dracula - bram stoker

O fato de eu dar preferência aos clássicos é apenas uma questão de praticidade. Com o tempo de leitura massacrado pelas responsabilidades diárias, a forma mais certeira de escolher um bom livro é pegar aqueles que já vem sendo analisados e bem criticados há décadas ou séculos.

Porém, volta e meia arrisco um contemporâneo, o que me traz boas surpresas como Gillian Flynn ou Cristóvão Tezza. O próprio trabalho com o blog me leva a ler material de escritores iniciantes que pedem resenhas ou cujos livros nos são enviados por nossos parceiros editoriais para criticá-los.

flynn - tezza

Destes últimos tenho mais receio. Criticar o trabalho de um autor vivo é sempre um risco. A intenção do Cafeína é exatamente divulgar e fomentar a literatura e não apenas fazer propaganda. Por isso sempre nos vemos na obrigação de falar a verdade sobre a obra criticada. Mesmo que esta verdade seja ácida para o escritor.

Por isso, mais de uma vez recebemos críticas de nossas críticas, que ouvimos calados, no intuito de não criarmos celeuma. Não que adotemos uma postura de sábios ou conhecedores oniscientes da arte literária, é justamente o contrário: levamos em consideração a probabilidade de estarmos errados e, por isso, tentamos tirar alguma lição da crítica recebida.

Atentamo-nos, todavia, ao fato de que este não é um portal de opiniões sobre livros, diferente da maioria que costumamos encontrar por aí. É, por certo, impossível para o crítico se manter imparcial, pois somos criaturas emotivas. Mas ao menos tentamos embasar nossas impressões com algum conhecimento técnico.

Eis o que procuro analisar num livro:

  • A premissa ou história base: reza a lenda de que todo livro pode ser resumido em cinco linhas. Este resumo é a premissa. O arcabouço central no qual se encarna uma obra. A maioria esmagadora de novos autores tem exatamente a mesma premissa: se mulheres, seguem a jornada da heroína; se homens, seguem o padrão do cavaleiro solitário. Para quem está habituado a ler e tem um pouquinho de conhecimento técnico, é fácil reconhecer esses paradigmas. E é algo que desaponta tremendamente. Estes velhos clichês estão mais do que batidos. Saber que terei duzentas páginas de mais do mesmo torna o processo da leitura de difícil imersão e acarretará uma análise viciada e turva para as qualidades reais do escritor. Portanto, se você é um escritor iniciante, fuja desesperadamente desses lugares comuns.
  • Clarice-Lispector-Perto-do-Coracao-SelvagemEstilo: isso é algo que o escritor consolida com o tempo e seria cruel demais exigir de um iniciante um estilo exuberante e ao mesmo tempo coerente. Mas dou valor àqueles que se arriscam, mesmo que errem. Quando Clarice Lispector escreveu Perto de Um Coração Selvagem, aos vinte e três anos (dizem que ela mentia a idade, então teria escrito aos dezenove) ganhou a crítica pelo estilo. A premissa do romance segue, olhando a sangue frio, a mesma jornada da heroína, mas seu estilo ímpar confere à obra o status de clássico. Escritores que conheço se justificam dizendo manter seus textos num padrão raso propositalmente na tentativa de arrematar um público maior. Eu não acredito nisso. Para mim é uma desculpa para falta de ousadia ou apenas falta de talento. Além do mais, de que adianta escrever um livro que será igual às dezenas de milhares que já existem? Por isso, escritor, procure surpreender. Seja gentil com o poeta que vive em você e desenvolva um estilo próprio. Sem exageros, entretanto. Não se esqueça de se fazer entender.
  • Adequação da linguagem: muitos me dizem que não definem público alvo, pois almejam escrever para todos. Isto é, em minha opinião, um grande erro. Pois na tentativa de tornar o texto abrangente, pecam em vários aspectos: explicam detalhes desnecessários, dizem o óbvio, censuram o linguajar de seus personagens, etc. É frustrante ler uma história de personagens adolescentes que falam tudo certinho, sem gírias ou sem sotaques (em tempos de funk, sobretudo). Mesmo Machado de Assis sabia a quem escrevia. Ele se dirigia às mulheres, donas de casa, público cativo de seus romances. E por isso era tão sutil em sua ironia. Num nível que a sensibilidade feminina capta com muito mais eficiência que a maioria dos homens. O público fornece o tom da narrativa. Para infanto-juvenil não cabem palavrões, cenas de sexo ou violência, mas quando leio histórias de demônios cruéis, espero no mínimo um pouco de malcriação.
  • crespusculo - supernaturalCoerência com o mundo real: é comum obras fantásticas desafiarem a realidade criando personagens e mundos surreais. E isso é muito bom, desde que mantenha os pés sobre alguma coerência. Tanto no sentido da da física quanto no sentido dos fatos. Por exemplo: se você criou um ser místico e super poderoso, que tem quinhentos anos de idade, é muito inverossímil que ele se interesse por assuntos mundanos como frequentar uma escola de segundo grau (desculpem, crepusculetes, mas não rola…). Ou que ao pesquisar um mistério, o personagem encontre todas as respostas num livro de biblioteca ou numa rápida pesquisa à Internet. Um mundo fantástico não é um salvo-conduto para incoerências. Por mais criativo que seja, precisa respeitar as regras do bom senso do leitor. E quanto mais exigente seu leitor, menor será sua tolerância com o non sense fantasioso.
    Nota: falando em pesquisa… é incrível a quantidade de escritores que, ao pesquisarem mitologias para compor sua narrativa, se baseiam em textos de fontes duvidosas, quando não copiam literalmente o que encontram, sem mudar uma vírgula. É revoltante encontrar isso.
    Nota 2: Tenha em mente que o Wikipedia não é uma fonte confiável. É um site aberto, onde qualquer um pode editar e adicionar dados sem fonte e sem senso crítico. É importante ter certeza da procedência das informações.
  • Deus ex machina: isso é algo que realmente me chateia. Às vezes a premissa é ótima, bem como a trama, percebe-se o talento do escritor em dominar as palavras, mas, lá pelas tantas, acontece uma coincidência que resolve o mistério sem a menor criatividade. O termo deus ex machina, oriundo do Teatro grego, representa isso: a intervenção do destino, de um fato fortuito e inesperado que tira o herói da encrenca. Convenhamos, é pura trapaça de um escritor preguiçoso.

