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Dias atrás, estávamos o Douglas e eu comentando sobre o texto que Ricardo Ramos Filho, postou em sua timeline do Facebook no dia dos professores. Enquanto a massa se desdobrava em elogios e agradecimentos a seus mestres, principalmente aqueles dos anos primevos de escola, ele afirmava que poucos professores haviam tido alguma influência marcante em seu aprendizado e que aprendera a maior parte das coisas diretamente dos livros.

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Não chego a achar que, de alguma forma, seja ingratidão da parte dele. É apenas uma constatação. Triste constatação de que poucos professores têm aquela chama do educador nato, cujo objetivo primordial é ensinar e não apenas vomitar seus conhecimentos em sala de aula esperando que os alunos simplesmente decorem e aprendam por osmose, indução ou repetição. Infelizmente, essa postura, de certa forma indolente, tem influência direta na motivação dos alunos para aprender. E, falando de um assunto correlacionado ao site, tem influência direta na aquisição do gosto pela leitura.

Posso ser rotulada de ingrata ou coisa pior, mas não agradeço a nenhum professor o fato de eu nao ter “fugido” dos livros depois de ler Machado ou José de Alencar precocemente. Enquanto criança, eu lia e relia exaustivamente a coleção do Cachorrinho Samba, de Maria José Dupré; a coleção do Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato; a coleção da Vaca Voadora, de Edy Lima; a coleção de livros infantis de Érico Veríssimo. E eu, como tantos alunos, fui obrigada a ler “os clássicos” ao chegar ao ginásio (sim, tenho idade suficiente para chamar de ‘ginásio’, não de ‘ensino médio’) e, obviamente, não me agradaram. O Douglas me chamará de precoce, mas nessa época eu ao menos já sabia que não ter gostado não queria necessariamente dizer que era ruim. Tanto que reli vários deles já na idade adulta (seja lá o que isso signifique) e gostei demais. Machado de Assis, inclusive figura na minha lista de livros prediletos com suas Memórias póstumas de Brás Cubas, e seus contos – em especial “A missa do galo” – são sempre ótimas releituras.

Já foi comentado em vários textos o quanto a escolha equivocada de livros inadequados à idade dos pequenos leitores é nociva à aquisição do gosto pela leitura. É uma desfaçatez impingir a pré-adolescentes a leitura de Alencar, Machado, Joaquim Manoel de Macedo e similares. De forma alguma estou afirmando que não devam ser lidos. Mas qualquer leitor – e qualquer bom educador – sabe que a apreciação de uma obra está intrinsecamente ligada à maturidade necessária para entendê-la em sua plenitude (ou quase).

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Mas, voltando… Nenhum professor foi responsável por eu não ter me afastado dos livros depois dessas experiências desalentadoras. O crédito é todo de Agatha Christie e Jules Verne. Suas histórias de aventuras e mistérios foram minha “salvação”. Nunca li tanto quanto após ter sido apresentada a esses autores. Devorava os livros, para desespero de minha mãe. E já queria outros. Mas não me importava em relê-los, pois as tramas me encantavam. Quem não gostaria de viajar ao centro da Terra? Ou de dar a volta ao mundo em 80 dias? Ou de ser um detetive arrogante e com QI acima da média? Ou de atravessar vinte mil léguas submarinas? Ou de saber das atribulações de um chinês na China? Ou de ser uma detetive que usa seus conhecimentos sobre a natureza humana para resolver mistérios? Ou de descobrir como ganhar os quinhentos milhões da Begum? Ou de passar cinco semanas em um balão? Ou de ser uma pessoa normal que por força das circunstâncias é levada a investigar acontecimentos bizarros?

Já há algum tempo não leio (ou releio) um livro deles. E talvez, hoje, já com mais bagagem teórica sobre literatura e escrita, eu perceba que tecnicamente não são “aquilo tudo” (ou não). Mas é inegável o papel essencial que tiveram na construção da Cristine leitora. Por mais que alguns críticos e outros indivíduos cujo bom senso sou levada a questionar insistam em afirmar que textos de entretenimento puro e simples não são literatura, volto a um tema já discutido aqui anteriormente: assim como Harry Potter, Agatha Christie e Jules Verne definitivamente são literatura sim. Podem não ser o supra-sumo da estética ou da experimentação literária, mas são ótimos livros que contam histórias incríveis com uma capacidade enorme de entreter e de cativar. E isso é o que basta para agarrar o leitor.

Passei de Agatha Christie para Robin Cook, Rex Stout, Marcos Rey. De Rey a Conan Doyle. De Doyle a Edgar Allan Poe. De Poe a H.P.Lovecraft. E fui de Jules Verne para J.M. Barrie, Daniel Dafoe, Mark Twain. De Twain a Jack London. De London a Robert Louis Stevenson. De Stevenson a Frank Herbert. E tantos outros que já li, gostei, desgostei.

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Há aqueles que, como eu, partirão em busca de novos horizontes, indo por associação saltando de um autor a outro e, em certo ponto, retornando aos clássicos. Há outros que se sentem satisfeitos em sua zona de conforto, mas não deixam de ser menos leitores que eu. Afinal, toda leitura é válida. Mas isso é assunto para outro post.

Citando o post anterior:

“Nossa educação nos primeiros anos de escola marca a leitura como imposição e, não raro, somos ensinados por professores que não são leitores.”

E configura-se um círculo vicioso, em que crianças que são obrigadas a ler obras incondizentes com sua idade, crescem avessas à leitura, tornando-se adultos que não lêem. Professores que não lêem e que realimentam o ciclo, utilizando em aula as mesmas obras que os afastaram dos livros.

Bem que eu gostaria de poder afirmar que algum professor teve papel importante nessa minha jornada de redescoberta da leitura e descoberta de outros autores. Mas lamentavelmente não foi o que ocorreu. Eu era rata de biblioteca e de livraria, e ia encontrando os livros por afinidade, sem ter, na verdade, qualquer direcionamento a não ser algumas poucas referências a outros autores em orelhas e quartas capas de livros. Lamento que tenha sido assim, apesar de não lamentar ter lido tudo que li. E, acreditem, foi muita coisa – livros bons, ruins, memoráveis, esquecíveis, descartáveis. Contudo, poucos foram indicação de algum professor. O que é lastimável.

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Cristine Tellier
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