»» versão do artigo “Stephen King’s “Everything You Need to Know About Writing Successfully – in Ten Minutes””, publicado em 25/02/2015 no Aerogramme Writers’s Studio ««

Stephen King fala tudo o que você precisa saber sobre escrita bem-sucedida – em 10 minutos

I. Primeira introdução

É ISSO MESMO. Eu sei que parece um anúncio de um desprezível curso de escrita, mas eu vou mesmo falar tudo o que você precisa para seguir numa carreira de sucesso e financeiramente compesadora como autor de ficção. E vou fazer isso mesmo em 10 minutos, que foi exatamente o tempo que levei para aprender. Na verdade, você vai gastar por volta de 20 minutos lendo este artigo, porque tenho de te contar uma história e então tenho de escrever outra introdução. Mas argumento que isso não deve entrar na contagem dos 10 minutos.

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II. A história ou Como Stephen King aprendeu a escrever

Quando eu era segundoanista, fiz uma coisa de segundoanista que me deixou em maus lençóis, como segundoanistas frequentemente fazem. Escrevi e publiquei um jornalzinho satírico chamado The Village Vomit. Nesse jornalzinho, critiquei abertamente alguns professores da Lisbon (Maine) High School, onde eu estudava. Não foram críticas muito gentis; iam do escatológico à completa crueldade.

Depois de um tempo, uma cópia desse jornalzinho caiu nas mãos de um membro do corpo docente e, como eu tinha sido imprudente o bastante para colocar meu nome nele (um defeito, alguns críticos dize, de que ainda não estou interamente curado), fui levado à diretoria. O satirista sofisticado teve de voltar à sua real condição: um garoto de 14 anos que tremia nas bases enquanto se perguntava se receberia uma suspensão… aquilo que chamávamo de “férias de três dias” naqueles dias indistintos de 1964.

Fui suspenso. Fui obrigado a pedir um monte de desculpas – era de se prever, mas ainda assim deixavam um gosto ruim na boca – e a passar uma semana na sala de detenção. E o conselheiro providenciou algo que ele sem dúvida achou que seria uma vazão mais construtiva dos meus talentos. Era um emprego – caso o editor aprovasse – para escrever sobre esportes no Lisbon Enterprise, um jornal semanal de 12 páginas com que todo morador de cidade pequena está familiarizado. Esse editor foi o homem que me ensinou tudo sobre como escrever em 10 minutos. Seu nome era John Gould – não o humorista famoso de New England nem o novelista autor de The Greenleaf Fires, mas um parente de ambos, acredito.

Ele me disse que precisava de um colunista de sportes e que poderíamos “nos experimentar” se eu quisesse.

Eu lhe disse que que sabia mais sobre cálculo avançado do que sobre esportes.

Gould assentiu e disse: “Você vai aprender”.

Eu disse que iria ao menos tentar aprender. Gould me deu uam bobina enorme de papel amarelo e me prometeu um pagamento de meio centavo por palavra. Os dois primeiros textos que escrevi tinham a ver com um jogo de basquete do colégio em que um integrante do time da minha escola quebrou o recorde de pontos da Lisbon High. Um dos textos era pura reportagem. O segundo foi um artigo destacado.

Entreguei-os para Gould no dia seguinte ao jogo, assim ele os teria para o jornal que saía às sextas-feiras. Ele leu tudo, fez duas pequenas correções e os arrematou. Então pegou o artigo e uma caneta preta e me ensinou tudo que eu precisava saber sobre meu rascunho. Queria ter ainda esse texto – merece ser emoldurado, com as correções e tudo – mas consigo me lembrar muito bem como ele ficou depois que terminei. Veja um exemplo:

(antes)

Last night, in the well-loved gymnasium of Lisbon High School, partisans and Jay Hills fans alike were stunned by an athletic performance unequaled in school history: Bob Ransom, known as “Bullet” Bob for both his size and accuracy, scored thirty-seven points. He did it with grace and speed … and he did it with an odd courtesy as well, committing only two personal fouls in his knight-like quest for a record which has eluded Lisbon thinclads since 1953….

