construcao do personagem

A Construção da Personagem
Constantin Stanislavski

Não tenho preconceitos em relação a nenhum tipo de leitura. Se há demanda, há oferta. Não é raro no meio literário flagrar pseudo-eruditos criticando leitores e escritores pelas categorias que escolheram: novelas melodramáticas, chic-lit (literatura para meninas), teologia, poesia de banheiro, aventuras fantásticas, ficção científica, etc.

Não gostar de algo e dar razões pessoais e concisas é uma coisa. Criticar com escárnio e taxar de ruim, todavia, é nada além de uma cuzisse sem tamanho. Pois cada indivíduo tem sua história de vida, seus gostos e seus segredos e, por consequência, a percepção de arte é multifacetada de maneira tão vasta quanto a capacidade de cada cérebro humano interpretá-la. Respeito ao próximo é a melhor estratégia de sobrevivência.

A categoria da auto-ajuda é um dos alvos preferidos dos intelectuais Nutella. Ridicularizam-na por sua linguagem propositalmente acessível, pela superficialidade quanto ao assunto, por seu objetivo comercial de vender aos borbotões, por fazer promessas de soluções descabidas… Mas, algumas vezes, tudo que um leitor precisa é encontrar uma frase (ainda que clichê) como uma motivação e voilà! Sua percepção muda e lhe faz subir um degrau rumo à felicidade ou ao conhecimento. Basta.

Agora pense por um instante: se você está aqui, é porque é um leitor ávido tanto quanto nós da Cafeína Literária. Quantos livros mudaram sua vida? Quantos livros causaram uma cesura em sua percepção e o fizeram mudar o prisma sobre algo? Mesmo não sendo oficialmente da categoria auto-ajuda, não é possível dizer que, no final, houve um quê de auto-ajuda nisso?

construcao do personagem

Mudando de assunto, deixe-me falar sobre verdadeiro objetivo desta resenha: o livro A Construção da Personagem, de Constantin Stanislavski. Temos a intenção de montar um workshop sobre construção de personagens literários e por isso estou buscando todo tipo de material sobre o assunto. O teatro é o pai da literatura e, portanto, pareceu-me uma ótima ideia ler sobre o método de atuação proposto pelo autor. O que, por fim, foi de um aproveitamento imensurável.

O autor, passo a passo, explora a criação artística, a relação do artista para com a arte, os conceitos estéticos e, aos poucos, passa para a aplicação na criação de personagens de teatro, da maneira como o ator precisa transcender a sua própria natureza e desenvolver, sempre com o controle técnico, uma nova consciência: da persona que está interpretando.

“É possível retratar em cena uma personagem em termos gerais: um mercador, um soldado, um aristocrata, um camponês, etc. Para observação superficial de uma série de categorias em que as pessoas foram outrora divididas não é difícil elaborar maneirismos remarcáveis e tipos de postura. Por exemplo: o soldado profissional em geral se mantém rigidamente ereto, marcha em vez de andar como uma pessoa normal, mexe os ombros para exibir as dragonas, bate os calcanhares para fazer tinir as esporas, fala em voz alta, aos arrancos, por força do hábito. O camponês cospe, assoa o nariz sem lenço, anda desajeitadamente, fala de modo desconexo, enxuga a boca na ponta do seu gibão de pele de carneiro. O aristocrata está sempre de cartola, luvas e monóculo, fala afetado, gosta de brincar com a corrente do relógio ou com a fita do monóculo. Tudo isso são clichês generalizados, visando representar personagens. São tirados da vida real, existem de fato, mas não contém a essência de uma personagem, não são individualizados.”

Três características me chamaram atenção neste livro, além do denso conhecimento nele exposto: a forma meticulosa e estruturada como o conteúdo é apresentado, o estilo fabular como o autor o escreveu e a não indulgência do autor com o artista.

É tremendamente raro que artistas, mesmo os teóricos do assunto, sejam capazes de abstrair seus conhecimentos de maneira meticulosa e estruturada para repassar aos seus aprendizes. A ligação direta da arte com a metafísica gera interferências entre Logos e Pathos, dificultando para o profissional da arte a organização técnica do assunto. E, neste ponto, Stanislavski foi primoroso. Passo a passo, racional, no entanto leve, ele explica e compõe o embasamento teórico de seu método de construção de personagens, expondo-o de maneira clara e objetiva.

E, além disso, surpreende que o autor tenha tido a sensibilidade didática de expor o método através de uma narrativa em que simula um personagem em sala de aula, com co-personagens (fictícios ou não, não consegui descobrir com certeza) que aprendem, comentem erros, demonstram inseguranças e, por fim, evoluem em relação ao método que o livro explana.

“Para evitar que isto [o exagero em relação a gestos caricatos e pantomima] se repita no teatro propriamente dito, é preciso que se lembrem de uma coisa que eu já repeti muitas vezes: representando, nenhum gesto deve ser feito apenas em função do próprio gesto. Seus movimentos devem ter sempre um propósito e estar sempre relacionados com o conteúdo de seu papel. A ação significativa e produtiva exclui automaticamente a afetação as poses e outros resultados assim perigosos.”

Stanislavski
Constantin Stanislavski

Sobre não ser indulgente com o aprendiz, Stanislavski é taxativo em dizer que não há caminho fácil para o aprendizado da arte e o domínio da técnica. E que seu método não é um postulado que levará ao conhecimento pleno. Quando muito, um dos infinitos meios que, após muito esforço e imensurável estudo, poderá proporcionar ao artista um certo domínio, potencializando seu talento. Aforismo este válido para qualquer área, principalmente para a literatura.

O livro é um deleite e uma fonte abundante de conhecimento artístico e literário. Deveria ser considerada leitura obrigatória para qualquer artista, levando em conta que a arte – de uma maneira bem pueril de se dizer – é uma expressão de sentimentos, não importando qual seu produto final, se uma pintura, uma atuação ou um texto.

Agora, voltando ao assunto dos livros de auto-ajuda: se observarmos com cuidado, Stanislavski, quanto ao estilo ou formato, aproxima-se bastante desta categoria (já posso ouvir os gritos indignados dos pseudo-eruditos, arrancando seus cabelos diante de tão afrontosa comparação), pois o método fabular é recorrente na categoria. Lembro, até hoje, do primeiro livro deste tipo que li: O Gerente Minuto. Uma bela fábula sobre comportamento profissional que, honestamente, muitos e muitos profissionais que conheço (sobretudo no meio literário) deviam ler e se autoajudar com urgência.

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