O Talentoso Ripley
Patricia Highsmith

Há alguns meses, eu estava escrevendo uma história que envolvia personagens psicopatas. Esse tipo de perfil é muito, digamos, literário e evoca fantasias na imaginação das pessoas. E para fazer a coisa direito, portanto, dediquei-me a alguma pesquisa sobre o assunto. Depois de consultar artigos de revistas, por pura serendipidade (aprendi essa palavra essa semana, estava louco pra usá-la), encontrei o nome de uma psiquiatra que é considerada a maior especialista brasileira no assunto: Dra. Hilda Morana. Liguei para o consultório dela e pedi uma entrevista. Para minha surpresa, a Dra. Morana foi extremamente receptiva. Procurei fazer a coisa nos moldes mais profissionais possíveis e, por isso, antes de visita-la, li seu trabalho de doutorado que já me deu uma ótima base para esta conversa e, consequentemente, uma lista de perguntas.

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Fui surpreendido com as desmistificação de várias “lendas” criadas em torno dessas pessoas. Além de inúmeros tipos de psicopatas, explica a doutora, a doença é um problema mais físico do que de qualquer outra origem. Os psicopatas têm um defeito no lóbulo frontal do cérebro que bagunça o senso de empatia. Além disso, ela comenta, desmentindo outra falácia sobre eles, que não são pessoas com inteligência acima da média e com aquele ar soberano que costumamos ver nos personagens do cinema. O psicopata comum não tem nenhuma inteligência extraordinária. Eles são, quando muito, pessoas que passam o tempo todo pensando em como aplicar suas vigarices e por isso são tão bons nisso. Estão mais para baratas covardes que fogem quando a luz se acende – ela cita que o índice de suicídio entre os psicopatas é altíssimo, por medo, quando descobertos. Eles manipulam as pessoas através das fraquezas psicológicas. Tendem a se aproximar de quem está debilitado emocionalmente para, como um parasita, usar isso para conseguir da pessoa o que quer.

A literatura e o cinema tendem a romantizar esses indivíduos. Não que estejamos reclamando, afinal, amamos nossos Hannibal Lecter, Anton Chigurh, Hans Landa, Max Cady, Annie Wilkes, Norman Bates, Patrick Bateman e etc. Só que não se pode dizer que sejam verossímeis face aos padrões psiquiátricos. Contudo, foi isso que me surpreendeu na obra O Talentoso Ripley, de Patricia Highsmith: a sua verossimilhança.

A obra narra, em terceira pessoa, num estilo de narrativa indireta livre – que entra na mente da personagem e “sente” o que ele “sente” – contando a aventura de Tom Ripley. Um jovem nova-iorquino que se perdeu na vida em algum momento e passa a parasitar na cidade, vivendo de bicos e pequenas trapaças. De repente, contudo, o destino dá uma guinada e ele encontra-se com um grande empresário chamado Herbert Greenleaf que o incumbe de uma missão: convencer seu filho – um antigo amigo de Ripley – a voltar da Itália, onde o jovem decidira viver.

talented ripleyTom sabia que esta era a chance de sua vida. E no decorrer do livro – direi o mínimo pra não dar spoilers – ele acaba por aprontar “bons” trambiques. A caraterística marcante em Tom é sua amargura em relação ao mundo. É evidente sua falta de empatia, o tédio e a inveja que ele sente em relação às demais pessoas. Tendo um comportamento sociopático – que é uma das facetas dos psicopatas – e vivendo num mundo paralelo onde sua mente só busca, o tempo inteiro, aquilo que favorece a si mesmo, ignorando os sentimentos alheios.

Em termos de estilo, o livro não surpreende tanto, o que é muito comum para essa temática noir. Afinal, o objetivo desse formato não é encantar pela estética, mas sim entreter, instigar e prender a atenção do leitor para a história. E aí sim, o livro é plenamente competente.

A autora não deixa muito evidente em que época se passa a história. É facilmente presumível, contudo, levando em conta detalhes que a deixados pelo caminho, como migalhas de pão, que se passe em torno dos anos 50, década em que o livro foi escrito. Mas poderia muito passar-se nos dias de hoje.

Um fenômeno recorrente em boas obras onde o protagonista é o vilão é que o leitor acaba torcendo por ele. Mesmo que saibamos que se trata de um criminoso, é difícil, estando imerso em seus pensamentos, que não criemos certa empatia. Quando conhecemos a história e as motivações, dividimos isso com ele de forma tão íntima, é como se compartilhássemos de suas neuroses.

E Ripley é bastante melancólico e profundo durante todo o texto. Profundo, quer dizer, dentro do que são as capacidades de um psicopata. E nesse ponto a autora faz uma representação muito precisa da doença, segundo o que relatou a Dra. Morana. Ripley é um personagem tão bem construído para essa temática que surpreende que nos anos 50, quando não havia ainda tantos estudos sobre o assunto, o quanto a autora foi verossímil.

Outro ponto que se destaca é a geografia e a temática turística embarcada na obra. A autora destaca frequentemente detalhes dos lugares por onde Tom passa, sem, entretanto, ser enfadonha. Descrições tendem a ser sacais em livros – principalmente quando o ritmo exige certa dinâmica como em obras policiais. Só não sei dizer se existe acuidade, pois desconheço os lugares. Suponho, porém, que sim. Patricia consegue pincelar sobre a beleza – principalmente da Itália – sem se perder em delongas. Um toque da maestria que evidencia o merecimento do prêmio Edgar Alan Poe de melhor romance e o Grand Prix de Littérature Policière de melhor romance policial.

O protagonista se torna tão interessante que deu origem a diversas continuações da obra. Também houveram adaptações teatrais e cinematográficas, sendo a mais famosa intitulada Plein Soleil, filme francês de 1960, estrelado por Alain Delon no papel de Ripley. Não assisti aos demais, mas este me desagradou profundamente, mostrando um Ripley absolutamente diferente do livro. Não deve ser tomado como referência para se julgar a obra escrita.


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