As relações perigosas (Les liaisons dangereuses)
Choderlos de Laclos
(resenha originalmente publicada no Vórtex Cultural, em 20/09/2013)
A Marquesa de Merteuil e o Visconde de Valmont, apesar de todo o luxo que os rodeia e da extrema cortesia e sofisticação que aparentam, personificam o que há de mais vil na humanidade. Ex-amantes, os protagonistas destas 175 cartas fingem e manipulam as pessoas a seu bel-prazer. Talvez para testar seu poder, talvez para passar o tempo, tecem um plano de sedução e vingança para provar que não são manipuláveis e descartáveis como os outros. Esse plano é descrito com requintes de perversidade por eles em cartas nas quais revelam seus mais íntimos pensamentos – e o fazem com tanta precisão que na época imaginou-se que o romance era, na verdade, uma reunião de cartas verídicas sobre fatos que realmente aconteceram.
(fonte: Livraria Cultura)
Criticada duramente na época de seu lançamento, a obra versa basicamente sobre dois assuntos que interessam a todo mundo mas que ninguém admite conversar a respeito: sexo e a vida alheia. É interessante pensar que um militar de alta patente – Pierre Chordelos de Laclos foi general do exército francês – tenha conseguido abordar tal assunto tão brilhantemente e num formato narrativo que instiga a curiosidade e, ao mesmo tempo, provoca a inteligência do leitor: o livro é todo escrito em missivas.
Devo admitir que é um dos formatos que me atrai instantaneamente. Caso tenha de escolher entre um livro narrado “normalmente” e um em formato epistolar, indubitavelmente optarei pelo segundo. Agrada-me o desafio de preencher as lacunas, de imaginar quais as intenções do personagem que escreveu a carta e qual a reação do leitor a quem ela se dirige.
Como se já não bastasse o interesse despertado pelos assuntos principais das cartas citados acima, as entrelinhas conseguem ser tão ou mais interessantes. O retrato da época, a descrição da burguesia – as aparências e o que fica por baixo dos panos – , as relações políticas, sociais e econômicas entre os personagens que povoam as cartas estão ali incrementando a trama para deleite do leitor ávido por algo mais além do enredo cheio de intrigas e imoralidades.
Laclos permite que o leitor entreveja nas cartas a natureza cruel e ignóbil dos protagonistas. E nos lembra a todo momento que são os vilões da estória. Que são eles os representantes do que havia de mais traiçoeiro e pérfido na elite daquela época. E que se são tão bem sucedidos nessa sociedade dissimulada e decadente é por que – como se diz hoje no futebol – “quem não faz, toma!”. Contudo, é impossível ao leitor não se deixar levar pela loquacidade de suas palavras. O texto melífluo e envolvente o imerge em seus ardis, assim como aos demais personagens – assunto das cartas.
Mesmo retratando tão fielmente a época em que se passa a estória, é ainda bastante atual em sua crítica ácida aos artifícios do convívio social. Foi adaptada várias vezes tanto para o teatro quanto para o cinema, mas não se deve prescindir de sua leitura, bastante agradável e fluida.
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