O Guia do Mochileiro das Galáxias
Douglas Adams

Na escola, mais especificamente no ensino médio, eu tinha a impressão de que muitas aulas eram meros exercícios de futilidade. Não sei dizer o quanto isso se devia à má qualidade dos professores ou à minha incapacidade de me interessar face às abordagens utilizadas. O fato é que estudar história, matemática, física, química, geografia e etc. era algo enfadonho. Tive um ou outro professor que acendia uma faísca em meu interesse, mas é fato dizer que a grande maioria deles só conseguia exercitar minha capacidade de aturar o tédio.

Havia algo de incoerente nisso, devo dizer, pois quando assistia a documentários e programas educativos sobre os mesmos assuntos (história, matemática, física, etc, etc) me flagrava completamente absorto por isso. Era fascinante ver um óvulo sendo fecundado ou o quanto os Incas eram capazes de prever da movimentação estelar baseando-se apenas em cálculos matemáticos!

Qual era o problema da escola então? Tanto na pública quanto na privada – estudei em ambas – havia um abismo entre mim e o entendimento daquilo. Falta de tesão dos professores? Falta de amor deles pelas próprias matérias que escolheram? Não sei… Nas vezes em que falei em público sobre literatura, fi-lo sentindo uma paixão sufocante que punha pra fora como um ato impudico de luxúria. Compartilhar abertamente algo que amamos é uma catarse inebriante.

Enfim… Não estamos aqui para debater essa questão. Esse solilóquio apareceu porque foi naquela época que me dei conta do quanto eu amava ficção científica e toda a matemática, física, história e demais matérias que ela traz embarcada.

Terminei de ler recentemente O Guia do Mochileiro das Galáxias. Uma vergonha que tenha demorado tanto para pegá-lo, admito. Este livro tem seu lugar cativo ao lado dos mais gloriosos clássicos do gênero, mas tem algo que os demais não têm.

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Em 1978, a ficção científica estava em seu apogeu no mundo pop depois do lançamento do filme Star Wars, no ano anterior. Então não foi difícil que este livro se tornasse um sucesso. E direi o porquê.

Antes, uma confissão: meu senso de humor é estranho. Sabe aquele vídeo do YouTube que faz você rachar de rir e te faz ficar ansioso(a) pra compartilhar? Aquele show de stand-up que deixa doendo as bochechas de tanto rir? Pois é… Eu não acho graça. Não sei por quê. Sou ranzinza, pouco inteligente, sei lá… Meu humor é meio fora da casinha.

Por isso foi tão surpreendente me pegar rindo diante das pessoas no metrô lendo essa obra. E então ficou claro porque ela é tão aclamada: seu humor é tão absurdo e, ao mesmo tempo cientificamente acurado. Uma mistura de ridículo e provável, teológico e secular, místico e cético. Ele zomba escancaradamente da vaidade, burocracia, corrupção, sensualidade e todos as facetas humanas e, de quebra, faz questionamentos altamente filosóficos sobre o que somos e o que seremos em nosso futuro.

Um exemplo: há uma passagem em que os personagens vão a um restaurante nos confins da galáxia e lá o garçom pergunta se querem “conhecer” a comida. Em princípio, “conhecer” a comida soa estranho, mas como leitor, você deixa meio que “passar” a questão. Então é trazido até eles um boi falante que se apresenta e diz que está pronto para servir-lhes de refeição. Aponta quais partes do seu corpo parecem estar em melhor forma para serem saboreadas. Diante da expressão aterrorizada do protagonista, o boi explica que foi criado geneticamente para gostar de morrer, já que seria uma tremenda crueldade matar um boi contra sua vontade!

Vê? Isso é ridículo! Mas ao mesmo tempo provável! Conhecemos razoavelmente nosso potencial científico para dizer que é factível criar este boi e não temos ideia de como será nosso senso ético daqui a mil anos (lembre-se de que a poucos séculos atrás haviam ignorantes que não trabalhavam sábado por motivos religiosos… Não, péra… Ainda há).

O livro é permeado desse tipo de piada, exagerada, escrachada e terrivelmente verossímel. Haja vista Marvin, um robô tão inteligente que é maníaco de depressivo e o protagonista que passa praticamente todos os cinco livros da trilogia viajando pela galáxia usando um roupão.

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A narrativa se inicia quando o protagonista Arthur Dent acorda pela manhã, toma um calmo e tranquilo café, sai de casa e deita-se numa poça de lama, em frente a dezenas de tratores e escavadeiras que estavam prontas pra derrubar sua casa. Isto já é um prefácio que demonstra o quanto o recurso de pequenas inversões de expectativa são amplamente utilizadas durante toda a obra.

Na sequência, Arthur descobre que a própria Terra também está na iminência de ser destruída e, num golpe de “sorte”, é resgatado por um amigo, Ford Prefect, que ele não sabia, mas era um alienígena exilado, e o leva em fuga pela galáxia, apresentando a ele um livro femomenal: o Guia do Mochileiro das Galáxias.

Para o leitor que não conhece a obra, a impressão inicial é de que a história é tão maluca que parece que não vai dar em lugar algum. Mas depois percebe que, a cada aventura, o autor encaixa todos os pontos e termina numa conclusão mirabolante, onde tudo faz sentido. Uma habilidade que, diga-se de passagem, é comum em autores ingleses.

Apesar de, lá pelo quarto livro, a história dar uma caída em termos de ritmo, tudo se mantém interessante até o fim. E, outra coisa que faz valer a leitura, é reconhecer a quantidade de referências nerds e a influência em tudo que veio depois. Dá pra reconhecer nitidamente nas obras de hoje os genes plantados pelo Guia do Mochileiro das Galáxias.

Então, mesmo que você não seja um entusiasta de ficção científica, com certeza o humor satírico do autor vai te prender. Quisera que meus professores tivesse lido e se inspirado um pouco mais.

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