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Confissões de um escritor freelance disfarçado

»» versão do artigo “10 lessons learned: confessions of a covert freelance writer”, escrito por Paul Garson, publicado em 04/04/2014 no Writer’s Digest ««

ESCRITO POR???

… …

Você não sabe meu nome. Você não conhece minha cara. Mas já faz algumas décadas desde que mereci meus primeiros trocados por colocar palavras numa ordenação publicável… no último levantamento, são agora 3.000.000 delas e ainda contando. Produzi novelas, livros de não-ficção, histórias ficcionais, artigos não-ficcionais, exposições de fotos, peças, scripts multimídia e até mesmo catálogos e discursos. Chamo isso de escrita feijão-com-arroz (N.T.: no original, carne com batatas, prato que nos EUA tem “posição” similar ao nosso feijão com arroz). Uma das minhas frases de efeito é “Se você consegue apontar para isso, você consegue escrever a respeito”, que resulta numa abordagem eclética tanto do assunto quanto do gênero. Escritores, assim como os humanos, se beneficiam sendo onívoros.

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Então decidi abrir o bico, por assim dizer. Está na hora de sair do armário de freelance e talvez transmitir algumas pérolas, cultivadas ou não, relativas às lições que aprendi – algumas eu furtei, algumas descartei, agora pronto para me voltar àqueles parados naquela encruzilhada proverbial da estrada do escritor. Ser um escritor ou não ser, ou mais importante, se é possível ganhar a vida nessa carreira. Continuando com a metáfora, meu tio Duncan, de Gallway, muitas vezes apontava o dedo para nossas caras atrevidas e nos admoestava com estas palavras de sabedoria: “Quando você chega a essa encruzilhada na estrada, pegue a colher!”. Não tínhamos a menor ideia do que ele estava falando, mas ele ria de sua própria bobagem.

Agora deixe-me voltar no tempo, àquela imagem indelével de quando minhas primeiras palavras foram impressas. Foi um cheque de 10 dólares. Oh, o aceno convidadito do lucro atiçou a Musa. Visto pelos olhos grandes de um garoto de dez anos na metade dos anos 50, era uma quantia enorme. O prêmio em dinheiro resultou da minha participação numa campanha da escola primária a respeito dos riscos do cigarro. Eu desenhei um cigarro com ar assustador e redigi algumas palavras ondulando a partir de sua ponta incadecente. Foi um vencedor e ganhei o cheque na frente dos meus colegas de escola. Desde então nunca parei de escrever nem sequer dei uma tragada.

Agora as dez lições aprendidas que prometi mais alguns dados biográficos auto-indulgentes que dão crédito às minhas palavras sobre a escrita freelance bem-sucedida. Para iniciar…

Lição 1 – Ser freelance não significa que você trabalha de graça…

… apesar de muitos sites atuais acharem que sim. Eles oferecem “exposição”, o que me faz pensar em ser deixado do lado de fora num frio congelante. É verdade que todos nós sabemos que atualmente é preciso criar um “hype” ou “ser viral” para chamar atenção, então talvez distribuir algumas amostras grátis seja uma boa ideia. Ou, como disse Lenny Bruce, “Hora de expandir e liquidar tudo.”. Outras opções incluem a participação em várias “competições de escrita”, muitas delas com inscrição gratuita, outro fazedor de dinheiro para legiões de publicações que naturalmente esperamos que continuem conosco. Hoje, em resposta à “cultura da tela”, muitos se lançam no redemoinho de palavras com seu próprio blog, alguns até mesmo conquistando uma audiência considerável que pode atrair “patrocinadores”e até algum pagamento em troca. É claro, aqueles que têm a segurança de um emprego “de verdade” pode praticar a escrita em paralelo, enquanto adotam o mantra do aspirante a escritor… “mantenha seu emprego”. Conclusão: levar a vida como um escritor full-time, e curtir ficar velho, não é para maricas.

Lição 2 (em forma de pergunta): Qual é a diferença entre um escritor amador e um escritor profissional?

Resposta: a única diferença é que o profissional é pago. Ok, agora de volta às minhas referências. Avançando alguns anos no tempo, para o início dos anos 60, numa escola no sul da Flórida onde fui eleito presidente do Clube de Escrita Criativa. Nosso grupo era um degrau na escala geek da A-V Club (N.T.: revista com críticas de filmes, música, tv, livros, games), mas nos beneficiamos de um ótimo mentor, nosso professor de Inglês, Sr. Young, que convertia nossas angústias juvenis em poemas, ensaios e ficção divulgados na publicação da nossa escola, chamada The Raconteur. Testei minha escrita em todos os gêneros com variados níveis de sucesso. Também redigi uma dissertação sobre a “cultura do clique” entre meus colegas de escola, que impressionou tanto meu professor de psicologia que cópias foram feitas e distribuídas por toda a escola, o que fez com que outros professores olhassem para mim com cautela, como se eu fosse um prodígio/esquisito, enquanto meus colegas estavam convencidos da minha nerdice, merecendo ser banido totalmente da sociedade. Destemido pela ausência de comparação com Milton, Salinger ou Walter Cronkite, eu persisti.

