as brasas

As brasas
Sándor Márai

Em seu castelo na Hungria, na região dos Cárpatos, um velho general do Império austro-húngaro é visitado por um homem de quem foi amigo inseparável na infância e na juventude. Não se vêem desde 1899, há quarenta e um anos, quando um dia o amigo desapareceu inexplicavelmente.
(fonte: livcultura.com.br)

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Pode parecer plot de novela da Globo, dá até para ouvir a chamada: “Como Henrik irá reagir ao retorno de Konrad, 41 anos (e 43 dias) depois de ter desaparecido sem explicação? E como Konrad reagirá ao saber da morte prematura de Kriztina?”. Mas a aura de folhetim acaba aí, pois Márai tem a capacidade de cativar o leitor abordando de forma sutil e elegante os eventos que envolveram os três personagens.

“A amizade deles era séria e silenciosa como todos os grandes sentimentos destinados a durar uma vida inteira. E como todos os grandes sentimentos, também continha certa dose de pudor e de culpa. Ninguém pode se apropriar impunemente de uma pessoa, subtraindo-a de todas as outras.”
(p.32)

A obra aborda temas recorrentes na literatura – amor, amizade, honra – mas nem por isso parece ser mais do mesmo. Aborda de modo pungente e bem particular a evolução, e posterior dissolução, da amizade entre dois rapazes. O autor inicialmente faz uso de duas linhas narrativas a fim de contar essa história. Enquanto acompanhamos Henrik reagindo à notícia da vinda de Konrad e se preparando para recebê-lo, em flashback, ficamos sabendo como se conheceram e como se tornaram melhores amigos durante a juventude.

No primeiro terço do livro, conta-se ao leitor a respeito da infância de Konrad, sua família e o início de sua amizade com Henrik, e culmina com os eventos que levaram este último a partir sem deixar qualquer explicação. Até esse trecho, a partir do qual o leitor passa a compreender o comportamento de Konrad em relação a esse encontro com Henrik, o texto é um pouco arrastado, deixando a leitura morosa e, por vezes, cansativa. O restante do livro é basicamente o reencontro dos dois e, apesar do que algumas sinopses dão a entender, não se trata de um diálogo entre dois amigos afastados durante tanto tempo, mas basicamente um monólogo do general. Nele, Henrik discorre sobre tudo o que aconteceu entre eles e após a partida de Konrad, além de suas impressões e interpretações para esses acontecimentos.

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Sándor Márai
O texto de Márai “embala” o leitor. Consegue fazê-lo refletir, junto com o general, sobre as questões levantadas por ele durante seu monólogo. É praticamente impossível não se identificar, não encontrar paralelos com nossa própria vida, não se deixar levar pelos questionamentos, não se pegar pensando: “O que eu teria feito?” ou “Agi dessa mesma forma, mas já não tenho tanta certeza de ter feito a coisa certa.”. A ausência de auto-indulgência do general ao (re)analisar os fatos é de uma honestidade tal que chega a ser dolorosa. Percebe-se, nas suas palavras, que remexer novamente naqueles relacionamentos é penoso, mas necessário.

É inegável que a obra tem temática de folhetim, já que versa sobre romance e traição – algum outro leitor pensou, mesmo que brevemente, em Bentinho e Capitu? – mas tem tantos outros aspectos além dos já citados que certamente vale uma releitura.

“A gente envelhece assim, pedaço por pedaço. E então, de repente, sua alma envelhece: mesmo sendo o corpo efêmero e mortal, a alma ainda é movida por desejos e recordações e a inutilidade de todas as coisas; nesse estágio, estamos irremediavelmente velhos. Um dia você acorda e esfrega os olhos e não sabe mais por que acordou.”
(p.150)

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Cristine Tellier
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2 Replies to “As brasas, de Sándor Márai”

  1. Legal como vc começou o texto, comparando ao plot a uma novela da Globo… Assinalei alguns trecho que vc marcou também. Esse livro me marcou, sabe, não cheguei a achar cansativo, é bem curto, nem deu tempo. Mesmo não tendo suspense em relação ao suspense ele consegue prender o leitor até esse saber onde o general quer chegar com toda essa lenga lenga né?
    O debate foi ótimo, apareça um dia por lá!

  2. Gosto de ser surpreendida por um livro e esse conseguiu a proeza.
    Estou me preparando para ir ao próximo. Cortázar já está na minha cabeceira 😉

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