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Sapiens – Uma Breve História da Humanidade
Yuval Noah Harari

Uma frase deste livro se destacou na minha cabeça acima de todas as outras: se observarmos nossa sociedade do prisma biológico, somos embaraçosamente muito semelhantes aos nossos primos chimpanzés.

Não apenas no sentido genético, mas também no comportamental. Tudo bem, não somos bestas que babam (com exceção talvez do Bolsonaro e seus eleitores), mas não é incomum, em frequentes situações, deixarmos nossos impulsos primais tomarem o controle.

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O livro deixa isso muito evidente ao analisar os últimos setenta mil anos de existência do homo sapiens. A jornada inicia-se no instante pré-revolução cognitiva: o marco em que passamos a pensar mais como humanos do que como primatas. A partir daí, nossa espécie passou, aos poucos, a ser uma pária no mundo natural. Enquanto as demais criaturas pareciam tranquilas em seu habitat, aquele humano novo tinha uma grande inquietude em não deixar as coisas como estavam.

Certa vez, num documentário (assisto centenas, difícil dar uma referência concreta), um antropólogo disse: o que nos faz humanos é nossa incapacidade de lidar com o tédio. Na hora, pensei “Há! Você subestima o poder no Netflix!”, mas claro, ele estava se referindo aos nossos ancestrais.

A revolução cognitiva fez de nós bestas pensantes. E usei esta expressão porque demorou um bocado para entendermos nosso papel (se é que entendemos) no mundo e, por consequência, saímos mudando tudo e dizimando os demais. Estima-se que muitas outras espécies de hominídeos coexistiram com a nossa e que desapareceram porque não conseguiram resistir à concorrência com o homo sapiens. Esse desaparecimento, especula-se, foi tanto gradativo e natural, quanto agressivo e sanguinário (não chega a ser uma surpresa, não é?).

O autor, através de uma narrativa muito tranquila e instigante, guia-nos pela linha do tempo, trazendo – o que encanta no livro – novas interpretações para as evidências, contrastando com as tradicionais histórias que aprendemos ao longo das fugazes aulas de história/ciência. Por exemplo: segundo ele, a revolução agrícola, tida como um divisor de águas que nos levou a deixar de ser caçadores-coletores não foi algo assim tão positivo. Ao plantar nossa própria comida, ficamos presos à terra, perdemos a liberdade de andar pelo mundo, começamos a ter uma dieta menos variada, ficamos fisicamente mais fracos pela falta de nutrientes, passamos a trabalhar como condenados para controlar as intempéries. Em outras palavras: a natureza que nos dava generosamente nossos víveres passou a ser uma inimiga da qual tentávamos tomar as coisas à força.

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O autor
Claro, estamos falando de dez ou quinze mil anos atrás. Ninguém que olhe para a infinidade de ofertas de comida hoje pode imaginar que nos primeiros anos da Suméria as pessoas comiam praticamente só cevada e um punhado de trigo. Mas é ponto pacífico que até chegarmos onde chegamos hoje, a espécie penou bastante. Muito mais do que os caçadores-coletores que viveram relativamente bem durante cinquenta mil anos.

Gostei muito da maneira como o autor aborda a questão da religiosidade e seu impacto social e financeiro em nosso contexto enquanto espécie. Sua forma de abordagem é bastante neutra e, não obstante transpareça que ele é ateu e rolar um ou outro comentário sarcástico – que eu adoro -, discorreu sobre o assunto com neutralidade e bom senso.

Outro aspecto interessante do livro é que o autor, diferente do que se costuma ler, deixa claro que não há certezas em relação à história. Que historiadores, biólogos, antropólogos parecem adotar uma empáfia de veracidade, mas que isso é um véu de Isis. A qualquer momento podemos descobrir que toda nossa interpretação estava errada. Ele usa como exemplo a formação social dos primeiros homo sapiens. Conceitos como homossexualidade, família e convivência social são sempre colocados dentro de paradigmas pré estabelecidos: há os que pregam que a família sempre foi o arcabouço da sociedade humana e os que pregam que homossexualidade sempre fora comum antes da era cristã. Mas, a única verdade é que ninguém sabe a verdade. Segundo o autor, é provável que centenas de tribos e grupos tivessem comportamentos diferentes dos mais variados e, mesmo assim, viveram adaptados dentro de seus nichos.

Ainda há outros assuntos pelos quais ele passa que me deixaram bastante surpreendido. Alguns pontos e vista tão óbvio que me faz pensar como nunca vi isto, tão claro, sob meu nariz. Como por exemplo, a constante sobreposição de culturas que ocorreram conforme os sapiens se espalharam pelo planeta. O que quer dizer que não existe sequer uma cultura ou grupo social que seja “puro”. Por exemplo: fomos colonizados por portugueses, certo? Em teoria, portugueses eram uma nação já consolidada, certo? Então, nossa língua, originalmente, era um idioma puro, assim como as características da nação portuguesa, não é? Só que não: Portugal foi invadido pelos persas inúmeras vezes, bagunçando os costumes e pseudo axiomas da vida europeia. A língua portuguesa é exatamente uma mistura de latim e persa. E possivelmente infinitos outros dialetos africanos. Então, se você é de origem portuguesa é bem possível que exista genes palestinos em seu DNA. O que nos leva a crer que qualquer segregação cultural, qualquer purismo de costumes ou raças nada mais é do que mera falácia. Ou, como eu gosto de dizer, uma cuzice.

O livro completa seu périplo analisando o homem atual e as propensões futurísticas. O que será de nós? Vamos para o espaço? Viraremos ciborgues? Vamos ser dominados por uma raça de Youtubers evoluídos? …A única certeza que temos é que ninguém tem a mínima ideia do que virá pela frente. Há trinta anos, ninguém imaginava a internet. Em pleno ano de 2018 ainda há quem acredite que a terra é plana. A existência do homem é uma locomotiva descontrolada e o futuro é um emaranhado de bifurcações nos trilhos. E, ainda assim, a decisão de que lado seguir está absolutamente nas nossas mãos. Assustador, não?

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(fonte: https://geneticliteracyproject.org/)

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