O tempo desconjuntado
Philip K. Dick
tradução: Braulio Tavares

“Ragle Gumm tem uma rotina bastante peculiar: ele sempre acerta a resposta para um concurso diário do jornal local. E quando ele não está consultando seus gráficos e tabelas para o trabalho, ele aproveita a vida tranquila em uma pequena cidade americana em 1959. Pelo menos, é isso que ele acha.
Mas coisas estranhas começam a acontecer. Primeiro, Ragle encontra uma lista telefônica e todos os números parecem ter sido desconectados. Depois, uma revista sobre famosos traz na capa uma mulher belíssima que ele nunca tinha visto antes, Marilyn Monroe. E para piorar, objetos do dia a dia começam a desaparecer e são substituídos por pedaços de papel com palavras escritas, como ‘vaso de flores’ e ‘barraca de refrigerante’. A única alternativa que Ragle encontra para descobrir o que está acontecendo é fugir da cidade e de todos esses acontecimentos bizarros, contudo, nem a fuga nem a descoberta serão tão fáceis quanto ele imaginava.”
(fonte: Quarta capa do livro)

desconjuntado

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“E se…?”
Essa pergunta é a premissa de toda história de ficção científica. E Philip K. Dick é um dos autores que melhor faz uso dela.

“E se o Eixo tivesse vencido a segunda guerra?” — O homem do castelo alto
“E se andróides puderem sonhar?” — Blade Runner

Ele é mestre em construir realidades alternativas, manipulando o universo que conhecemos. É indiscutível sua habilidade em conduzir, envolver o leitor e levá-lo a questionar a realidade – seja a do universo do livro, seja a sua própria. Afinal, o que é real?

O protagonista leva uma vidinha pacata e monótona em uma cidadezinha tranquila nos EUA do final dos anos 50. Sua rotina para decifrar a resposta do concurso do jornal local, as pessoas com que convive e a própria cidade parecem superficiais. Tem-se a impressão de que os personagens carecem da complexidade natural dos seres humanos, sem a tridimensionalidade e a multiplicidade de perspectiva características.

Um leitor que esteja em seu primeiro contato com a obra de K.Dick talvez se veja tentado a abandonar a leitura, achando a trama, os personagens, os diálogos um tanto sem sal e pouco cativantes. Os personagens parecem rasos, unidimensionais? Sim. Os diálogos são triviais demais? Sim. A trama é prosaica? Sim, com certeza. A banalidade do texto é evidente. Mas é essa justamente a intenção do autor. E – sem dar spoilers – toda essa ausência de carisma é justificada. Quando o leitor se dá conta do que está acontecendo, essa sensação de que falta algo passa a fazer todo o sentido.

Uma ressalva a ser feita é que o desfecho do livro é bem apressado. É tudo muito corrido. Dá a impressão de que o autor quis terminar logo a história e a explicação do que aconteceu até ali e para as motivações do protagonistas são jogadas de forma desleixada, quase aleatória, sem preocupação em manter o ritmo e a fluidez da narrativa. Não sei se foi proposital – e, se foi, não dá para entender qual seria a intenção do autor – mas tira um pouco o brilho da obra, pois parece que o autor de repente se lembrou de que precisava responder às várias questões que foram deixadas em aberto no decorrer da trama. O leitor pode até achar que pulou alguma parte, já que as respostas são quase desconexas do enredo que vinha se desenrolando.

Diferente da maioria das obras de K.Dick, esta não contem tantas divagações filosóficas. Mas mesmo assim, levanta várias questões existenciais.

“— O que jaz por baixo de tudo — disse Ragle. — A palavra. Talvez seja a palavra de Deus. O logos. ‘No princípio era o verbo.’ Não sei explicar. Tudo o que sei são as coisas que vejo e as que me acontecem. Acho que estamos vivendo em algum outro mundo, diferente do mundo que nós vemos, e durante algum tempo eu soube exatamente como era esse outro mundo. Mas eu o perdi desde então. Desde aquela noite. O futuro, talvez.”
(p.196)

É uma ótima opção para leitores que querem “se iniciar” na obra do autor e no universo da literatura sci-fi.

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Cristine Tellier
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