mantenha a simplicidade

»» versão do artigo “Keep it simple: keys to realistic dialogue (part I)”, escrito por Eleanore D. Trupkiewicz, publicado em 26/06/2014 no Writer’s Digest ««

Mantenha a simplicidade: dicas para diálogos realistas (parte I)

Se o diabo está nos detalhes, significa que, para escritores de ficção, o diálogo é um dos elementos mais demoníacos de uma estória ou novela. Só de pensar a respeito, tenho vontade de fechar meu laptop e escolher outra carreira. Algo menos exigente, como dedicar o resto da vida à busca do Graal.

Pense a respeito. Não poderia haver escolha de carreira mais frustrante.

Por outro lado, sem diálogos para quebrar a monotonia, as histórias ficam prolixas e sem brilho. Parágrafo após parágrafo com descrições ou acontecimentos costumam deixar o leitor entediado, a ponto de jogar o livro contra a parede e declarar moratória de qualquer leitura futura.

O que é a sentença de morte para os autores.

Como alternativa, o objetivo é envolver o leitor de modo que ele/ela sequer cogite a possibilidade de deixa o livro de lado.

mantenha a simplicidade

Aqui está um guia rápido de referência para escrever diálogos eficientes na ficção.

PROBLEMA: E quanto às frases completas?

Quando fecho os olhos, posso visualizar minha professora de Inglês do 2o. grau, com sua saia preta engomada e blusa estampada, enfatizando a importância de “sempre escrever frases completas”.

Qualquer estudante que almeje um boletim exemplar toma isso ao pé da letra. Comecei a escrever contos em que a conversa entre os personagens era algo assim:
— Bom dia, James. É bom te ver de novo.
— Obrigado, Lisa, bom te ver também. Como tem passado?
— Tenho estado muito bem ultimamente, obrigada, e você?

(Bocejo.)

Quem fala desse jeito?
A menos que você esteja escrevendo um diálogo de frases completas para um personagem da sua história, para talvez enfatizar uma diferença cultural ou uma educação de alto nível, poucas pessoas falam assim de verdade. O que funcionou para Jane Austen em Orgulho e preconceito não funciona para os leitores atuais.
E agora?
Vou contar um segredo. Você vai ter de desapontar sua professora.

Faça um teste. Vá a um local público e fique escutando. Ajuda se você não fizer isso explicitamente, mas ouça o fluxo das conversas ao seu redor. É provável que escute fragmentos:
— Ei, cara.
— Não.
— Cala a boca.
— Dá o fora.
— Grávida? Julie?
— Não posso, não, eu não sinto.

Nenhuma dessas frases está completa pelos padrões gramaticais. Onde estão os sujeitos e os predicados? Você pode estruturar esses exemplos?
Certamente. São palavras e frases, e é isso que as pessoas geralmente usam numa conversa.

Não é crime usar uma frase completa — Sai de perto de mim, Jim, antes que eu chame a polícia — mas não há muitas oportunidades assim. O diálogo vai fluir e ser lido com mais naturalidade se você se habituar a escrever da forma que você ouve as pessoas falando à sua volta.

typewriter

PROBLEMA: Pontuando diálogos

Pontos, vírgulas, reticências, aspas, tigres, ursos… você entendeu.
Não entre em pânico. Pontuar diálogos não precisa ser complicado, e seu editor e leitor crítico agradecerão pelo esforço extra.

Aqui está o que você precisa saber sobre a pontuação mais comum em diálogos:
(N.T.: Diferente do português, em que se usa o travessão para indicar a fala do personagem, em inglês, são utilizadas aspas. As dicas abaixo referem-se a essa prática.)

  • Quando o diálogo termina em ponto, ponto de interrogação ou de exclamação, a pontuação fica dentro das aspas:
    “Sam veio te ver.”
    “Vem para casa comigo?”
    “Eu te odeio!”
  • Quando há um inciso antes da frase, separado por vírgula, a vírgula vem logo após o inciso e a pontuação da frase fica dentro das aspas no fim do diálogo:
    Mamãe disse, “Sam veio te ver.”
  • Quando há um inciso depois da frase, separado por vírgula, a vírgula fica dentro das aspas:
    “Ela veio para casa comigo,” Will disse.
  • Quando estiver pontuando um diálogo com vírgulas e houver um inciso usando pronome, a vírgula fica dentro das aspas e o pronome inicia com mínúscula:
    “Eu te odeio,” ela disse.
  • Com frases hesitantes, como se o falante estivesse distraído, use reticências dentro das aspas:
    “Eu simplesmente não sei…” Jenny disse.
  • Quando a frase é interrompida abruptamentem, use um travessão dentro das aspas:
    “Bem, eu não penso —”
    “Porque você nunca pensa!”
  • Para incisos que dividem uma linha de diálogo, use vírgulas ou travessões:
    “E então eu percebi,” Jane disse com um suspiro, “que ele mentiu para mim.”
    “Sem o antídoto”—Matt balançou a cabeça —”Não acho que podemos salvá-lo.”
  • Quando o falante começa a dizer uma coisa e muda sua intenção para dizer outra coisa, use o travessão:
    “Eu não quero —digo, eu não vou machucá-la.”

Repare que ponto-e-vírgula e dois pontos são usados raramente na ficção contemporânea. Tendem a parecer acadêmicos demais e, se você usar demais um ou outro, corre o risco de relembrar o leitor que ele está lendo uma história. Tente não fazer nada que quebre aquela quarta parede e que chame atenção para a estrutura da história em si.

Cristine Tellier
Últimos posts por Cristine Tellier (exibir todos)
Send to Kindle

One Reply to “Mantenha a simplicidade”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *