»» versão do artigo “Why is it so hard to write a decent ending?”, escrito por Charlie Jean Anders, publicado em 22/01/2014 no io9 ««

Finais definem histórias. Um grande final por fazer com que tudo o que veio antes pareça grande retroativamente. Um final fraco pode arruinar tudo. Mas por que eles têm de ser tão difíceis de escrever? E existe algum truque para elaborar um final forte que não envolva angústia sem fim?

Em uma palavra, não. Não mesmo.

Escrevi mais de 150 contos e nunca houve sequer um cujo final não me deixasse maluca. Inícios são difíceis também – algumas vezes é preciso repensar um início cinco ou seis vezes até parar de achar que é perda de tempo. Mas por algum motivo, finais são muito, muito mais difíceis que inícios. Frequentemente me pego apagando uma dúzia de vezes 15 parágrafos do final de uma história, tentando encontrar um jeito de deixá-lo minimamente aceitável.

io9 - final decente

Há algumas noites, basicamente fiquei acordada a noite toda, tentando achar uma maneira de fazer a revelação do final funcionar dramaticamente, além de fazer sentido. Eu sabia o que devia acontecer e o que o protagonista precisava descobrir – mas a sequência desses eventos era importante assim como a forma como ocorreriam.

Pela manhã, tive uma ideia brilhante para terminar a história – que se revelou uma porcaria, depois de eu ter tomado algumas xícaras de café e pensado um pouco mais a respeito.

Dê uma olhada na linguagem que usamos para falar sobre os finais. Ninguém acusa o início de uma história de ser uma “fuga à responsabilidade”, ou uma “trapaça” ou ser “falho”. Inícios não devem nada a ninguém ou nem precisam explicar tudo. O início de uma história nos prende e nos faz várias promessas – então o final deve cumprir essas promessas. E não é nenhuma surpresa que fazer promessas seja muito mais fácil que cumpri-las.

Esperamos muito dos finais – e temos todo o direito.

Então, não há bala de prata salvadora para construir o final mais incrível – que não seja a bala que irá matar todos os seus personagens, permitindo que você termine sua história com “E então todos morreram. Fim.” – mas tserá que existem alguns jeitos de consertar um final que se recusa a ficar consistente?

Aqui estão algumas coisas que têm dado certo para mim e para outros escritores que conheço:

Rasgue tudo e deixe seus sonhos morrerem

Você pode ter pensado em como acabar desde o início – mas ainda assim pode não funcionar. Na verdade, seu problema pode ser o fato de você ter “casado” com um final que parecia mesmo perfeito e legal enquanto esquematizava a história. E agora que você efetivamente escreveu a maldita coisa, de repente seu final perfeito está todo errado.

Como eu disse antes, frequentemente reescrevo uma dúzia de vezes o final de uma história. E ter um final pré-planejada não elimina essa etapa do processo. Geralmente, mesmo que me apegue ao final que tinha em mente inicialmente, preciso encontrar um caminho para chegar lá de um jeito que faça sentido.

Independente de toda a logística para controlar os pontos de viradas enquanto a história é escrita, seus personagens acabarão sendo mais complicados e idiossincráticos, isto é, eles não necessariamente seguirão o caminho traçado por você quando começou a escrever.

Assim, na maioria das vezes, o primeiro passo é deixar de lado a ideia de que você já tinha o final adequado e se empenhar no terrível processo de reimaginar a conclusão da história até que você um daqueles clicks. Então abra um novo documento no Word e tente escrever um novo final sem referência com o que você tinha escrito antes.

Simplifique e corte

Você pode ter uma subtrama sobrando que deve ser concluída nos seus doze parágrafos finais. Você deve ter algumas temáticas ou ideias que são na verdade alheias à história mas a que você se apegou durante a escrita e você quer que essas coisas sejam resolvidas na sua conclusão. Você pode ter levantado algumas questões num trecho anterior da história, por ter achado que eram interessantes, e agora tem de encaixar as respostas em algum lugar.

Muitas vezes, quando o final não encaixa é por que o restante da história está empolado ou atualhado demais – e a chave para consertar o final é voltar e aparar os dois primeiros atos. Ou identificar que coisas são realmente importantes e merecem permanecer e quais vocês pode deixar de fora.

Pense a respeito do que aconteceria de verdade nessa situação
Frequentemente, se seu final não está funcionando é por não ser realista – seja conceitualmente, seja pelo modo como os personagens foram construídos. Obviamente, é apenas uma história, mas a chave para o final “certo” muitas vezes é sentar e imaginar o que realmente aconteceria numa situação assim.