(Na noite passada, no amado ginásio da Lisbon High School, partidários e fãs de Jay Hills ficaram impressionados por uma performance atlética inigualável na história da escola: Bob Ransom, conhecido como “Bullet” Bob tanto pelo seu tamanho quando sua acurácia, fez 37 pontos. Fez isso com graça e velocidade… e com uma cortesia singular, cometendo apenas duas faltas na sua cruzada por um recorde que tem escapado dos fundistas da Lisbon desde 1953….)

(depois da edição)

Last night, in the Lisbon High School gymnasium, partisans and Jay Hills fans alike were stunned by an athletic performance unequaled in school history: Bob Ransom scored thirty-seven points. He did it with grace and speed … and he did it with an odd courtesy as well, committing only two personal fouls in his quest for a record which has eluded Lisbon’s basketball team since 1953….

Na noite passada, no ginásio da Lisbon High School, ficaram impressionados por uma performance atlética inigualável na história da escola: Bom Ransom fez 37 pontos. Fez isso com graça e velocidade… e com uma cortesia singular, cometendo apenas duas faltas na sua cruzada por um recorde que tem escapado dos fundistas da Lisbon desde 1953….)

Quando Gould terminou de marcar meu texto da forma que indiquei acima, olhou para cima e deve ter visto algo na minha expressão. Acho que ele deve ter pensado que era horror, mas não: era revelação.

“Só tirei as partes ruins, você sabe” – ele disse. “A maior parte estava boa.”

“Eu sei” – disse, significando duas coisas: sim, a maior parte estava boa e, sim, ele só havia cortado as partes ruins. “Não farei de novo.”

“Se isso for verdade,” – ele disse – “Você nunca precisará trabalhar novamente. Você pode viver disso.” – Então jogou sua cabeça para trás e riu.

E ele estava certo. Estou vivendo disso, e enquanto conseguir, espero não ter de trabalhar novamente.

III. A segunda introdução

Tudo o que vem a seguir já foi dito antes. Se você é interessado em escrita, o bastante para adquirir esta revista, você deve ter ouvido ou lido tudo (ou quase tudo) antes. Milhares de cursos de escrita são ministrados nos EUA todo ano; seminários são organizados; palestrantes convidados discursam, depois respondem perguntas, então tomam tantos gin tônica quanto sua ajuda de custo permitir, e tudo se resumo ao que se segue.

Vou falar tudo de novo porque frequentemente as pessoas só ouvem – realmente ouvem – alguém que já se deu bem fazendo aquilo de que está falando. É triste, mas é a verdade. E eu contei a história acima não para fazer parecer que sou um personagem saído de uma história de Horatio Alger, mas para fazer uma observação: eu vi, eu ouvi e eu aprendi. Até aquele dia no pequeno escritório de John Gould, eu escrevia primeiros rascunhos de histórias com verca de 2500 palavras. Os rascunhos seguintes podiam aumentar para 3300 palavras. Depois daquele dia, meus primeiros rascunhos de 2500 palavras tornavam-se segundos rascunhos com 2200 palavras. E, dois anos depois, vendi o primeiro deles.

Então é isso, com tudo exposto. Vai demorar uns 10 minutos para ler, e você pode aplicar logo em seguida, se me ouvir.

