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Cinco Esquinas
Mario Vargas Llosa

Sempre tive respeito pelo Nobel de literatura. Diferente da maioria das premiações literárias, tenho a impressão de que os valores que considero para reconhecer um autor são muito semelhantes aos critérios da comissão sueca. Sobretudo no tocante a Saramago e Gabriel Garcia Marques, de obras impressionantes e, indiscutivelmente, merecedores do reconhecimento. Mesmo com a recente polêmica sobre Bob Dylan, não cheguei a mudar de opinião. Por isso, talvez, eu tenha criado uma expectativa bastante elevada sobre Mario Vargas Llosa.

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Além disso, já ouvi falar, de fontes confiáveis, que sua obra é, de fato, proeminente. Contudo… O livro Cinco Esquinas, de Llosa, lançamento da editora Alfaguara, desapontou-me um pouco.

É comum, sobretudo para grandes autores de carreira já consolidada, como é o caso deste, fazer experimentações em seu estilo, mudar, renovar-se. E, talvez, foi isso que houve ou Llosa resolveu afrouxar as rédeas e levar a coisa mais leve, descompromissada. O fato é que, para mim, o livro, apesar da leitura fruída e de algumas passagens onde se percebe um alavancar estético mais intenso, prevalece a temperatura amena e a narrativa rasa.

Construído com linhas narrativas intercaladas em cada capítulo, estilo bastante utilizado nos últimos tempos e que me agrada bastante, diga-se de passagem, Llosa conta diferentes histórias: um casal, cujo marido, milionário, começa a ser chantageado por um jornalista de quinta categoria; a esposa, em paralelo, é mostrada descobrindo novos prismas de sua vida sexual; uma jornalista, apadrinhada do chantageador, cuja vida sofrida é para ela um motivo para seguir uma linha jornalística de virtude duvidosa; e um velho artista, abandonado pelo público devido às intrigas midiáticas do tal jornalista caluniador. Tudo isso no cenário caótico do Peru de 1990, dominado pelo ditador Fujimori e assolado pelo terrorismo de grupos revoltosos.

Nota-se que Llosa é um escritor extremamente técnico. Utiliza com maestria as formas de capítulos encerrados em si, deixando os ganchos para os próximos. Tem as viradas dramáticas a contento. Inclusive retoma em alguns trechos uma técnica que usa com frequência em outras obras que á de intercalar cenas encadeadas de parágrafo em parágrafo.

– Relaxa, Quique, pelo amor de Deus – disse Luciano, dando uma palmadinha afetuosa no amigo. – Não aguento mais ver essa sua cara de cachorro espancado.
– Você está me machucando – Marisa tentava afastar o rosto da amiga, mas Chabela, que era mais forte, não retrocedeu e continuou mordendo seus lábios e amassando-a com todo o peso do seu corpo. – Posso saber o que vê tem, dodidinha, o que está havendo?
– A única coisa que peço aos meus colaboradores é lealdade – repetiu o Doutor, pela décima vez, batendo na mesa com a palma da mão.

Ele utiliza o recurso da narração indireta livre, aquele tipo em que o narrador está em terceira pessoa, mas expressa-se como se fosse o próprio personagem, refletindo seus pensamentos.

O início faz uma excelente decolagem, numa cena intensa que tem a desenvoltura de um escritor de Nobel, mas a partir do segundo capítulo tem-se a impressão de que o autor não se esforçou muito para trabalhar a estética, a tensão e a trama. Os personagens são tão rasos que soam caricatos. A história aparenta uma certa pressa ao ser contada, entregando-se sem o menor sinal de engenhosidade e com um certo tom folhetinesco. Tem viradas dramáticas que pouco surpreendem e termina de uma forma absolutamente clichê. Em muitos momentos esperava que ele, como faz Garcia Marquez, por exemplo, em Cem Anos de Solidão, desse uma reviravolta monstruosa. Mas a leitura prosseguiu e a surpresa não veio.

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Mario Vargas Llosa – Nobel de Literatura 2010
Alguns comentários de orelha, que geralmente fazem um elogio à obra (o termo técnico é blurb), comentam que Llosa faz uma análise sobre a situação do Peru no período Fujimori. Não deixa de ser uma verdade, contudo, o contexto histórico parece desacoplado da trama em si, servindo apenas como um cenário. E os momentos em que ocorre o entrelaçamento das coisas, soa totalmente artificial. Há referências a atos terroristas e personagens que se perdem no contexto, sem trazer nenhuma mudança à trama que, se retirados, falta alguma fariam.

Nota-se, claro, uma criticazinha velada à aristocracia Peruana da época que vivia em um mundo alheio à realidade da violência social que o país vivenciava e à pobreza que assolava à população. Mas, por fim, isso se demonstra inócuo e não tem maiores consequências na história.

Além disso, percebem-se as referências constantes aos lugares, à época que verdadeiramente enriquecem um pouco mais a obra. Mas, como alegoria, não chega a fazer efeito. Esse tipo de técnica deve ser utilizado como floreio, como detalhe, como brinde e não como tentativa de dar peso à narrativa.

Não me entenda mal. A leitura não é ruim. Se eu mesmo algum dia chegar neste nível de qualidade literária, considerar-me-ei satisfeito. Todavia, gente, ele é um ganhador de Nobel. Figura ao lado de Saramago, William Golding, Pablo Neruda e até o famigerado Bob Dylan agora. Eu esperava uma obra que me arrebatasse como fizeram estes outros senhores (com exceção de Bob cuja obra apenas ouvi).

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