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Guerra do velho
John Scalzi

De vez em quando nos cai em mãos um livro com uma premissa interessante, muito criativa e, ao mesmo tempo, tão, tão simples que é impossível não se perguntar “Como ninguém tinha pensado nisso antes?”. Guerra do velho é assim. Ao pegar o livro e ler a frase na 4ª capa, nossa primeira reação é: “Uót? Como assim?!”. Mas é isso mesmo. Aos 75 anos, idosos são recrutados pelas FCD (Forças de Defesa Coloniais) – uma espécie de exército interestelar – que os deixa em condições de lutar, tanto para conquistar novos territórios (leia-se “planetas”) como para defender as colônias já existentes.

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“Eu odeio este lugar. Odeio que a mulher que viveu comigo durante 42 anos esteja morta, que em um minuto, numa manhã de sábado, ela estivesse na cozinha misturando massa de waffle em uma tigela e me contando sobre a briga na reunião do conseho da biblioteca na noite anterior e, no minuto seguinte, estivesse no chão, contorcendo-se enquanto o derrame partia seu cérebro ao meio. Odeio o fato de suas últimas palavras terem sido: ‘Onde eu botei a porcaria da baunilha?’.”
(pag.15)

John Perry, o protagonista, ao completar 75 anos, se alista, assim como tantos outros. Era para ter se alistado junto com Kathy, sua esposa. Porém, ela faleceu em decorrência de um AVC e ele parte sozinho para essa nova etapa de sua vida. Lógico que nada é de graça. Para serem rejuvenescidos e estarem em condições de “ir à guerra”, os que se alistam assinam um contrato de dois anos de serviços à FCD (extensíveis a 10 anos em caso de guerra) e passam a ser considerados mortos na Terra, abrindo mão de todos seus bens. A forma como os futuros soldados são rejuvenescidos é um mistério. Aliás, quase tudo o que envolve as FCD é um mistério para quem está na Terra. Não há qualquer informação sobre sua forma de atuação, seu nível tecnológico ou como obtêm as tecnologias utilizadas. Enfim, ninguém sabe “quem são, o que comem, como se reproduzem”.

Não pense você leitor que usei o humor de forma gratuita na frase acima. O livro é narrado em primeira pessoa por Perry. E o narrador tem um humor bem sarcástico, o que garante algumas boas gargalhadas durante a leitura. É possível afirmar que a obra é um “crossover” entre Tropas estelares (de Robert A. Heinlein) e Perdido em Marte (de Andy Weir). Há toda a temática envolvendo o treinamento dos futuros soldados, de Tropas estelares, somada ao sarcasmo do narrador, como no livro de Weir. Perry pode não ser um cientista tão nerd quando Mark Whatney, mas os comentários ácidos, muitas vezes politicamente incorretos, o poder de observação e a capacidade de pensar fora da caixa para resolver problemas são bastante semelhantes. Além disso, o fato de o narrador ser uma pessoa de 75 anos bem vividos, experiente e maduro dá uma perspectiva interessante sobre essa nova situação que ele e seus colegas septuagenários vivenciam.

“Mas, por fim, vocês devem se importar porque são velhos o bastante para saber que devem. Esse é um dos motivos pelos quais as FCD selecionam idosos para se tornarem soldados. Não é porque vocês todos estão aposentados e são um peso para a economia. É também porque vocês viveram o bastante para saber que há mais na vida do que a própria vida.”
(pag.169)

O próprio autor afirmou que escreveu pensando no livro de Heinlein. Guerra do velho não dá tanta ênfase à discussão sobre a ideologia militarista. Mas não deixa de falar a respeito. Há algumas boas discussões sobre a necessidade da existência dos militares, da própria FCD. E mesmo sobre a necessidade de entrar em guerra com os habitantes de outros planetas, do porquê de se ter como premissa que as outras civilizações são a priori inimigas dos humanos, do motivo de as FCD preferirem usar armas em vez de diplomacia.

“— Malditas pessoas de carne e osso, ficando no caminhos dos ideais pacíficos — eu disse.”
(pag.212)

A porção sci-fi da história também não deixa a desejar. Boas ideias, bem factíveis tendo em vista o nível da tecnologia atual. A melhor sacada é a forma como rejuvenescem os recrutas. Soltei um palavrão (em tom de elogio, lógico) ao descobrir, junto com o narrador, o que iria acontecer. É, com certeza, um dos melhores capítulos do livro. E o que é mais interessante, totalmente compatível com o conhecimento científico que temos hoje. Não é magia, nem um salto de fé. É ciência. E o mesmo se aplica à concepção das armas, naves e raças alienígenas.

É preciso destacar que Perry é um mestre na arte de segurar o leitor imerso na história. A trama é tão envolvente que, arrisco dizer, mesmo quem não é leitor assíduo de ficção científica se delicia com a narrativa. Indubitavelmente, é uma leitura difícil de largar. Mas engana-se quem pensa que o autor consegue isso colocando um cliffhanger a cada final de capítulo. Nada disso. Há cliffhangers? Lógico. E nem poderia ser diferente. Como todo bom contador de histórias sabe, criar suspense é imprescindível para tornar a história interessante. Mas Perry consegue isso com um texto conciso, limpo, sem firulas. Vale agradecer ao tradutor, Petê Rissati, por manter a qualidade da voz narrativa. Uma constante nos comentários de quem já leu é que começar a leitura significa ler 50, 60 páginas sem perceber o tempo passar. O texto flui tão bem, o narrador conduz a história com tanta habilidade que mesmo nos trechos mais instrospectivos, filosóficos até, o ritmo da narrativa se mantém.

Se há algo que se possa chamar de defeito, é o fato de ser o primeiro livro de uma série. É possível lê-lo sem o compromisso de continuar? Sim, certamente. Mas há tanto a ser descoberto no universo criado por Scalzi, que é difícil se separar dos personagens. Queremos mais 🙂

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John Scalzi (fonte: https://opionator.wordpress.com/)

Cristine Tellier
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