Há, obviamente, outros tantos detalhes técnicos analisados no livro para se compor uma resenha: narrativa, construção de personagens, as figuras de linguagem aplicadas, o ritmo narrativo, etc. Contudo, os itens acima são o que me chamam mais atenção. E, infelizmente, só podem ser avaliados depois de algum tempo de leitura e, por isso, minha preferência pelos clássicos. É mais seguro confiar em Bram Stoker que em Stephenie Meyer.

dracula - bram stoker

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3 Replies to “Criticar e ser criticado”

  1. Oi, adorei o post! Quando eu leio, também penso em todos esses tópicos, por isso, muita gente acha que eu sou chata como leitora (sou do tipo de presto atenção nos mínimos detalhes). E, às vezes, fico chateada por ser uma dos únicas que consegue enxergar o porquê de uma história não ser “tudo isso” que a maioria fala. O que mais me irrita é a questão da fantasia ter fantasia de sobra, sem pé no chão. Sou do tipo de pessoa que pre-ci-sa de certa verossimilhança. E também o romance exagerado acaba me cansando bastante.

    Love, Nina.
    http://ninaeuma.blogspot.com/

  2. Oi!
    Descobri o blog agora e fiquei conferindo vários posts. Este, especificamente, me chamou atenção, pois após ler muitos livros infantojuvenis e Young Adult percebi algumas coisas que você mencionou. Ultimamente, tenho lido muitos livros com a mesma premissa e que não me surpreenderam positivamente e é horrível para o leitor dedicar seu tempo a obras que caem na mesmice. Muitos mistérios, realmente, são solucionados da mesma forma, com uma pesquisa na internet, em livros na biblioteca como em Fallen, Saga Hush Hush, Crepúsculo e até Harry Potter (que eu continuo amando mesmo assim). Mas como eu não desisto nunca vou insistir nas minhas leituras, pois quem sabe algum autor não me surpreende.

    Beijos.
    http://asassecretas.blogspot.com.br/

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