dracula - livro

Hoje, meu filho de seis anos pegou meu aparelho de barbear e fingiu que o usava. Assim como ele, nesta mesma idade, eu também me via ansioso para ter barba e poder fazê-la. É o tipo de coisa que ansiamos na vida e que, depois que descobrimos como verdadeiramente é, ocorre uma decepçãozinha. A barba começa na adolescência, quando estamos com a cara cheia de espinhas, tornando um castigo ter de fazê-la. O que é uma sacanagenzinha da mãe natureza. No meu caso, em que a barba é relativamente desalinhada, com fios que crescem em sentidos diferentes e com a pele irritadiça, é até hoje um pouquinho incômodo ter de fazer.

A vida é cheia de pequenas decepções desse tipo. Quem é humano sabe. Às vezes, ídolos de infância se tornam repugnantes e até mesmo já adultos há experiências com as quais sonhamos que, ao se realizarem, olhamos meio embaraçados e pensamos… “mas era só isso?”. Porém, nada de drama. Este não é um texto depressivo do tipo desabafo. Meu ponto é outro. Essas coisas fazem parte do nosso amadurecimento.

dracula - livro

Quando Bram Stoker publicou Dracula em 1897, já tinha uma série de outras publicações pouco expressivas e uma proeminente carreira como administrador do Royal Lyceum Theatre em Londres. Portanto, suponho que não era esperado o sucesso estrondoso a ponto de tornar-se obra referência para a mitologia do vampiro.

Embora pareça desnecessário dizer do que se trata a história, pois o livro é um dos mais conhecidos do mundo, creio que seja conveniente comentar que a história original é bem discrepante do que se tornaram hoje em dia os paradigmas vampirescos. Isto é: a lenda proposta por Stoker é bastante diferente do que vemos hoje em dia sobre o tema. Por isso, segue uma micro-sinopse do que fala o livro:

Escrito em modo de narrativa epistolar (onde tudo é contado através de cartas, diários, recortes de jornal, etc), a história se desenvolve a partir de diversos pontos de vista. Cada personagem conta a seu modo o que se está desenrolando. O protagonista, presume-se, é Jonathan Harker, que vai ao castelo de Conde Dracula, na Transilvânia, para tratar dos interesses do velho na compra de um imóvel nos arredores de Londres. Uma série de coisas estranhas começam a acontecer por lá e o jovem se torna refém do Conde. Até que Jonathan consegue fugir. O problema começa realmente quando o vampirão chega a Londres e alicia Lucy, uma amiga de Mina, que por acaso é noiva de Jonathan.

Agora vem o vínculo com a introdução: fiquei ligeiramente decepcionado com alguns aspectos do livro. Tratando-se de um clássico secular, esperava ficar embasbacado com o que iria encontrar, quando na verdade apenas observei com cara de interrogação e com aquele gosto na boca de “Mas… era só isso?”. Portanto, claro, fico me sentindo um ignorante, pois acredito que não tive capacidade intelectual para absorver a obra como deveria.

Apesar dos diferentes personagens narrando a história, me parece que o autor explorou pouco as diferenças entre cada um. Além das coisas óbvias como suas profissões (entre corretores de imóveis, médicos, nobres, burgueses, etc), creio que se fossem retirados os enunciados das cartas e diários, dir-se-ia que tudo fora escrito por um único narrador. Além disso, este estilo de narrativa leva o escritor a fazer alguns malabarismos esquisitos: nas cenas de ação, por exemplo, como acreditar que, no instante em que estão fugindo de lobos assassinos, o personagem deu uma paradinha para atualizar seu diário? Nem que fosse o Caco Barcellos, fazendo reportagem no Oriente Médio…

dracula-gary-oldmanO personagem sedutor e dramático tal como Drácula é representado nos dias de hoje passa longe do velho esquisito representado no livro. Aqui ele está obviamente posicionado com o lado mau, cruel e sádico, numa premissa absolutamente maniqueísta, sem margem a questionamentos em relação a seus motivos e objetivos particulares. O tempo inteiro fiz mentalmente uma analogia com o conto da Chapeuzinho Vermelho: o lobo mau que come a vovó para depois pegar a menininha que, por fim, é salva pelo caçador.

