incidente em antares

Incidente em Antares
Érico Veríssimo

Ah, humanos… Sempre presos aos seus mais baixos e primitivos instintos, usando sua razão apenas para criar justificativas torpes ao seu comportamento animalesco. Não é estúpido, por exemplo, que nós nos dividamos em castas, atendo-nos ao nossos iguais, quando é, na realidade, a diversidade genética que dá a substancial vantagem evolutiva à espécie? Explico-me: a minhoca é hermafrodita e capaz de se auto-reproduzir, ou seja, ter descendentes sem parceiro sexual. Contudo, não o faz. Por quê? Porque do ponto de vista evolucionário, se ela fizer uma cópia de si mesma, não há ganho nenhum. Sem misturas de cromossomos, o código genético não muda. Logo, se ela for uma criatura com defeitos que a conduzam à morte, sua espécie não vai perdurar.

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Tendo como base este princípio, cabe dizer que se a humanidade se reproduzisse unicamente dentro de seu meio social, possivelmente já seríamos espécimes extintos. Concluindo que castas, tribos, grupos que buscam individualidade genética de seus membros estão, na verdade, condenando-se à derrota na corrida evolutiva. Portanto, faz pouco ou nenhum sentido nos isolarmos dentro de nossas limitações genéticas.

Este tipo de pensamento me acompanha desde sempre. Por isso sempre fui contra grupos fechados e preconceitos entre raças de todos os tipos. Nunca passaram para mim de ignorância e medo travestidos de orgulho. TODAVIA… Sou humano. Tenho lá meus instintos primais que volta e meia afloram de uma forma ou de outra. Um exemplo mordaz é o meu orgulho gauchesco. Soará ridículo aos leitores não pampescos e trivial aos riograndenses, mas fato é que, uma vez nascido no Rio Grande do Sul, você é incutido de um orgulho idiopático por sua terra. Digo idiopático pois boa parte dos gaúchos que conheço ignoram ou tem apenas uma vaga ideia dos motivos disto, de como surgiu e qual é a verdadeira história por trás deste bairrismo exacerbado. Não por isso, contudo, deixamos de absorver o modus operandi gaudério.

Depois de quatorze anos fora do Rio Grande, contudo, e conhecendo pessoas do mundo inteiro, passei a perceber a fraqueza dos argumentos por trás deste orgulho. Claro, relutei muito em me auto-criticar neste ponto, mas acabei por perceber que fortes, fracos, covardes, valentes, inteligentes e idiotas estão espalhados pelo mundo todo em proporções relativamente iguais. Logo, tanto faz ser gaúcho, brasileiro, argentino, americano, negro, branco, índio, etc… Se estamos falando de humanos, teremos todos tipos de indivíduos em qualquer nação ou povo. Então… Orgulhar-se exatamente de quê? De fatos e atos históricos vividos por outras pessoas que não nós e que – por sinal – podem muito bem terem sidos (mal) contados de uma maneira bem diferente da realidade?

Enfim, não é o objetivo deste portal levantar estas questões. Todavia, estou certo de que era este o objetivo de Érico Verissimo quando escreveu Incidente em Antares. Dividido em três partes (oficialmente em duas, mas eu contei três), o romance narra a história de uma pequena cidade fronteiriça do interior do Rio Grande do Sul, Antares, mostrando em sua primeira parte, a sua origem truculenta – um reflexo da história do estado – até o assentamento de sua história, sempre refletindo o cenário político do país. Ele dá um belo passeio pela História, usando-a como ancoradouro da narrativa. Para quem se interessa por História, é um manjar ilustre.

A sátira e ironia permeiam o tempo inteiro as palavras de Verissimo, porém, é na pequena parte transitória que ele realmente declara abertamente sua crítica cômica sobre o comportamento hipócrita dos personagens. Tanto do ponto de vista político quanto moral. É onde ele levanta a questão do bairrismo gaúcho e sua falta de fundamentos.

erico verissimo
Érico Veríssimo
A última e, possivelmente, mais famosa parte trata-se do levante dos mortos. O que me leva a pensar que tenha sido este o primeiro livro brasileiro sobre zumbis. Aqui, porém, não devoram os vivos, mas devoram suas dignidades. Visto que fazem uso do seu estado de mortos e livres de suas carapuças sociais para abrirem a caixa de pandora da falsa moralidade dos vivos. Simplesmente genial. Só poderia vir de um gaúcho!

Apesar do narrador onisciente predominar, há outras vozes narrativas através de trechos de diários e jornais. Tudo bastante harmônico, como se poderia esperar de um homem metódico como Veríssimo.

O que mais me encantou na obra foram os maneirismos da língua, me remetendo ao meu tempo de criança, no meio interiorano, onde aquelas palavras eram parte do meu dia a dia. Lembrei-me de Grande Sertão: Veredas, cuja linguagem é exageradamente regional, mas absurdamente lírica ao mesmo tempo.

Vergonhosamente, admito que este é meu primeiro Verissimo. E, tremendamente satisfeito, como leitor e como gaúcho, trago-o para meu hall de top 10.
Com prazer e segurança, sua nota é um café vienense.

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