»» versão do artigo “The 7 Tools of Dialogue”, escrito por James Scott Bell, publicado em 13/05/2014 no Writer’s Digest ««
Meu vizinho John adora mexer no seu carro tunado. Ele é um expert automotivo e me diz que consegue ouvir quando algo não está funcionando bem. Não hesita em pegar sua sacola de ferramentas e começar a fuçar. Fica mexendo até que o motor soe exatamente como ele quer.
Esse não é um jeito ruim de pensar sobre diálogos. Conseguimos perceber quando precisam ser trabalhados. Entretanto, o que alguns autores de ficção deixam de fazer é definir um conjunto de recursos a ser usado em cada caso.
Então, aqui está um conjunto – meus sete recursos favoritos de diálogo. Enfie-os na sua caixa de ferramentas para aquelas vezes em que você precisar abrir o capô e remexer nas palavras de seus personagens.
1. Deixe fluir
Quando você escreve o primeiro rascunho de uma cena, deixe o diálogo fluir. Despeje-o como champanhe barato. Você o fará brilhar depois, mas primeiro você tem de colocá-lo no papel. Essa técnica permite que você chegue a frases que nunca teria pensado se tivesse tentado acertar logo de primeira. Na verdade, você muitas vezes pode conseguir uma cena dinâmica se escrever o diálogo primeiro. Registre sobre o que seus personagens estão discutindo, o que os preocupa, o que revelam. Escreva tudo o mais rápido que puder. À medida que escrever, não preste atenção nos incisos (quem disse o quê). Apenas escreva as frases.
Depois de passar isso para o papel, você terá uma boa ideia de sobre o que é a cena. E pode ser que esteja um pouco diferente do previsto inicialmente, o que é bom. Agora você pode voltar e escrever a narração que acompanha a cena, os incisos e identificadores. Descobri que essa técnica é uma ótima cura para a fadiga de escrever. Faço meus melhores textos pela manhã, mas se não completei minha cota até a tarde (qdo geralmente estou cansado), eu simplesmente escrevo alguns diálogos. Rápido e furioso. Flui e me leva para a cena.
Com as ideias pipocando, muitas vezes acabo escrevendo mais do que minha cota. E mesmo que eu não use todo diálogo escrito, ao menos pratiquei um pouco.
2. Represente-o
Antes de começar a escrever, passei um tempo em Nova York, procurando emprego como ator. Enquanto estive lá, fiz um curso para atores que incluía improvisação. Um dos alunos do curso era um premiado do Pulitzer, como dramaturgo. Quando perguntei a ele o que estava fazendo ali, ele disse que trabalho de improvisação era um excelente exercício para aprender a escrever diálogos.
Achei que era verdade. Mas você não precisa fazer um curso. Você pode improvisar facilmente fazendo a cena do tribunal, com Woody Allen em seu filme Bananas. Allen está sendo seu próprio advogado no julgamento. Ele toma o banco das testemunhas e começa o interrogatório fazendo uma pergunta, correndo para o lado da testemunha para responder, e saindo novamente para fazer outra pergunta.
Estou sugerindo que você faça a mesma coisa (na intimidade da sua casa, claro). Invente uma cena entre dois personagens em conflito. Então comece uma discussão. Vá e volte, trocando de posição fisicamente. Faça uma pequena pausa entre as trocas, para ter tempo de inventar respostas na voz de cada personagem.
Outra variação dessa técnica: faça uma cena com dois atores conhecidos. Use toda a história de filmes e de televisão. Pegue Lucille Ball contra Bela Lugose, ou Oprah Winfrey discutindo com Bette Davis. Você deve fazer todos os papéis. Deixe-se levar.
E se aparecer a oportunidade de fazer um curso de improvisação, experimente. Você pode até conhecer um vencedor do Pulitzer.
3. Desvie do óbvio
Um dos erros mais comuns que aspirantes a escritor cometem em diálogos é criar um simples bate-e-volta. Cada frase responde diretamente à frase anterior, frequentemente repetindo uma palavra ou frase (um “eco”). Fica parecido com isto:
– Olá, Mary.
– Olá, Sylvia.
