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Zulu
Caryl Férey

Vencedor do Grand Prix du Roman Noir Français 2009, o livro chega ao Brasil sete anos após sua publicação na França.

Quando criança, Ali Neuman fugiu de sua terra natal para escapar das milícias do Inkatha, em guerra com o partido rival, o Congresso Nacional Africano. Ele e sua mãe foram os únicos membros da família a sobreviver àqueles anos de terror, e Ali carrega traumas, emocionais e físicos, que não compartilha com ninguém.
Hoje chefe da polícia criminal de Cape Town, vitrine da África do Sul, Neuman tem que lidar com dois terríveis flagelos que assolam a primeira democracia da África: a violência e a AIDS. Seu trabalho se complica quando a filha de um ex-campeão mundial de rugby da elite branca é encontrada brutalmente assassinada, com vestígios de uma droga desconhecida no sangue. Ali Neuman, Dan Fletcher – o jovem braço direito do capitão zulu – e o turbulento tenente Brian Epkeen parecem andar em círculos na investigação, seguindo uma pista falsa após a outra, enquanto a carnificina se intensifica. Ainda que o apartheid tenha sido extirpado da cena política, velhos inimigos continuam agindo à sombra da reconciliação nacional.
(fonte: http://grupoautentica.com.br/vestigio)

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Não se pode negar a intensidade com que as cenas de violência são descritas. Logo no prólogo, o leitor é envolvido no terror das guerras de milícia, visto através do olhar de uma criança. O texto em si é violento, cru, um soco no estômago. Férey consegue colocar o leitor dentro da ação de tal forma que, em certos trechos, faz com que ele até pare alguns minutos, tentando recuperar o fôlego após o “golpe”. O texto acompanha o ritmo da cena de um jeito tão simbionte que, nos momentos em que a ação é dinâmica, o texto que a descreve é tão “instantâneo” que quase é preciso voltar e reler para ter certeza de não ter perdido qualquer detalhe. NUma comparação rudimentar, é como uma cena de ação dirigida por Michael Bay, cheia de cortes, mas bem feita – sem os cortes desnecessários, que lhe são característicos.

“O sangue regava os pés da churrasqueira, o vento turbilhonava, ele soluçava como uma criança aterrorizada que ninguém viria salvar. Estava sozinho com seu toco e sua mão jogada na areia, solta do corpo. Vivia um pesadelo.
Neumann fechou os olhos quando o tsotsi cortou sua outra mão.”
(p.108)

Mas dois fatores incomodam durante a leitura: o excesso de notas de rodapé no início do livro e vários trechos dramáticos, sentimentais ou filosóficos demais. O primeiro, apesar de necessário já que Férey usa vários termos zulus, acaba por interromper a narrativa e “remove” o leitor do ambiente da história. Não é possível saber qual a intenção do autor com isso, ou se porventura alguns termos sejam mais familiares aos leitores europeus do que para nós aqui do outro lado do Atlântico. Felizmente, à medida que história avança, as notas vão rareando – apesar de ainda surgirem termos não traduzidos. Quanto ao segundo fator, esses trechos pareciam totalmente deslocados do contexto, não apenas no tocante ao fio narrativo – já que poderiam ter sido realocados para qualquer outro capítulo sem ganhou ou perda – mas também quanto ao formato narrativo, tendo em vista o vigor e a violência das cenas de ação.

“Os insetos zumbiam debaixo das acácias do Jardim Botânico. Epkeen oscilou por um instante ao acaso de suas trajetórias, mas dois sóis negros se cruzavam nos olhos de Neumann: o pressentimento que o perseguia desde o amanhecer não o havia deixado.”
(p.36)

Mas há que se destacar o que é, IMHO, a maior qualidade do livro: a construção dos personagens. Ok, a crítica social subjacente é importante, acrescenta nuances à linha narrativa de forma indelével. Contudo, em certos momentos, essa riqueza acaba jogando contra, deixando a trama um tanto confusa. Mas os personagens são o mantém o leitor preso ao livro, mesmo que o fio narrativo esteja embaralhado e demore a se desembaraçar. Mesmo sendo uma clássica história de mocinho-bandido, ninguém é 100% um ou outro. Todos têm qualidades e defeitos, virtudes e pecados, na medida certa para tornar os personagens críveis e dignos (ou não) de “torcida” pelo leitor.

Caryl-Ferey
Caryl Férey
A obra foi adaptada para o cinema em 2013 por Jérôme Salle, com Forest Whitaker e Orlando Bloom nos papéis principais. Como a maioria das adaptações, não consegue refletir na tela a complexidade tanto da narrativa quanto dos personagens do livro, assim como não consegue transpor, com a proficiência de detalhes necessária, a ambientação numa África do Sul pós-apartheid. Mas analisando sob o foco “filme policial”, cumpre bem seu papel de entreter no quesito trama e ação.

Certamente por esperar ler uma história policial by the books, o livro não me conquistou como vi que ocorreu à maioria dos leitores. Ter uma expectativa não concretizada sem dúvida impediu que eu curtisse mais a obra. Confesso, esperava algo mais Jo Nesbo ou Frank Thilliez. Mais thriller, menos drama. Não que personagens tridimensionais e bem construídos atrapalhem, mas o excesso de carga dramática por muitas vezes atrapalha a fluidez da leitura, rompendo o ritmo da narrativa – ainda mais em se tratando desse gênero.
 
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Cristine Tellier
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