Numa da minhas antigas aulas de literatura, um professor contou-me um causo, da vez em que foi assistir uma palestra de um grande especialista em Machado de Assis, seu escritor favorito (também pudera, Machado é o Michel Teló da literatura).

machado de assisEis que durante o solilóquio, o ministrante comenta uma história que Machado conta em Dom Casmurro, de forma subjetiva, que o tal professor jamais havia se dado conta. Num intervalo, teria ido indagar ao entendido sobre a tal história, onde se encontrava no livro, etc.

E então ele teria respondido “você leu o livro?”, pergunta deveras mordaz para um professor de literatura. “EIA!” Teria o outro respondido.

Cheguei ao meu ponto: quantas histórias não contadas estão contadas nas obras destes grandes autores? Porque fariam isso? O que é essa subjetividade? Como trabalhamos com ela em nossos textos?

Comecemos pelo óbvio: a primeira pergunta jamais será respondida. Seja porque cabe apenas ao autor saber, seja porque a análise de conteúdo em um texto depende muito da interpretação do leitor. E cada leitor vai interpretar de acordo com seus parâmetros pessoais.

Recentemente, Paulo Coelho, por exemplo, afirmou que não há nada demais em Ulysses de James Joyce (algo me diz que Joyce diria a mesma coisa da obra de Coelho). No entanto, há milhares de estudiosos deste livro que dedicam anos para analisá-la.

A subjetividade é um fabuloso recurso literário que pode fazer a diferença entre uma obra memorável e livro medíocre. É a arte de dizer muito com pouco. Além disso, é uma ferramenta tremendamente útil com a redução de palavras. Visto que, para mim, na literatura, menos é mais.

Machado de Assis é reconhecido gênio neste quesito. O conto “A missa do galo” é uma prova cabal. Nele, Machado insinua um jogo de sedução, mas não usa um indicativo direto de que isso está acontecendo. Circunda o assunto com tal subjetividade que o leitor chega ao fim convicto da carga intensa de sensualidade.

men in the rain
(foto: www.dailymail.co.uk)

Ser subjetivo é ameaçar o assunto, dar ao leitor as ferramentas para que ele conclua sozinho o que você quer dizer.

Por exemplo: para não dizer que está chovendo, você pode apenas mencionar que seu personagem chegou em casa encharcado.

Vejo alguns autores iniciantes que utilizam este recurso de forma intuitiva, mas depois cometem o pecado de explicar tudo no parágrafo seguinte. Para mim isso é ofensivo: será que não sou confiável o bastante para concluir que se ele chegou molhado porque, provavelmente, estava chovendo?

Sim, eu sei. Existem infinitas possibilidades, mas cabe ao autor prover indicativos suficientes para que o leitor conclua corretamente. Fulano chegou encharcado, pois esquecera o guarda-chuva. Pronto. Estava chovendo.

kafka
Franz Kafka, em 1910
Este é um exemplo simples. Há obras tão complexas e geniais neste quesito que por vezes ela toda serve a este propósito. O Castelo de Kafka conta a história de um funcionário enfrentando a burocracia uma repartição pública. Toda narrativa é arrastada, hermética e não flui com facilidade: um truque do autor para fazer o leitor sentir a mesma agonia do protagonista.

Aliás, essa obra termina abruptamente. Com uma palavra perdida, no meio de um parágrafo. Dizem que Kafka teria queimado os originais e este incompleto foi o único que sobrou. Ou será que ele fez isso de propósito, para demonstrar que a burocracia nunca chega ao fim, fazendo com que desista coisa, sendo vencido cansaço? Ninguém jamais saberá.

Lembre-se: todo o texto, cada pedacinho dele serve a um propósito: passar o sentimento que você, autor, deseja. A significação do que você quer dizer se dá através de tudo: palavras, forma, estilo, pontuação, diálogos, etc. Abuse de todos os recursos.

Os poemas haicai são, ao meu ver, a forma mais intensa de subjetividade. O autor precisa condensar uma profundidade absurda em apenas alguns caracteres. Fazer-se entender assim é tarefa árdua. Honestamente, não me atraem muito. Acho que meu cérebro não está preparado para tanto.

Não há um termômetro que indique o quanto se deve ser subjetivo. Dependerá do quanto você confia em seu leitor. Há um texto meu, “Riso e Reverência”, em que eu arrisquei deixar o final subjetivo. Muita gente reclamou que não entendeu se o herói ficou com a mocinha ou não. É um risco que decidi correr. Entretanto, o final está lá. Quem dedicar um pouco mais de atenção entenderá o que aconteceu.

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One Reply to “Show, Don’t Tell – Subjetividade”

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