»» fonte: “Voluntary masochism: writing with emotion”, artigo escrito por Jane Myers Perrine, publicado no Writer’s Digest, em 05/11/2013 ««

Cresci numa família disfuncional. Há grandes possibilidades de ter acontecido com você também. A principal disfunção da minha família era não ser permitido expressar emoções negativas. Podíamos sorrir ou não, rir ou ficar quietos mas nunca podíamos demonstrar raiva. Confrontação era ruim. Expressar dor ou desapontamento era desaprovado. É de se admirar que eu tenha crescido sem qualquer ideia do que sentir a respeito de qualquer coisa?

By Harriet Roosevelt Richards
By Harriet Roosevelt Richards

Então comecei a escrever. Uma escolha tola de carreira: um escritor que se sente desconfortável com emoções. Um escritor que não consegue expressar sentimentos. Isso explica bem por que meus três primeiros livros publicados eram cheios de humor e conversa fiada. Amo meu primeiro livro, The Mad Herringtons, uma história de época premiada e tradicional, mas no qual a única coisa ruim que acontece com a heroína é seus pais apareceram durante uma festinha que ela está oferecendo.

the mad harringtonsLeitores esperam emoção. Gostam de humor também, mas esperam e realmente querem personagens com os quais se identifiquem profundamente, que passem por sofrimento e aprendam e se curem e saiam da situação mudados e triunfantes!

A escritora Sharon Sala ministra um workshop sobre como expressar emoção. Seu conselho parece simples mas abriu um mundo novo para mim: para transmitir as emoções que seus personagens sentem, mergulhe fundo em si próprio, encontre aquelas emoções que você possivelmente não se permitiu demonstrar anteriormente. Lembre-se da vez em que você estava muito triste ou profundamente desconsolado ou muito feliz, e deixe os personagens impregnado com esse sentimento.

Oh.

Com isso, fui capaz de descrever como Franny (The path to love) se sentiu quando percebeu que o herói não podia aceitá-la como ela era e teve forças para se afastar dele. Quem nunca esteve frente a frente com alguém que gostaria mais de nós se não fôssemos tão ‘nós’? Para escrever sobre Franny, tive de superar meu medo de confrontos, meu hábito de ser “da paz”. Não foi fácil, mas minha escrita evoluiu.

Uma amiga que está lendo a série Butternut Creek me falou outro dia: “Jane, você percebe o quão autobriográficos são estes livros?”. Sim, eu percebo, mas provavelmente num nivel diferente do que ela pensou. Muitos dos acontecimento dos livros vêm de experiências minhas, mas mais autobiográficas são as emoções que vêm do meu interior.

Além de me esquadrinhar, explorei os sentimentos e moções de outras pessoas, pessoas reais, observando batalhas e atos heróicos. Nós, autores, não temos vergonha de nos apropriar do que pudermos de nossos amigos e familiares.

Sam, um dos heróis de The Welcome Committee of Butternut Creek: A Novel é um ex-marinheiro alcoólatra, amputado, que sofre de TEPT (transtorno de estresse pós-traumático). Eu nunca passei por nada disso. No entanto, presenciei o heroísmo de meu marido enquanto lutava contra sérios problemas de saúda. Usei sua coragem e suas vitórias para construir Sam.

Para mim, expressar emoções é como nada numa piscina de água fria. Primeiro, enfio meus dedos e os puxo de volta. Então, desço alguns degraus e me acostumo com a temperatura. Finalmente, mergulho completamente. Por alguns segundos, é gelidamente doloroso. Quero saltar para fora e me enrolar em minha toalha. Mas depois de alguns segundos arrepiantes, a água fica agradável.

Enquanto escritores, ao colocar nossas emoções e sentimentos profundos numa página e compartilhá-los com outros, estamos extremamente vulneráveis. Dá calafrios pensar que outros irão ler sobre os detalhes mais íntimos de nossos vidas e sobre nossos sentimentos. Expomos nossas falhas. Os leitores nos conhecem e conhecem nossa dor e acontecimentos desagradáveis de nossas vidas, as emoções que escondemos por décadas, porque as expusemos para que todos vissem. Como escritores, somos voluntariamente masoquistas. Pessalmente, eu preferiria me esquivar e me enrolar no conforto da negação. E eu posso fazer isso, mas minha escrita não seria tão intensa.

Enquanto escrevo, tento transmitir a dor interna latejante, quando a dor emocional se torna física, as vezes em que me encolhei e solucei por não encontrar conforto ou conclusão. Quando Gussie (The Matchmakers of Butternut Creek: A Novel) tem de se conscientizar de que se ela não conseguir enfrentar a dor do estupro que ela negara por tanto tempo, ela perderia o homem que ama; e quando Sam reconhece que se não contar a Willow sobre o horror da guerra e a perda de seu melhor amigo, ela se afastaria – a dor de compartilhar ou de não se abrir é algo que o escritor deve expressar.

Não tenha medo de sentir e de demonstrar suas emoções. Você sempre pode voltar atrás. É permitido que você puxe seus dedos de volta, que você se cubra com uma coberta e enrole-se num local confortável. Ou você pode entrar na água fria e funda e escrever o que sente, o que os personagens devem sentir, e criar uma novela muito melhor.

Masoquismo voluntário: escrevendo com emoção

Cristine Tellier
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