IV. Tudo que você precisa saber sobre ser bem sucedido na escrita

1. Seja talentoso

Este, é claro, é o matador. O que é talento? Posso ouvir alguém gritando, e cá estamos, pronto para entrar em uma discussão sobre “qual é o sentido da vida?” cheia de frases de efeito e totalmente inútil. Para o escritor iniciante, talento tanto pode ser definido como sucesso eventual – publicação e dinheiro. Se você escreveu algo em troca de um cheque, se você depositou o cheque e ele não voltou, e se você pagou a conta de luz com esse dinheiro, eu te considero talentoso. Neste momento, alguns de vocês devem estar berrando. Alguns de vocês agora estão me chamando de mercenário desgraçado insensível. E alguns de vocês estão me xingando. Você está dizendo que Harold Robbins é talentoso? Alguém em algum Departamenteo de Literatura está
gritando. V.C. Andrews? Theodore Dreiser? E você, seu idiota disléxico?

Absurdo. Pior que absurdo, foge ao assunto. Não estamos falando de bom ou ruim. Estou interessando em te falar em como ser publicado, não em julgamentos críticos sobre quem é bom ou ruim. De qualquer forma, por regra, as críticas vêm depois de o cheque ter sido gasto. Tenho minhas opiniões, mas em geral eu as guardo para mim mesmo. Pessoas que são publicadas constantemente e são pagas pelo que escrevem tanto podem ser santos ou pecadores, mas claramente eles estão alcançando um grande número de pessoas que querem o que eles têm. Portanto, eles estão comunicando. Portanto, eles são talentosos. A maior parte da escrita bem-sucedida é ser talentoso e, em termos de marketing, o único escritor ruim é aquele que não é pago. Se você não é talentoso, não vai conseguir. E se você não está conseguindo, deve saber quando desistir. Quando é isso? EU não sei. É diferente para cada autor. Com certeza, não depois de seis cartas de rejeição, nem depois de sessenta. Mas depois de seiscentas? Talvez. Depois de seis mil? Meu amigo, depois de seis mil cortes, está na hora de você tentar pintura ou computação. Além disso, quase todo aspirante a escritor sabe quando está chegando perto – você começa a receber pequenas anotações em suas cartas de rejeição, ou cartas pessoais… talvez até um telefonema compassivo. É solitário lá fora no frio, mas há vozes encorajadoras… a menos que não haja nada em suas palavras que justifique encorajamento. Acho que você deve a si mesmo evitar o máximo possível a auto-ilusão. Se seus olhos estão abertos, você saberá por onde ir – ou quando voltar atrás.

2. Seja caprichoso

Fonte. Espaçamento duplo. Use um bom papel branco, nunca aquela coisa que se desmancha. Se você rabiscou muito seu manuscrito, faça outro rascunho.

3. Tenha autocrítica

Se você não rabiscou muito seu manuscrito, fez um trabalho mais ou menos. Só Deus faz as coisas direito na primeira vez. Não seja um preguiçoso.

4. Remova qualquer palavra irrelevante

Você quer subir num tijolo e pregar? Ok. Pegue um e tente um parque local. Você quer escrever por dinheiro? Seja objetivo. E se você remover todo o excesso de lixo e descobrir que não consegue chegar ao objetivo, rasgue o que escreveu e comece tudo de novo… ou tente outra coisa.

5. Nunca consulte um livro de referência enquanto escreve o primeiro rascunho

Você quer escrever uma história. Bom. Ponha de lado seu dicionário, suas enciclopédias, seu almanaque e seu thesaurus. Melhor ainda, jogue seu thesaurus no cesto de lixo. A única coisa mais assustadora que um thesaurus são aqueles livretos que estudantes com preguiça de ler os romances exigidos compram próximo da data da prova. Qualquer palavra que você precise procurar em um Thesaurus é uma palavra ruim. Não há exceções para essa regra. Você acha que escrever uma palavra errada? Ok, esta é a sua opção: ou olhe no dicionário, tendo assim certeza de estar certo – e, em troca, interrompendo sua linha de raciocínio e o “transe” do escritor – ou apenas escreva como se fala e corrija depois. Por que não? Você achou que chegaria a algum lugar? E se você precisar saber qual a maior cidade do Brasil e percebe que não lembra qual é, por que não escrever Miami ou Cleveland? Você pode conferir – mas depois. Quando você sentar para escrever, escreva. Nâo faça outra coisa, exceto ir ao banheiro, e só se não houver como esperar.