Com base na pesquisa que fiz de sua biografia, apesar não muito profunda, pode-se ter um vislumbre das motivações para sua história. Proveniente de uma família ferrenhamente cristã, entende-se o porquê de haver a mão oculta de Deus, através de inúmeras referências, auxiliando os heróis a vencerem o vilão. É o poder divino vencendo o diabo.

Apesar de ter feito uma extensa pesquisa sobre a mitologia do vampiro, o autor não chegou a mostrar muitos detalhes de onde e como tudo começou. Isso não é algo que atrapalhe. Até corrobora para o mistério da trama. Porém, o personagem de Van Helsing (o mentor que vem para ajudar a caçar o monstro) denota um extenso e inexplicável conhecimento sobre o assunto que em alguns pontos fica difícil de engolir. Quase um “deus-ex-machina”.
(Um parênteses: em O senhor dos anéis, o personagem de Gandalf passa anos pesquisando a história do Um Anel antes de vir ajudar Frodo a destruí-lo. Funciona bem melhor quando se precisa explicar alguma coisa da história ao leitor).

Também penso que muito poderia ter sido aproveitado da história de Vlad III, o verdadeiro Conde Drácula. Visto que alguém que foi conhecido como “O Empalador” deve ter inúmeras crônicas reais (!) de arrepiar os cabelos.

O filme de Copolla (Bram Stoker’s Dracula, de 1992) conta a mesma história, porém de forma bem mais amadurecida e tapa muito bem esses buracos. A obsessão por Mina (no filme) dá ao Conde um objetivo mais tangível e uma profundidade dramática, fazendo o espectador se afeiçoar ao personagem. No livro, ele só quer espalhar o mau e comer as menininhas da vizinhança (comer no sentido literal). O que me faz pensar que, no fundo, quem mitificou Drácula e o consagrou como lenda foi o cinema, começando com o filme de 1931, com o ator Béla Lugosi e não o livro em si.
dracula-bela-lugosi

Decepções à parte, a novela gótica cumpre sua missão de entretenimento. Explora o oculto de forma quase subjetiva, sem exageros, criando a atmosfera de suspense. Possivelmente foi um grande frisson para a época. Mas se fosse lançado nos dias de hoje em dia possivelmente venderia menos que a saga Crepúsculo.

[cotacao coffee=macchiato]

P.S.: Leia também a resenha escrita pela Cris.

[compre link=”http://bit.ly/dracula-bram-stoker”]

mm
Últimos posts por Douglas (exibir todos)
Send to Kindle

13 Replies to “Drácula, de Bram Stoker”

  1. Lembro de ter lido uma edição em inglês resumida para estudantes quando ainda era criança, e gostei muito, embora me lembro que tenha tudo bem simples até. Eu também não tinha muitas referências naquela época, ainda não havia descoberto Anne Rice, por exemplo. Tenho o livro em edição brasileira com o texto integral há uns anos na estante, ainda esperando para ser lido, e é meio inevitável ir com muita sede ao pote. Drácula é algo mítico, bem enraizado no imaginário.
    Agora, o filme do Coppola é mesmo excelente, sem dúvida.
    Gostei muito da resenha e quando for finalmente pegar minha edição brasileira de Drácula vou lembrar de ir com calma, e baixar um pouco as expectativas.

    Beijos,
    http://livrolab.blogspot.com

    1. Oi Aline! Concordo contigo que é uma leitura que vale a pena. Não apenas pela trama em si, mas também como análise técnica do estilo do autor. O meu problema, imagino, foi exatamente o ponto que você comentou: a expectativa. Obras como as de Anne Rice e Coppola “inflacionaram” a lenda, dando aos vampiros uma profundidade dramática que o Conde não tem e foi uma frustração tentar encontrar isso na obra do Stoker.

      Obrigado pela visita.
      Beijo.
      D.

      PS.: Seu blog é excelente! Embora discordamos em relação ao filme “Birdman”. 😉

    1. Olá Wilson! Não obstante as diferenças entre a mitologia explorada por Stoker seja bem diferente do que vemos hoje em dia, eu, particularmente, ainda prefiro a dele do que vampiros que brilham no escuro… rsrsrs.