Seguiu-se um hiato. Além dos trabalhos de conclusão, enquanto frequentava a Tulane University minha formação em psicologia tomou o caminho mais fácil no que se refere à lição de casa… Inglês… auxiliada por uma predileção por estudos intensos sobre Smirnoff 101. Ei, depois disso veio New Orleans e as distrações era proporcionais ao Mardi Gras (N.T.: terça-feira gorda, são festividades similares ao nosso carnaval). Alguém poderia dizer que esse período foi o que escritores comumente chamam de seu “período de coleta de experiências”. Se você não viveu. como pode escrever a respeito? Ao menos essa era minha desculpa.

Depois de uma graduação miraculosa, seguiu-se um ano lecionando “Técnicas de Comunicação” para crianças lidando com o cotidiano de um ambiente rural de migrantes. Isso é outra história, mas basta dizer que isso deu consistência à minha vida como escritor. Meus alunos mergulharam em performances e escrita de haiku de tamanha qualidade que as autoridades locais expuseram seus trabalhos. Foi um aprendizado e minha primeira incursão auxiliando outras pessoas a encontrarem sua “voz” de escritor e por sua vez a minha própria voz. Foi outra encruzilhada no caminho do escritor, mas como Roma, rumei para o mesmo destino.

Depois da minha passagem pelo ensino, me insinuei nos prestigiados Seminários de Escrita Johns Hopkins, um programa de M.A. (N.T.: Master of Arts – Grau básico de pós-graduação concedida a estudantes nas áreas de humanidades, ciências sociais ou artes plásticas). Afortunado é a palavra que vem à mente. Tudo a ver com escrever junto a outros escritores comprometidos and instrutores acima da média. Durante essa estadia em Baltimore, com a estátua de Edgar Allan Poe espreitando bem à porta do meu apartamento, publiquei minha primeira história “oficial”. Assim que saiu, o conto obteve o primeiro lugar na competição nacional Carolina Quarterly’s Young Fiction Writers (N.T.: trimestrais de escritores de ficção juvenil de Carolina). Com certeza colaborou com minha graduação, assim como com outras “regalias” – como um Jovem Turco agora com algum crédito como escritor.

De certa forma “autenticado” pelo sucesso, após a graduação eu permaneci seis semanas em frente a uma Olivetti e, com mais nada a fazer “entre um emprego e outro”, escrevi uma novela de ficção científica. Enviei para a Bantam Books, que a passou para a Doubleday, que a publicou – sem dúvida baseada na amaável crítica preliminar de A.E. Van Vogt, um dos ícones da ficção científica mundial na época. Publicar nunca tinha passado pela minha cabeça… apenas significava que era hora de escrever outra coisa.

Paul Garson
Paul Garson
Decidi então tentar a sorte em Hollywood, assim me mudei da Flórida para Los Angeles onde planejava ficar rico e famoso. É bom ter um objetivo. Também é bom ter um sanduíche para comer de vez em quando. Depois de algumas semanas protegendo móveis ao ar livre num shopping a noite toda, procurei emprego como zelador na USC (N.T.: University of Southern California), mas de alguma forma acabei tendo e dando aulas. (Era isso ou uma aparição agendada como concorrente no programa de tv Tic-Tac-Dough… mais uma história). Ok, então agora eu estava lecionando o formato artística da composicão para calouros, basicamente escrita de dissertações. Lecionar nos obriga a elaborar estratégias de escrita num formato compreensível – neste caso, para jovens de 18 anos que mal tinham capacidade para escrever um desfecho para um livro de banca. Os conceitos de raciocínio indutivo e dedutivo não constavam de seu repertório de habilidades. Já era difícil o suficiente fazê-los escrever usando caneta em vez de lápis. Mas houve progresso. Um, fui capaz de convencê-los de que mesmo que escrever seja um processo não natural, longe dos centros cerebrais da fala, pode ser abordado com um paradigma simples, uma lista de regras a seguir para criar uma dissertação legível, o objetivo deles no curso. E, dois, sim, você tem algo sobre o que vale a pena escrever, talvez o maior obstáculo inicial a ser superado. Pelos dois anos seguintes meu trabalho de graduação em mídia e literatura coexistiu com meus deveres de professor, e de vez em quando havia um lampejo de esperança. Enquanto a maioria dos estudantes parecia mais preocupada com as condições da pista de esqui no fim de semana, às vezes um escritor nascente se descobria.

Quanto a mim, tentar compreender e classificar 200 dissertações de calouros toda semana teve um custo mental e emocional. Houve gritos noturnos que provavelmente deixaram meus vizinhos nervosos. Mas a USC também oferecia professores brilhantes e estimulantes, e muitas vezes saí das aulas com meu cérebro vibrando, com cada átomo energizado. Então eu tinha aulas para tomar e aulas para dar. Sem dor, sem ganho. Também conduzi a publicação primeiro de uma, depois de várias peças que mantiveram girando as rodas do escritor freelancer. Girando com direção incerta. Girando em duas rodas. Motorizado.