6. Conheça o mercado

Só um idiota enviaria para a McCall’s uma história sobre morcegos vampiros gigantes atacando uma escola (N.T.: McCall’s era uma revista mensal feminina norte-americana, publicada pela McCall Corporation). Só um idiota enviaria para a Playboy uma história terna sobre mãe e filha acertando suas diferenças na véspera de Natal. Mas as pessoas fazer isso o tempo todo. Não estou exagerando: vi essas histórias nas pilhas de descarte de revistas reais. Se você escreve uma boa história, por que enviá-la de forma ignorante? Você enviaria seu filho de bermuda e camiseta para uma tempestade de neve? Se você gosta de ficção científica, leia as revistas. Se você quer escrever histórias confessionais, leia as revistas. E por aí vai. Não é apenas uma questão de saber o que é certo para sua história; você pode começar a entender as cadências, os gostos e aversões editoriais, toda a linha editorial de uma revista. Algumas vezes, sua leitura pode influenciar a próxima história e criar algo vendável.

7. Escreva para entreter

Isso quer dizer que você não pode escrever “ficção séria”? Não. Em algum momento, críticos perniciosos inclutiram no público escritor e leitor norte-americanos a ideia de que ficção de entretenimento e ideias sérias não se sobrepõem. Isso teria sido uma surpresa para Charles Dickens, sem falar de Jane Austen, John Steinbeck, William Faulkner, Bernard Malamud e centenas de outros. Mas suas ideias sérias sempre devem servir á sua história, não o inverso. Eu repito: se você quer pregar, pegue uma caixa de sabão.

8. Pergunte-se frequentemente: “Estou me divertindo?”

A resposta não precisa ser sempre “sim”. Mas se for sempre “não”, é hora de um novo projeto ou uma nova carreira.

9. Como avaliar críticas

Mostre seu texto para algumas pessoas – dez, digamos. Ouça cuidadosamente o que eles te disserem. Sorria e acena bastante a cabeça. Então revise o que foi dito com muito cuidado. Se todas críticas estiverem dizendo a mesma coisa sobre um aspecto da história – um ponto de virada que não funciona, um personagem que parece falso, narrativa afetada, ou meia dúzia de outras possibilidades – altere-o. Não importa se você gostou demais daquela virada ou daquele personagem; se muitas pessoas dizem que há algo errado com seu texto, então há. Se sete ou oito baterem na mesma tecla, eu ainda assim alteraria. Mas se todos – ou quase todos – estiverem criticando coisas diferentes, você pode descartar tranquilamente tudo o que disseram.

10. Obedeça a todas as regras para submissão de originais

Retorno de postagem, envelope autoendereçado, tudo isso.

11. Um agente? Esqueça. Por enquanto

Agentes recebem 10% do dinheiro de seus clientes. Dez por cento de nada é nada. Agentes também precisa pagar o aluguel. Escritores iniciantes não contribuem com isso ou com qualquer outra necessidade vital. Espalhe sua história por aí. Se escreveu um romance, envie mensagens a editores, um por um, e dê seguimento enviando alguns capítulos ou o manuscrito completo. E lembre-se da Primeira Regra de Stephen King sobre Escritores e Agentes, aprendida por amarga experiência própria: você não precisa de um até que esteja fazendo dinheiro suficiente para ser roubado – e se você estiver lucrando tanto assim, será capaz de escolher entre bons agentes.

12. Se for ruim, mate

Quando se trata de pessoas, matar por misericórdia é contra a lei. Quando se trata de ficção, é a lei.

Isso é tudo que você precisa saber. E, se você obedecer, você pode escrever tudo e qualquer coisa que você queira. Agora, acho que vou te desejar um dia agradável e terminar a transmissão.

Meus dez minutos acabaram.

Cristine Tellier
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