser autoexplicativa. Deixo as elocubrações filosóficas da obra para os estudiosos.

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