– Uau, que roupa maravilhosa você está usando.
– Roupa? Quer dizer esta coisa velha?
– Coisa velha? Parece praticamente nova.
– Não é nova, mas obrigada por comentar.
Esse tipo de diálogo é “reto”. Não há surpresas e o leitor acompanha com pouco interesse. Enquanto algumas respostas diretas encaixam bem, seu diálogo ficará mais sólido se você se desviar do óbvio:
– Olá, Mary.
– Sylvia, não tinha te visto.
– Uau, que roupa maravilhosa você está usando.
– Preciso de uma bebida.
Não sei exatamente o que está acontecendo nessa cena (a propósito, escrevi apenas essas quatro frases). Mas acho que você vai concordar que essa mudança é instantaneamente mais interessante e sugestiva, tendo mais entrelinhas que o primeiro exemplo. Eu posso até ter achado sementes para uma história inteira aqui.
Você também pode desviar usando uma pergunta:
– Olá, Mary.
– Sylvia, não tinha te visto.
– Uau, que roupa maravilhosa você está usando.
– Onde ele está, Sylvia?
Hmmm. Quem é “ele”? E por que Sylvia deveria saber? O ponto é que há inúmeras direções que essa técnica de desvio pode usar. Experimente encontrar um caminho que funcione melhor para você. Olhe uma parte do seu diálogo e troque algumas das respostas diretas por réplicas que fogem do assunto. Como os anúncios antigos costumavam dizer: “Você ficará satisfeito e surpreso.”
4. Cultive o silêncio
Uma variação poderosa do desvio é o silêncio. Frequentemente é a melhor opção, não importa quais palavras você pretende usar. Hemingway foi um mestre nisso. Considere este trecho do conto “Hills like white elephants”. Um homem e uma mulher estão tomando um drink numa estação de trem na Espanha. O homem fala:
– Pedimos outra bebida?
– Está bem.
O vento quente balançou a cortina de contas contra a mesa.
– A cerveja está boa e fresca – disse o homem.
– Está ótima – disse a moça.
– É mesmo uma operação muito simples, Jig – disse o homem. – Nem mesmo é uma operação de verdade.
A moça olhou para o chão, onde as pernas da mesa assentavam.
– Sei que você não se importaria, Jig. Não é nada mesmo. É só deixar entrar ar.
A garota nada disse.
Nessa história, o homem está tentando convencer a garota a fazer um aborto (uma palavra que não aparece em lugar algum do texto). Seu silêncio é uma reação forte o bastante.
Usando uma combinação de desvio, silência e ação, Hemingway chega ao ponto através de uma breve troca constrangedora. Ele usa a mesma técnica nesta conhecida cena entre mãe e filho no conto “Soldier’s home”:
– Deus tem um trabalho para cada um – sua mãe disse. – Não pode haver mãos ociosas em Seu Reino.
– Não estou em Seu Reino – disse Krebs.
– Estamos todos em Seu Reino.
Krebs se sentiu envergonhado e ressentido como sempre.
– Fiquei tão preocupada com você, Harold – sua mãe passou. – Conheço as tentações a que você esteve exposto. Eu sei como os homens são fracos. Eu sei o que seu querido avô, meu próprio pai, nos contou sobre a Guerra Civil e eu rezei por você. Eu rezei por você o dia todo, Harold.
Krebs olhou para o bacon gorduroso fritando na chapa.
Silêncio e bacon fritando. Não precisamos de mais nada para captar o clima da cena. O que seus personagens estão sentindo enquanto conversam? Tente expressar isso com o som do silêncio.
5. Lapide a gema
Todos temos aqueles momentos em que acordamos e temos a resposta perfeita para uma conversa que aconteceu na noite anterior. Não gostaríamos todos de ter esses bon mots na hora certa?
Seus personagens podem. Essa é a parte divertida de ser um escritor de ficção. Eu tenho uma regra um tanto arbitrária – uma gema por quartil. Divida sua novela em quatro partes. Quando estiver polindo seus diálogos, encontre as oportunidades em cada parte para lapidar uma gema.
