Em dado momento você está entre conhecidos, no trabalho ou na escola, numa festa ou lugar público qualquer e repentinamente percebe que está nu, diante de todos. Tenta se cobrir, mas é inútil. Já viram suas intimidades. A vergonha ensopa o corpo como um banho de água fria. Então você acorda e percebe que era tudo um pesadelo.
Freud explica: os sonhos são representações simbólicas do seu subconsciente. Estar nu diante de estranhos é uma sensação típica de insegurança. De aflição. Afinal ninguém gosta de estar assim tão “vulnerável”, seja literalmente nu ou desmoralizado de qualquer outra forma. Insegurança todos temos em certos níveis. A menos que você seja um psicopata ou um idiota. O medo do porvir, da tomada de uma decisão, de errar e ser julgado, de ver cair suas máscaras morais e ter suas vergonhas expostas àqueles que não são capazes de entender suas razões.
O romance O Duplo, de Dostoiévski, explora magistralmente esta faceta da psique humana. Como é típico do autor, ele escolhe uma das neuroses comuns que compõe a mente humana e a esgarça, levando seus personagens aos limites da tortura. Auto-tortura neste caso.
Yakov Golyádkin é um funcionário público em Petersburgo que vive atormentando pela insegurança. Quanto mais procura viver a contento da sociedade, buscar respeito e reconhecimento de seus chefes e convivas, mais ridículo se parece aos olhos alheios, o que o obriga a ensimesmar-se, coberto de paranoias.
O extremo da situação ocorre quando lhe aparece um cidadão que tem a sua exata aparência e mesmo nome. Alguém que parece acertar sempre onde Golyádkin erra.
Quem nunca passou por isso? Aparece um funcionário novo que, apesar da inexperiência, parece sempre lhe superar, ganhando a simpatia de todos e fazendo você parecer desgastado é desnecessário. Um trapo velho, para usar os termos do personagem.
Romances são, em teoria literária, a representação da vida real. E este o faz muito bem, ao ponto de o leitor sentir-se tão ofendido e agoniado quanto o personagem. A narrativa, embora em terceira pessoa, segue ao estilo cosanguíneo, ou seja, o narrador toma partido e se molda à tensão da personagem. Inclusive mesclando-se nos fluxos de consciência dele. Algo muito difícil de se fazer sem parecer ridículo. E que predomina no livro. Coisa típica de gênio.
Um adendo sobre a edição traduzida direto do russo, por Paulo Bezerra: há saborosas considerações finais do tradutor, falando sobre o trabalho tradução, sobre a obra e sobre o autor. Muito bom saber que a tradução ficou a cargo de alguém que ama a obra. Confere uma grande segurança de estar lendo uma interpretação mais literária que literal. Degusta-se um belo café vienense por ela.
[cotacao coffee=vienense]
[compre link=”http://bit.ly/o-duplo”]
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Caro Douglas. ..boa tarde
Sua resenha está muito vem feita e desperta o desejo de ler este livro.
Parabéns!
Alem disso temas que retratam os traumas humanos sao sempre muito interessantes porque nos fazem refletir a respeito de quem somos , nossos fantasmas e entender melhor quem nos cerca.
Esperarei mais textos abordando o tema e, com certeza, vou ler o livto.
Um grande abraço
Luciana
Coquetinha,
Engraçada ao escrever sua formalidade em contraste a sua ternura no trabalho. Obrigado pelo comentário. Vindo de uma pessoa tão notável quanto você, é uma parabenização inesquecível.
Obrigado pela visita.
Beijos.
D.
Obrigada pir responder meu querido.
Muitos beijos
Coquetinha
Boa resenha. Parabéns.
Obrigado Piero! Espero que acerte nas próximas também!
Abraço!