ceu nublado

equipamento - motoPuuuuuutaquep….!!!!
Não consegui terminar o xingamento antes de aterrisar no asfalto. O motivo do palavrão? Bem, acredito que seja a única reação possível naquele átimo de segundo quando se percebe que a colisão e, consequentemente, a queda são inevitáveis. E creio também que aqueles 2 ou 3 segundos entre a colisão e a aterrissagem permanecerão apagados da minha memória durante algum tempo. Num instante, o pára-choque do carro estava vindo na direção da moto e, no instante seguinte, lá estou eu pelos ares tentando, nessa fração de segundo, lembrar de relaxar o corpo para minimizar o efeito da queda. Graças a isso e ao fato de eu estar usando o vestuário adequado, as consequências foram as menos graves possíveis, em vista do ocorrido. Depois da queda, primeiro impulso: livrar-me do capacete. As mãos enluvadas dificultaram um pouco a ação, mas um bom samaritano soltou a fivela e vi-me livre do trambolho. O mesmo bom samaritano, catou meus óculos do chão e ajudou a remover as luvas. Vejo pelo canto do olho, pessoas levantando a moto. Hora do inventário. Meu. Da moto, fica pra depois. Continuo pensando. Sei o que aconteceu. Estou enxergando. Estou ouvindo. Consigo compreender o que ouço e responder coerentemente. Movo a cabeça lentamente de lado a lado.Tudo ok. Mexo os dedos da mão. Ok também. Até agora, exceto pelo torcicolo inevitável, está tudo em ordem. Passo a mão pelo rosto. Nenhum corte. Apalpo meus braços. Nenhuma dor. Sem dor também no torso. Muito bom. Próximo item: pernas. A direita está indolor. Dobro a perna e está tudo bem. Sinto a esquerda doendo e ardendo, como se tivesse esfregado a pele no carpete. Sob o protesto dos que me rodeiam, levanto a cabeça. Ergo-me o suficiente para constatar que a calça está intacta, me deixando mais tranquila. Mexo os dedos dos pés. Em ordem também, exceto pela dor latejante na parte superior do pé esquerdo, logo acima dos dedos. Mas, aparentemente, nada quebrado. Tento dobrar o joelho e, apesar da dor difusa, obtenho sucesso. Estava começando a me mover para o lado, quando alguém se debruça e pergunta se posso me mover para o lado a fim de não ficar parcialmente dentro de uma pequena poça d’água. Faço isso e aproveito para me sentar, a despeito dos protestos de alguns dos presentes. Estava incômodo demais ficar ali deitada no chão, mirando o céu nublado. Sento-me, torcendo para não sentir tontura ou náusea. E nada acontece. Nenhuma dor, além das que já estava sentindo. Aproveito a posição, mexo os pés novamente e os dedos dentro do sapato. “Nada quebrado”, penso aliviada, “mas tinha de ser justamente esse pé?”. Quando batemos a cabeça, nasce um galo… e na perna, nasce o quê? Todo mundo que passa, pergunta se estou bem. Sim, sim, tudo bem. Sente tontura? Não, já disse que não. Onde dói? Só a perna e o pé. Quem me conhece, sabe. Responder N vezes a mesma pergunta me deixa irritada. E eu já estava ficando. Bom sinal, agora tinha certeza de que estava de posse de todas as minhas faculdades mentais. Terminado o inventário corporal, hora de verificar os demais estragos. Começo a apalpar os bolsos da calça, para verificar se caiu algo. Tudo em seu lugar. No bolso direito, chaves de casa, dinheiro, card guard – é.. eu estava indo para um torneio de poker. No bolso esquerdo, o celular. Momento de suspense. Saco o aparelho do bolso e constato que continua funcionando – um prejuízo a menos. Olho para o lado, para a moto estacionada. Aparentemente, o saldo da colisão foi apenas a pedaleira quebrada e alavanca de câmbio entortada. “Não acredito que o manete do freio não entortou desta vez”. Enquanto esperava, ergui a perna esquerda da calça para ver o tamanho do estrago. O local da pancada estava inchando e localizei um arranhão logo abaixo do joelho. Estava explicada a ardência. Continuava esperando. Uma mulher passou de carro berrando “Ela tem de ficar deitada! Ela tem de ficar deitada!”. Deu vontade de berrar de volta: “Você é médica? Se for, estaciona essa m.. de carro e vem aqui ajudar”. Fiquei longos minutos ali sentada, aguardando o resgate. Eu estava me sentindo bem, mas não custava nada alguém treinado dar uma olhada. “Que saco! não aguento mais ficar aqui…”, pensei. Pedi para me ajudarem a levantar e ir sentar na calçada. Mas a lei de Murphy não falha. Estava me levantando quando o resgate chegou. Sentei no asfalto de novo. Os bombeiros me questionaram, perguntando tudo de novo – de novo porque eu já tinha me feito todas essas perguntas. Finalmente, um dos bombeiros pergunta “Consegue ficar em pé?”. “Não tentei ainda, mas acho que sim.” Com auxílio de um deles, levanto. Por instinto, coloco o peso do corpo no pé direito. Mas quando percebo que consigo me manter em pé sem ficar tonta, divido o peso nos dois pés. E, por fim, coloco todo o peso no pé esquerdo. Tentativa bem sucedida. Arrisco uns passos e tudo parece “funcionar”. E logo me pego pensando: “PQP, vou ter de ficar uns dias sem treinar.” Corredor é mesmo uma raça à parte.

ceu nublado

Cristine Tellier
Últimos posts por Cristine Tellier (exibir todos)
Send to Kindle

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *