hemingway

Sou um péssimo piadista. Sei muito bem ser sarcástico, mas não me lembro de contar uma piada e fazer alguém rir. Não sei se meu problema está na forma de falar ou se não sei ser surpreendente o bastante no chiste final que encerra a anedota. Sabe aquela inversão de expectativa onde se encerra a graça da coisa?

Enfim, justamente sobre este “estalo de chicote” (metáfora honestamente plagiada de Sean O’Faolain) no final da história que é, muitas vezes, o drama de um contista. Eu, particularmente, só começo a escrever se tiver em mente como será encerrado. No conto clássico, é comum que a emotividade se desenvolva uniforme, num crescendo, até se encerrar no clímax, abruptamente, no “estalo do chicote”. O que confere ao conto a ausência de pós-epílogo, ou pós-clímax.

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Ernest Hemingway

Afinal, sua estrutura é totalmente baseada num único ponto de ação. Sendo este ponto o drama, conflito, problema ou objetivo do protagonista. E devido a este objetivo, temos uma unicidade narrativa. A história não cria bifurcações em sua premissa. Tende a mantê-la num único trilho, sem paralelismos – nada disso, entretanto, impede o autor de inserir diferentes vozes narrativas ou mesmo sub-histórias, desde que atuem como aparadores para a narrativa principal – e ao se encerrar a ação, encerra-se o conto. “Pláft!”, no estalo do chicote.

Esta unicidade infecta não apenas o âmago da trama da história, mas igualmente se reflete nos elementos que a compõe. Quero dizer: o tempo da narrativa, o espaço onde ela se passa e mesmo a exploração dos personagens estão totalmente limitadas pelo contexto abordado. Então, elementos que não influenciam na narrativa não têm sentido de existência no conto. Tudo que está lá precisa justificar-se na trama e gravitar em torno do ponto de ação.

Assim, descrições não são muito bem vindas, nem de personagens, nem de cenário, pois são consideradas anti-movimento ou anti-ação. Igualmente, não é comum em contos a alternância de cenários, salvo se totalmente desprovidos de dramaticidade, como que utilizados apenas como figuração indispensável ao contexto. Antes, valoriza-se muito o diálogo que, por sua vez, é a força motriz dos conflitos.

Como citado certa feita por Ricardo Ramos Filho, numa de suas diversas oficinas, baseados na quantidade diminuta de páginas, autores iniciantes tendem a começar pelo conto, julgando ser mais fácil por se escrever menos. Pensamento errôneo, justificada pela citação de Massaud Moisés: “O conto não é conto por ser breve, mas é breve por ser conto.”

tchekhov

P.S.: Como falei em “conto clássico”, vale a pena uma breve citação sobre o conto moderno, preconizado por Tchekhov. Incidem as mesmas regras de univalência narrativa, todavia, o autor russo considerava que o conto deve ser um recorte do cotidiano, um pequeno espaço de tempo na vida do personagem em questão. Assim, não se determinaria um início ou mesmo um fim (salvo em se tratando da morte do indivíduo). Logo, não raro se encontram contos dele sem início e sem fim. Como se o leitor fosse simplesmente jogado numa correnteza em movimento e depois pinçado sem saber onde desembocaria. O que importaria era apenas o instante da ação e a interação do personagem para com seu drama. Com tudo terminou, para Tchekov, não importa.

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