E como você faz isso? Como um lapidador de diamantes, você pega o que está áspero e martela até ficar perfeito. No filme The Godfather, Moe Green está bravo com o jovem Michael Corleone por ele lhe estar dizendo o que fazer. Ele poderia ter dito: “Eu me estabeleci quando você ainda estava no ensino médio!”. Em vez disso, o roteirista, Mario Puzo, escreveu: “Eu me estabeleci quando você ainda namorava líderes de torcida!”. (No livro, Puzo escreveu algo mais picante).
O ponto é que você pode pegar basicamente qualquer frase e encontrar uma alternativa mais brilhante.
Apenas se lembre de usar essas gemas com moderação. O retorno perfeito vai ficando cansativo se acontecer o tempo todo.
6. Faça uso do confronto
Muitos escritores lutam contra a exposição em suas novelas. Com frequência, amontoam grandes trechos de narrativa linear. A história pregressa – o que aconteceu antes de a novela iniciar – é especialmente problemática. Como podemos contar o essencial e evitar apenas jogar informações?
Use diálogo. Primeiro, crie uma cena de tensão, geralmente entre dois personagens. Coloque-os discutindo, confrontando um ao outro. Então deixe a informação aparecer no curso natural da conversa. Esta é a maneira desajeitada de fazer:
John Davenport era um médico fugindo de um passado terrível. Foi expulso da profissão por cometer um erro cirúrgico estando bêbado.
Em vez disso, coloque a história pregressa numa cena em que John é confrontado por um paciente que conhece o passado do médico:
– Eu sei que você é – disse Charles.
– Você não sabe de nada – disse John.
– Você é aquele médico.
– Se você não se importa…
– De Hopkins. Você matou uma mulher porque estava bêbado. É isso mesmo.
E por aí vai. Esse é um método subutilizado, mas não só dá peso ao seu diálogo, como também acrescenta ritmo à sua história.
7. Dispense palavras
Essa é a técnica de diálogo favorita do mestre Elmore Leonard. Cortando cirurgicamente uma palavra aqui e ali, ele cria uma sensação de verossimilhança em seu diálogo. Parece uma fala real, mesmo não sendo nada disso. Todos os diálogos de Leonard contribuem para a caracterização dos personagens e para a história.
Veja aqui uma troca de frases padrão:
– Seu cachorro foi morto?
– Sim, atropelado por um carro.
– Qual era o nome dele?
– Era ela. Chamava-se Tuffy.
Esta é a forma que Leonard usou em Out of Sight:
– Seu cachorro foi morto?
– Foi atropelado por um carro.
– Qual era o nome dele?
– Era ela, Tuffy.
Parece tão natural, ainda assim é conciso e significativo. Perceba que é tudo uma questão de dispensar algumas palavras, deixando a sensação de um diálogo real.
Assim como qualquer técnica, há sempre o risco de exagerar. Escolha os locais e os personagens com cuidadosa precisão e foco, e seu diálogo irá te agradecer por isso mais tarde.
Usar ferramentas é divertido quando você sabe o que fazer com elas. Acho que é por isso que John, meu vizinho, está sempre assobiando enquanto mexe em seu carro. Você vai ver resultados na sua ficção – e se divertir, também – usando estes recursos para fazer seu diálogo soar bem.
Comece os ajustes.
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Muito interessante. Indiquei para os leitores do Fórum do site http://www.escrevaseulivro.com.br, no tópico “Diálogos: como escrevê-los”.
Obrigada! 🙂
Olá Zulmira,
Obrigada pela leitura e muito, muito obrigada pela indicação.
Abraços e boas leituras! 🙂
Muito bom o post, me fez refletir muito sobre meus diálogos.
De todos o que mais me chamou a atenção foi o item 7, estou revendo todos os diálogos do meu novo livro agora mesmo!
http://www.sinaisestranhos.com.br
Olá Daniel
Obrigada pela visita. Que bom que o texto foi útil 🙂
Abraços e boas leituras!
Excelente!
Sempre tive dificuldades para escrever diálogos.
Muito grato!
Olá Alan
Que bom que o post foi útil. Obrigada pela visita!
Abraços e boas leituras 🙂