Não o que tornaria seu final interessante ou que recompensasse todo o desenvolvimento da história. O que realmente aconteceria, na vida real.

Algumas vezes isso dá uma arejada na sua incrível fantasia escapista, que no caso pode não ajudar muito. Mas algumas vezes, dar um passo atrás e imaginar como isso funcionaria na vida real, pode ser instrutivo. Como as pessoas realmente reagiriam se tudo ruísse de uma vez só? O que as pessoas pensariam numa situação dessas?

Quanto mais você conseguir se aproximar de um evento real, que acontece de verdade com as pessoas nas ruas da sua cidade, mais verossímil ficará. Mas também pode acontecer de você encontrar um modo surpreendente para seus personagens reagirem e lidarem com os problemas – porque nada é mais surpreendente que a realidade.

Mergulhe fundo na mente de seus personagens

Quando você delineia sua história – se você a delinear antes, o que não é obrigatório – você pensa nela como uma entidade única, uma bolha que você elabora com alguns personagens e cenários dentro. Mas agora que você já escreveu, seus personagens são mais reais. E, assim como foi dito no item anterior, tente imaginar como eles se comportariam de verdade.

Faça disso um exercício para solucionar os problemas que você definiu para seus personagens. Eles devem impedir o Príncipe Elfo de colocar as mãos na lira mágica que transforma a atmosfera em fumaça de fada. Ótimo. Você lhes deu um desafio, e providenciou uma série de obstáculos, mas também um conjunto de ferramentas.

Em vez de pensar numa solução e impelir os personagens para ela, tente imaginar como eles realmente resolveriam o problema que você criou. Ponha-se no lugar deles um pouco, e tente pensar num jeito para impedir o Príncipe Elfo de tocar sua lira amaldiçoada.

Muitas vezes, um final fraco é um sintoma da falta de compreensão sobre o que os personagens estão passando e como eles lidariam com a situação. Você deve voltar e pensar como essas pessoas são de verdade, e o que as move.

Releia seu início

O conflito que você planejou no início é, com poucas execeções, o que vocês está tentando resolver no final. Especialmente num conto. Se você está empacado no final, talvez seja a hora de se lembrar das promessas e perguntas feitas quando você começaou.

Como seu final seria se fosse seu início, ao contrário?

Antecipe parte da resolução

Talvez você tenha um personagem que precise resolver algum problema emocional ou psicológico e também resolver uma crise na trama. O ideal seria que as duas coisas acontecessem ao mesmo tempo, com seu herói tendo uma epifania emocional e derrotando os alienígenas num único clímax grandioso.

Mas epifanias são complicadas e demandam tempo e energia, e é difícil ter uma epifania enquanto você está explodindo uma espaçonave alienígena. Então às vezes você tem de antecipar uma parte da resolução da sua história, assim a epifania acontece primeiro e seu herói, liberado recentemente do peso emocional, agora pode explodir a espaçonave alienígena.

Ou faça do outro jeito – o herói explode a espaçonave e então repara que aprendeu algo.

Isso também vale para revelações na trama. Às vezes, você tem de balancear as grandes revelações. Desse modo, a revelação que você queria fazer no final da história acaba acontecendo mais próximo da metade. Talvez a gente descubra na metade da história que aquele engenheiro-chefe é um espião alienígena, em vez de descobrir isso durante a batalha final, porque é fácil ficar confuso. Principalmente em contos, onde é preferível que a resolução ocorra num punhado de parágrados na maioria dos casos.

Pense no que a história significa para você

Você não pode dizer a seus leitores o que a história deveria significar para ele – mas você pode saber o que significa para você, e permitir que esse conhecimento o guie. Isso faz parte daquele plano de escrever um rascunho “sincero”. O final certo é muitas vezes aquele que é mais significativo em termos de temas e ideias gerais da história, na sua mente.

Para mim isso é a dica número um – se eu estiver empacada, preciso voltar e me perguntar antes de mais nada por que eu estava esta história e o que eu queria explorar nela. Que partes da minha própria vida ou do mundo ao redor, ou outras ideias. E quanto mais claro ficar o conhecimento sobre quais são as questões pessoais ou de maior dimensão, mais perto eu fico de respondê-las satisfatoriamente, de modo pessoal.

E com certeza é a chave – você nunca consegue criar o final “perfeito”, ou um final que seguramente agrade a todos, em todo lugar. Mas você pode saber com uma boa margem de acerto que criou um final que funciona para você e que conclui a história que você se propôs a contar. E na maior parte das vezes, é o final que fará com que as pessoas sintam que foram fisgadas também.

io9 - final decente

Cristine Tellier
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