hunger games

The hunger games (Jogos vorazes)
Direção: Gary Ross
Roteiro: Gary Ross, Billy Ray, Suzanne Collins

“Ufa! Tem mais gente que também não achou tão bom assim…”
A expressão de alívio é justificada já que é bastante incômodo ficar duvidando do nosso próprio discernimento. Fui assistir “Hunger games” e, por algum tempo, fiquei com aquela estranha sensação de estar remando contra a maré. Apesar de que quem estava assistindo comigo ter tido percepção semelhante à minha. Afinal, a grande maioria dos meus conhecidos, dos blogs e sites que acompanho estava elogiando o filme. Mas “a maioria” não são todos, e alguns deles corroboravam a minha opinião por motivos semelhantes aos que me incomodaram. Não é que eu tenha detestado, mas certamente eu não o recomendarei – apesar de recomendar o livro (post aqui).

hunger games

Bom, antes de mais nada gostaria de deixar claro que entendo que o filme é uma adaptação do livro e que, justamente por isso, não tem obrigação alguma de ser totalmente fiel. O que não quer dizer que deixa de ter obrigação de “guiar” o espectador que não leu o livro. Entendo que o filme deva se sustentar per se, sem pressupor qualquer conhecimento prévio dado pela leitura do livro. E um dos principais problemas do filme foi deixar sem explicação vários detalhes que não fazem o menor sentido para quem não leu o livro. Não me recordo de todos, mas aqui vão alguns exemplos:

  • Aquele sinal com os três dedos da mão, qual o significado dele? E por que, depois que Katniss o faz para as câmeras, a população do Distrito 11 inicia um tumulto?
  • O tordo (e o broche de Katniss) aparecem de modo diferente do livro – o que não é um problema – mas fica totalmente “solto” na trama. Afinal qual o significado dele? Qual sua importância?
  • Quem é e qual é exatamente a função da mulher de cabelo cor-de-rosa? A mestre de cerimônias da Colheita, Effie Trinket, não é apresentada, aliás não lembro de o nome dela sequer ser citado.

Outra falha do filme é que “as regras” desse futuro distópico, não apenas as dos Jogos Vorazes, não ficam muito claras. Quem leu o livro sabe que armas são proibidas, que os habitantes dos distritos não podiam sair dos limites da cidade, que era proibido caçar ou obter alimento de alguma outra forma que não fosse no mercado “oficial”. Mas tenho certeza que para quem não leu não é nada simples concluir isso a partir das poucas cenas iniciais que enfocam o dia-a-dia do Distrito 12. E mesmo quanto aos jogos, apesar das poucas explicações dadas pelos apresentadores do reality show, a maioria das regras não fica clara. E não apenas o universo do filme não fica bem esclarecido. Nem o subtexto da narrativa fica bem definido. Vagueia entre a crítica à opressão sofrida pelos moradores dos distritos, à violência de sacrificar 23 adolescentes para sustentar o sistema, passando pela crítica à cultura massificada, viciada em reality shows. É um pouco de tudo e, ao mesmo tempo, parece não firmar-se em nenhuma delas.

Ainda sobre os jogos, além de as regras já existentes não ficarem muito claras há o agravante de que outras são criadas e/ou alteradas ao bel-prazer do idealizador dos jogos, o que também não facilita o entendimento do espectador. Fica claro que é um reality show que segue a premissa Highlander: “Só pode haver um”. São pessoas se matando em frente às câmeras, matando para não serem mortas. Sendo assim, presume-se que haja violência, muita violência. No livro há. Mas no filme, pouco ou nada se vê do motivo dos jogos serem chamados de “vorazes”. As cenas de ação chegam a ser tão sonolentas quanto o restante do filme (sim, eu achei o filme arrastado). Parece faltar coragem para mostrar a violência, que tem de sobra no livro.

Mockingjay pin

Algo que eu achei que também se perdeu na transposição do livro para o roteiro foi a complexidade dos personagens. Todos parecem rasos e sem motivação. Não há empolgação em qualquer atitude. Mesmo os atos de rebeldia não parecem rebeldes justamente por não terem sido explicitadas suas razões. Não posso culpar o elenco, já que provavelmente o roteiro não conseguiu dar a profundidade necessária aos personagens. O romancezinho do casal de tributos parece ainda mais insosso do que é na verdade. O ataque de choro de Katniss mais parece o de uma criança birrenta. E o discurso de Cato durante a luta final, de onde veio? Qual a motivação dele, já que inteligência não parece ser sua melhor característica?

Sendo o livro narrado em primeira pessoa por Katniss, o leitor acompanha tudo pelo seu ponto de vista, sabendo de suas opiniões, suas angústias, seus medos. E isso tudo foi perdido no filme. Boa parte do interesse gerado na leitura são seus conflitos:

  • ter de matar pra sobreviver – matar outras pessoas- , dilema que, exceto pelos carreiristas, aflige também aos demais concorrentes;
  • render-se ou não ao joguete político para conseguir apoio;
  • o caráter de Peeta – ela oscila constantemente entre acreditar que o sentimento dele é sincero e que é apenas um ardil para conquistar a audiência.

E nada disso foi explorado. Admito que colocar o fluxo de pensamento de um personagem num filme não é tarefa das mais fáceis, mas há várias maneiras de expôr suas dúvidas e inquietações sem ter de apelar para uma narração em off. A atriz (Jennifer Lawrence) é boa, mas a personagem é apática demais para gerar qualquer empatia.

Bem, para quem resolver assistir fica o aviso: os que não leram o livro com certeza ficarão se perguntando sobre detalhes não explicados; e os que leram certamente sentirão falta da narrativa envolvente e dos personagens cativantes do livro.

katniss

Cristine Tellier
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