      Obrigado pela visita!
      Abraço.
      D.
      PS.: Muito show seu blog! Virei seguidor.

  2. Li sua resenha toda balançando a cabeça e concordando com cada palavra, Douglas.
    De forma divertida, você me fez ver que não estou sozinha quando fiquei com a sensação de que talvez eu não tivesse a capacidade de compreender esse livro.
    No início até achei que estava lendo o livro errado.
    Será que antigamente os leitores não eram tão críticos e exigentes como somos hoje? Mas, de qualquer forma, é uma obra que vale a pena conhecer.

    1. Oi Jéssica! Obrigado por aparecer por aqui! Honestamente, acredito sim que os leitores eram bastante críticos – talvez até mais do que os atuais. Porém, penso que a falta de conhecimento científico associado ao excesso de religiosidade da época faziam o público pensar que tudo aquilo era realmente possível, cobrindo a obra com um manto de verossimilidade falsa, gerando uma espécie de frisson em relação à lenda. Contudo, ainda acredito que o maior responsável pela persistência do mito vampiresco, foi o sedutor Bela Lugosi, que se tornou referência cinematográfica como o Conde.

      Beijo!
      D.

  3. Olá, bom dia. Eu adoro esse romance, e pelo fato de ter sido escrito em narrativa epistolar me encanta muito. Minha vida é procurar o livro original. Tu podes me informar qual a capa das edições de hoje em dia? Não queria paráfrases, queria a versão original, e em inglês. Obrigado.

    1. Olá Rogério! Obrigado pela visita.
      Que eu saiba, você consegue baixar o livro original em diferentes formatos no sitem http://www.bramstoker.org. Agora, impresso, não tenho esse conhecimento assim de bate-pronto. Aposto, todavia, que você encontrará em livrarias virtuais como Amazon e etc.

      Se conseguir, manda pra nós uma foto! Obrigado!

      Abraço.
      D.

    1. Olá, Izumi! Não foi exatamente uma decepção. Talvez apenas uma inversão de expectativa. Eu estava com o filme do Coppola na cabeça e talvez este tenha sido meu erro. É preciso despojar-se dos antigos estereótipos de vampiros para lê-la. Obrigado pela visita! Abraço!

  4. Acho o livro maravilhoso, mesmo sendo da época da época vitoriana acho que o autor tem uma linguagem atual. A primeira parte do livro, no arco de Jhonatan e Lucy o livro é sensacional, o terceiro plot perde o ritmo e torna-se cansativo.
    Mas acho muito interessante o tipo de linguagem romântica da época sobre os nobres que buscavam salvar a amada endeusada.
    Discordo em muitos aspectos da resenha, pois ele criou um vampiro para o seu livro muito mais fiel às antigas lendas do que os vampiros que vemos hoje em dia.
    Ele buscava aumentar seu reinado, voltar a ter o poder que ele possuía antigamente no mundo moderno (que se passa o livro), deste modo caçando suas vítimas mulheres, para não perder o seu posto de “rei”.
    E sua obsessão por Mina se dá por uma vingança aos homens que mataram sua futura vampira (Lucy), mais uma vez entra a referência ao romantismo da época em vingar sua companheira morta e vingar-se e em proteger sua amada das garras do terrível vampiro.

    1. Alexandra, obrigado pela visita. Pode parecer eufemismo, mas fiquei feliz por você discordar da resenha. Outros prismas sobre a mesma história prova que não há opinião absoluta sobre a arte. Você me trouxe uma percepção diferente, da qual eu não havia me dado conta. Agradeço muito por isso.
      Venha mais vezes discordar por aqui!
      Abraço!

  5. Douglas,

    Estou pesquisando sobre a obra original, que li em PDF, muitos anos atrás, pois tenho aqui uma dúvida que está me fritando o cérebro: no que eu li, não havia nenhuma história pregressa, nem amada renascida em Mina Harker, nem dramas de consciência. Havia simplesmente um predador implacável e cruel.
    É isso mesmo?

    Em caso afirmativo, de quem é a versão referida por algumas pessoas que afirmam a existência de tais elementos na obra?

    Seria uma livro baseado no filme do Coppola?

    Ou alguma edição posterior escrita pelo próprio Bram Stoker?
    Agradeço desde já.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *