Meu querido canalha
Ruy Castro, Carlos Heitor Cony, Aldir Blanc, Marcelo Madureira, Bráulio Pedroso, Geraldo Carneiro
« resenha publicada originalmente no Vortex Cultural, em 25/09/2018 »
Conforme o Aurélio, “canalha” é pessoa desprovida de moral; quem não tem bom caráter. Aquilo que se refere ao que é vil, sem valor; ordinário. Que é próprio da pessoa mau-caráter, desprezível. Que não é honesto; velhaco. E é sobre essa persona tão presente tanto na ficção quanto na vida que versam as histórias deste livro.
Apesar de a definição ter um viés um tanto negativo, o canalha não é necessariamente cruel. Digamos que sua amoralidade lhe permite colocar em prática ideias que passam pela cabeça de muitas pessoas. Nâo é perversidade, eles apenas são mal intencionados por princípio. E, nesta obra, o foco é um tipo específico de canalha: o conquistador barato. Aquele tipo esperto, de racioncínio rápido, cheio de malícia, lascívia e “apto” a deixar as mulheres à vontade fazendo as maiores sem-vergonhices.
“La petite mort”, de Ruy Castro, conta a história de Guilherme, um Don Juan carioca que morre durante um orgasmo. O narrador, seu melhor amigo, conta algumas de suas aventuras enquanto conduz as cinzas do conquistador ao seu destino final.
Em “Ave-Maria de Schubert”, Carlos Heitor Cony conta as peripécias de um jornalista que tenta se tornar um canalha. O leitor acompanha suas andanças por ambientes escusos em que, nos idos dos anos 50, casais não casados, esposas e maridos infieis entregavam-se à lascívia.
Baseado numa sinopse de Bráulio Pedroso, Geraldo Carneiro escreveu o conto “O Bom Canalha”. Luis (ou Antonio) é o clássico golpista que ambiciona dar o golpe do baú, bancando o filho pródigo. E, como narrador, é um bom exemplo de narrador não confiável. Sua mitomania é tão exacerbada que fica difícil acreditar em qualquer de suas histórias.
“Homem que é homem”, de Aldir Blanc, conta em detalhes uma tentativa de conquista. Passada durante o período Getúlio Vargas, e repleta de pormenores aparentemente desnecessários, retrata bem a forma como o malandro enxerga as mulheres. O desfecho da abordagem mal sucedida, como não poderia deixar de ser, é a parte mais engraçada da história.
Marcelo Madureira, mais conhecido como “um dos caras do Casseta Planeta”, conta em “Agnus Dei” a história de um sedutor barato, seleto representante da cafajestagem carioca. O narrador conta minuciosamente todos os eventos, alguns até escatológicos, da noitada com a viúva do General. Tudo sem ruindade, afinal, ele é do bem.
Nas mãos desses autores, os protagonistas, canalhas por excelência, tornam-se personagens “intangíveis, impalpáveis, impossíveis” e, por conta disso, apesar da canalhice fazem o leitor torcer por eles. É uma leitura agradável e totalmente descompromissada.
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