A desobediência é em mim uma veia gorda, cheia de sangue pulsante, à procura de um motivo para ulcerar.

Não é que eu seja contra toda regra. Sou contra o absolutismo e à imposição. Nenhuma verdade é pura.

Some-se a isso o fato de que a literatura não tem uma definição precisa. Quero dizer, nenhum estudioso que seja confiável pode dar-lhe exatidão matemática: apenas conceituar. E um conceito não é uma regra.

Muito embora exista quem lute com ferocidade ao defender regras, classificações e diretrizes que, normalmente, um artista talentoso é capaz de subverter com a sutileza uma bailarina. Ao longo do tempo, fui me dando conta de que quem com mais força defende uma certeza, geralmente, é aquele que menos entende do assunto.

Assim, quando lhes disserem que seu conto não é um conto, que o romance não é romance, que a poesia não é poesia, por causa disso, disso e daquilo, desconfie: essa pessoa pode ser um picareta.

Isso não quer dizer, todavia, que tudo está no mesmo balaio de gatos. Existem peculiaridades em cada gênero que permitem certa classificação. Estes itens poderão variar de acordo com a base bibliográfica, mas vou procurar me ater aos mais triviais.

Lembrando que, como disse antes, podemos verificar alguns conceitos, mas nenhuma resposta será plenamente satisfatória.

edições de frankenstein
Edições de Frankenstein, de Mary Shelley – Ikon Gallery, Birmingham

Vou começar de cima para baixo: o romance. Parafraseando o guru Ricardo Ramos Filho, boa parte dos iniciantes na arte escrita começa pelos contos, entendendo que o romance é o gênero mais complexo. Pasmem: o romance seria o que lhe confere mais facilidade, visto que não há limites.

Ao falar em “limites”, não estou me referindo apenas a número páginas, mas principalmente à estrutura do gênero. A quantidade de páginas é apenas uma característica que serve à questão da identificação.

“A palavra ‘romance’ deve ter-se originado do provençal romans, decorrente da forma latina romanicus, derivada de romanus, (‘pertencente a Roma’); ou teria vindo de romanice, que entrava na composição de romanice loqui (‘falar romanico’,’falar romance’, latim estropiado no contato com os povos conquistados por Roma), em oposição ao latine loqui (‘falar latino’, a língua empregada na região do Lácio e arredores).”
(MOISÉS, Massaud. A Criação Literária: Poesia e Prosa. São Paulo. Cultrix.)

Características mais comuns:

  • Tem mais de uma linha narrativa, tramas e subtramas

    A meu ver, este é o ponto principal que caracteriza o gênero. Várias tramas, entrelaçadas ou não, compostas de forma independente, alternando seu foco durante a narrativa. Em Os irmãos Karamazov, apesar de Dostoievski citar diretamente quem é o protagonista, o romance cobre histórias de vários personagens, entrando no cotidiano de cada um.

  • Permite digressões à vontade

    A digressão é aquela mudada de assunto ou aquela filosofada ou ainda aquela tendência à crônica que alguns autores demonstram. Clarice Lispector abusava deste recurso sem piedade. E, claro, com inigualável talento.

  • Alternância de pontos de vista e narradores

    Uma vez que várias histórias estejam sendo contadas independentemente, é quase natural a alternância de pontos de vista da narrativa. Hora sob o de um personagem, hora sob o de outro. Há romances, inclusive, que contam a mesma história várias vezes, sob diferentes pontos de vista. A mudança de narração também é comum quando, por exemplo, um personagem introduz uma subtrama contando uma história.

Mais uma vez: isso não são regras. Nada impede que uma novela ou um conto ou até uma poesia – que o diga Marcelino Freire – contenham estas características. Embora, por amostragem, perceba-se que esses têm sido os divisores do joio do trigo.

Esteja ciente que para “desobedecer” a isso e ainda assim fazer um trabalho notável, você terá de ser muito, mais muito cauteloso e eficiente. Uma vez que considero que a rebeldia só é válida àqueles que vivenciaram a regra.

livros antigos
Livros da biblioteca do Merton College, em Oxford

Gêneros Literários: O Romance

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