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O clube do suicídio
Robert Louis Stevenson

Este livro, que é uma coleção de contos e novelas, não constava da minha lista de desejos. Aliás, admito que não sabia de sua existência. Conheci-o ao ver um post divulgando o Clube de Prosa Cosac Naify, cujo tema seria esta obra. Como para um leitor compulsivo qualquer motivo é um bom motivo para incluir mais um livro na coleção, obviamente minha reação foi ligar para a Cultura e reservar o item. Quanto ao clube, achei que, tendo lido um dos contos – o mais famoso, O estranho caso de Dr.Jekyll e Mr.Hyde – e iniciando a leitura daquele que dá nome do livro seria o bastante para não parecer um peixe fora d’água. E, a fim de mergulhar logo nas estórias, “pulei” a introdução, o que se mostrou ter sido uma decisão acertada pois, conforme comentou a mediadora do clube, a introdução contém alguns spoilers.

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A coletânea é composta por:

  • O clube do suicídio
  • O estranho caso de Dr.Jekyll e Mr.Hyde
  • Markheim
  • O demônio da garrafa
  • O ladrão de cadáveres
  • O vestíbulo


O texto que dá título ao livro é, na verdade, uma novela composta por três contos, interligados entre si. O elo entre eles é a dupla de personagens central, o príncipe Florizel e seu “fiel escudeiro” Mr.Geraldine. Na primeira estória, a dupla é apresentada ao clube do suicídio. Trata-se de um clube de cavalheiros cujo interesse comum é, logicamente, o suicídio. Pois, apesar de terem decidido dar cabo da própria vida, não têm coragem suficiente para fazê-lo. Todas as noites, é feito um sorteio – utilizando-se um baralho – a fim de escolher quem será a vítima e o algoz daquela data. O presidente do clube engarrega-se dos detalhes a fim de que o “evento” não pareça um ato criminoso. As outras duas estórias são decorrentes desta.

O estranho caso de Dr.Jekyll e Mr.Hyde dispensa apresentações. Apesar de que, conforme orienta Nabokov no ensaio que está no apêndice, “por favor, trate completamente de esquecer, deslembrar, apagar, desaprender, jogar no lixo qualquer noção que você possa ter de que Jekyll e Hyde seja uma espécie de história ou filme de mistério ou de detetive.” Pensar nisso ao ler é essencial, pois a trama é muito mais do que o imaginário coletivo conhece dela. Já comentei sobre ele neste post.

Em Markheim, um jovem entra numa loja de penhores e, depois da ocorrência de um evento inesperado (aparentemente), a trama deriva para algo semelhante a Crime e castigo.

O demônio da garrafa é uma variante da conhecida estória do gênio da lâmpada, com a diferença que não há limite para o número de pedidos e que o dono da garrafa não pode ser livra dela a não ser que a venda.

O ladrão de cadáveres, talvez a mais sombria e mórbida de todas, conta em flashback a estória de um médico que, em sua época de estudante, junto com um colega, prestava serviços a um doutor, Sr.K, famoso por técnicas de dissecação por ele desenvolvidas.

E O vestíbulo, o conto mais curto – e talvez o mais fraco -, narra o ódio de um nobre por outro e a maneira inventiva que o primeiro encontra para se livrar do segundo.

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Conheci a obra de Stevenson lendo A ilha do tesouro, que mais tarde aprendi ter sido escrito para entretenimento do enteado do autor. Parafraseando o locutor que anuncia os filmes da Sessão da Tarde, é sobre “uma turminha do barulho, encarando grandes aventuras”. Clássico da literatura infanto-juvenil, é uma aventura deliciosa com direito a mapa do tesouro, piratas, motim, cozinheiro de uma perna só e que teve inúmeras adaptações em outras mídias – cinema, teatro, HQ. E, ao ler O estranho caso de Dr.Jekyll e Mr.Hyde, surpreendi-me ao descobrir que era do mesmo autor pois, exceto pela qualidade do texto, não há nada em comum nas estórias.

Aproveitando a deixa, acredito que um dos méritos de O clube do suicídio é, além de confirmar Stevenson como um autor essencial, demonstrar sua versatilidade ao transitar com naturalidade entre vários estilos narrativos, indo desde a aventura detetivesca até o terror psicológico, passando pelo suspense e pelo realismo fantástico. E há algo mais em sua prosa que notei enquanto completava a leitura. Por ter participado do clube, pude ouvir o resumo das estórias feitos pelos demais participantes. E constatei, enquanto lia, o imenso poder de sugestão de Stevenson. Apesar de seu texto ser bastante descritivo em muitos trechos – o que dá a impressão de excesso de detalhes -, ao mesmo tempo ele deixa muito a cargo do leitor, às vezes explicitamente, mas na maioria das vezes nem tanto. Muitos dos detalhes narrados pelos leitores no clube não estavam escritos, eram apenas sutilmente sugeridos.

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Robert Louis Stevenson
Outro detalhe comum a todos os textos é a condução do leitor. O texto de Stevenson flui de tal maneira que é difícil interromper a leitura. Não me refiro a cliffhangers presentes ao final de uma cena ou capítulo, recurso extensamente utilizado na maioria dos livros policiais. Stevenson conduz a trama de modo a envolver o leitor, despertando seu interesse no destino dos personagens e no desenlace das situações. Por várias vezes, iniciava a leitura disposta a ler 4 ou 5 páginas e quando me dava conta já estava chegando ao final da estória.

Estes são, no meu entender, os pontos fortes das narrativas. E não é por ser um clássico que eu deva ter obrigação de achar tudo “lindo e maravilhoso”. Na minha modesta opinião, há um ponto fraco em três contos: o final. Por razões diversas, os desfechos das estórias não me agradaram. Em Markheim, esperava uma solução menos trivial, mais dramática; algo que seguisse o clima fantástico do conto. Em O demônio na garrafa, o final poderia ser menos simplista, menos previsível; enfim, menos preguiçoso. E em O vestíbulo, tem-se a nítida impressão de que não há um final. O conto termina tão abruptamente que é inevitável o leitor se perguntar: “Ué! já acabou?!”. Talvez alguns leitores também não gostem muito do final “em aberto” de O ladrão de cadáveres pois, apesar de ter uma conclusão bem surpreendente, muitas questões são deixadas sem explicação. Eu gostei, achei que deixar as suposições e hipóteses para o leitor tinha tudo a ver com o desenrolar da trama.

Essa edição da Cosac Naify é bastante caprichada, incluindo, além dos textos de Stevenson, dois ensaios comentando sobre sua obra – um de Henry James e outro de Vladimir Nabokov – , que também valem ser lidos.

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Cristine Tellier
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