Como se pode ver, eu estava dando voltas em Los Angeles com uma série de motos antigas e de alguma forma transformando isso numa série de contos que apareceram em várias revistas “masculinas” e sobre motos. Depois de graduado, essa tendência motorizada me levou a procurar meu primeiro emprego como escritor numa publicação sobre motos de uma editora. Montei na minha vistosa Norton 1969 e acho que foi uma boa estreia. E quando o editor ficou sabendo que eu não tinha qualquer experiência em revistas, ofereci-me para sair, encontrar uma história, tirar fotos, redigir um artigo e voltar no dia seguinte. Se eles gostassem do que vissem, poderiam me contratar. E assim foi. Então…

Lição 3: Aqueles que ousam algumas vezes conseguem empregos como escritores

Essa primeira “temporada” evoluiu para alguns trabalhos de escrita em outras publicações automotivas, eventualmente como editor em algumas delas. Eu estava escrevendo sobre coisas que gostava enquanto me tornava um freelancer full-time. Ainda mantenho meu relacionamento com várias dessas revistas e permaneço como colaborador fixo em algumas.

Lição 4: Escreva sobre o que você conhece

Melhor ainda, escreva sobre o que você ama.

Lição 5: Quando você não estiver escrevendo sobre o que ama, escreva sobre o que te pagarem para escrever.

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Lição 6: Escreva sobre qualquer coisa

Se você sabe como fazer pesquisas ( e conduzir entrevistas), você escrever com sucesso sobre uma gama enorme de assuntos. Por exemplo, enquanto redigiu montes de artigos sobre pessoas com tatuagens e os artistas que as criavam, eu mesmo não tinha um pingo de tinta em mim. Escrevi sobre músicos e bandas, mas nem sei assobiar Dixie (N.T.: canção norte-americana, composta na época da guerra civil, ouça aqui). Escrevi material publicitário para uma grande empresa de macarrão, mas nem sei ferver água. Mas sei ser bom ouvinte, e desenvolvi um modelo que sempre dá certo ao conduzir um “frente a frente”.

Lição 7: Aprenda os cinco pontos cardeais de uma boa entrevista

Incluem, como qualquer profissional da imprensa te dirá… Quem, Onde, Quando, Por que, Como? O restante da entrevista, conduzida num tom informal “improvisado”, assume seu próprio formato orgânico ao ouvir cuidadosamente, cada pergunta abrindo a próxima porta. A mágica envolve interessar-se pelo entrevistado, fazendo a lição de casa, e lembrando que para muitos este é um momento especial em suas vidas… quando sua história será impressa… e isso também enfatiza as responsabilidades profissionais e éticas do escritor… suas palavras podem impactar meios de vida e sua imagem pública… sendo assim, cada palavra importa. Escuta criativa é a chave. Importante, lembre que a entrevista não é sobre você. Enquanto o entrevistador estabelece o cenário e define o ímpeto inicial, a história pertence ao entrevistado. Já fiz centenas, literalmente… pessoalmente, pelo telefone, durante o café… qualquer que seja o momento e onde quer que ele se apresente. Aproveite o dia, aproveite a palavra.

Lição 8: Não existe isso de bloqueio criativo

Se você está buscando ampliar seu mercado, vá a uma banca de jornais e olhe o que tem ali. Pegue uma revista para a qual você gostaria de escrever e analise os assuntos, o estilo, o tom e o entusiasmo dos leitores, até mesmo o total de palavras. Então ache uma história que se encaixe. Certa vez, descobri uma fotografia antiga tirada no final dos anos 30 na Alemanha. Chamou minha atenção. Até o momento escrevi e publiquei dois livros de não ficção, com 500 páginas cada, falando da Segunda Guerra Mundial.

Lição 9: Dê continuidade

Se você tiver curiosidade, é 90% do jogo. O resto é trabalho braçal apoiado por perseverança. Cartas de rejeição: eu poderia encher uma parede com elas, mas a maior parte das minhas paredes são cobertas com trabalhos publicados.

Lição 10: Auto-disciplina

Escrever é tanto uma vocação quanto uma ocupação. Um escritor de verdade é compelido a escrever… bem, obcecado na verdade. Você levanta todos os dias, faz seu ritual matinal para despertar totalmente, e então vai trabalhar. Pelo menos 8 horas por dia. Pelo menos cinco dias por semana. Como dizem, não é apenas um emprego, é uma aventura. Vocês me desculpem, mas está na hora de praticar o que eu prego… Atualmente, estou trabalhando numa história sobre brinquedos vintage, outra sobre cavalos e outra ainda sobre terremotos…

Oh… meu nome. É Paul Garson. Sou “googável”.

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Cristine Tellier
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