»» versão do artigo “5 tips for writing historical fiction”, escrito por Victoria Patterson, publicado em 11/04/2014 no Writer’s Digest ««

The Peerless Four (N.T.: sem tradução no Brasil), baseado nos eventos que precederam a primeira participação olímpica feminina, nos jogos de 1928 em Amsterdam, em caráter experimental nas provas de atletismo, foi um distanciamento dos meus escritos anteriores – Drift e This vacant paradise – ambos ambientados no século XX, no meu território doméstico ficcional, Newport Beach, California.

E isto foi o que aprendi escrevendo ficção histórica.

ficção histórica

1. Tente não questionar o quanto deve estar baseado em história e fatos e o quanto deve ser ficção

Eu logo percebi que esse questionamento não ajuda.

Isso me lembra meus colegas de classe nas aulas de Inglês do colegial, levantando a mão durante nossos exercícios de escrita livre e fluxo de consciência e perguntando ao professor: Mas que tamanho você quer que tenha? Quantos parágrafos? O que você quer dizer com ‘escreva o que eu quiser’? O que você quer que eu escreva?

Essas perguntas conseguem drenar o esforço que envolve a misteriosa alquimia da criatividade, seu propósito original.

2. Isso não quer dizer que você não tem de pesquisar. Pesquise!

Gastei cerca de um ano lendo e pesquisando, descobrindo qual a abordagem da minha novela.

Quando tive todos os fatos em mãos, tive de considerar como apresentá-los de modo a servir à história.

Mas considerei seriamente o conselho de Robert Penn Warren, em sua entrevista à Paris Review:

Quando você tenta escrever um livro, mesmo uma ficção objetiva, você deve escrever de dentro, não de fora – de dentro de você. Você tem de descobrir o que existe ali. Você não pode prever – apenas desencave e torça para ter algo que vale a pena desencavar… você não escolhe a história, a história escolhe você. De alguma forma você se une à história, você fica presa a ela. Com certeza, há algum motivo que te atraiu, e você está escrevendo e tentando encontrar esse motivo… Eu posso sempre olhar para trás e lembrar o exato momento em que encontrei a semente de qualquer história que eu escreva – um lampejo evidente.

3. Reconheça sua centelha e deixe que ela te guie para onde quiser

Para mim, o instante de inspiração aconteceu lendo uma tirinha de David Collier sobre a atleta canadense de salto em altura Ethel Catherwood. Não conseguia parar de pensar nela, e então comecei a ler sobre suas companheiras no time olímpico. Então comecei a pensar sobre histórias sobre esportes, e esportes, e mulheres atletas, e ler mais. Mantive em mente a advertência de Daniel Orozco sobre evitar o que ele chamou de “arrebatamento de pesquisa”, em um texto no Story Prize (N.T.: prêmio literário existente desde 2004), onde afirma que “alguns permanecem nos prazeres da pesquisa histórica a fim de adiar a escrita da história em si”.

Mas ao mesmo tempo permito que meus interesses movam-se sem destino.

1928-olympic-games

4. Tente recriar vida e significado de modo a recuperar a experiência, seja histórica ou não

Escrevendo ficção histórica, o escritor usa ou evita os acontecimentos reais dependendo do que eles irão acrescentar à narrativa.

A vida, por mais que tentemos programar, ritualizar ou controlar, continua sendo misteriosa, e muito disso se deve ao mistério sobre o futuro. Na ficção histórica, precisamos de uma certa margem de manobra para manter o futuro desconhecido e misterior; por outro lado, o objetivo é similar: tomar posse dos acontecimentos e fazê-los acontecer novamente, de modo que um leitor envolvido esqueça estar lendo, mas se sinta como testemunha da experiência em si.

5. Tente dar à sua pesquisa a atmosfera de uma caminhada meditativa ao anoitecer

Robert Penn Warren, em sua entrevista ao Paris review, também afirma:

Você enxerga o mundo o melhor que pode, e os acontecimentos e livros que são interessantes para você deveriam te interessar porque você é um ser humano, não porque você está tentando ser um escritor. Então essas coisas devem ser úteis para você como escritor mais tarde. Não acredito em uma abordagem esquemática do material. O negócio de pesquisa para um livro me parece algum tipo de obscenidade. O que quero dizer é: fazer pesquisa para um livro no sentido de tentar encontrar um livro para escrever. Uma vez que você esteja envolvido no assunto, tenha tido uma ideia, você pode ou não querer fazer alguma investigação. Mas você deve fazê-lo com o mesmo espírito que você teria ao fazer uma caminhada ao anoitecer para pensar nas coisas.

Há uma sensação de euforia ao pensar na pesquisa como algo similar a uma caminhada meditativa ao anoitecer.

Não apenas li, mas assisti filmes sobre esportes e programas de televisão, piegas ou não, e documentários. Nada estava fora dos limites, fosse Friday Night Lights (livro, série de tv e filme), Personal Best ou uma biografia de John McEnroe. Depois de ler alguns livros sobre corrida, comecei, para minha surpresa, a dar uma corrida no final da tarde.

Pensei muito a respeito de corrida enquanto me exercitava, e finalmente a narradora da minha novela, Mel, apareceu em minha mente. Uma corredora veterana afastada do esportes por ordens médicas, que agora acompanha o time olímpico feminino.

Com sua perspectiva melancólica e penetrante, Mel me apontou o caminho, alguém de dentro e alguém de fora. Eu a vi primeiro ao olhar fotografias antigas dos times olímpicos femininos, e ao perceber, sempre ao largo, uma acompanhante ao lado das atletas, não indicada nas legendas.

“Essa é minha narradora”, pensei, encarando a mulher anônima.

Em certo momento, percebi que pesquisa estava concluída. Eu estava preenchida – chega de pensamentos, ideias e perguntas – e estava na hora de dar sentido a tudo aquilo.

the peerless fourA melhor ficção, seja histórica ou não, produz um encantamento em que os personagens vivem. Isso demanda uma combinação de instinto e habilidade, e uma concentração focada em avaliar e apresentar complexidade.

Meus personagens em The Peerless Four se tornaram tão reais para mim que agora tenho dificuldades para diferenciar os “reais” dos ficcionais. O que eu inventei? O que aconteceu realmente? Já não tenho mais certeza.

Sei de alguns fatos – por exemplo, que o lançamento de dardo não fazia parte das provas permitidas às mulheres em 1928. Mas para meus propósitos, incluí o lançamento de dardo mesmo assim. Porém os personagens e o que aconteceu não têm um contorno nítido. Eu inventei isso? Ou aconteceu mesmo do jeito que eu escrevi? Meus personagens ficcionais se misturam na minha mente com seus colegas da vida real.

Vejo isso como um bom sinal. Faz-me lembrar do poder da imaginação do escritor, e da realidade que pode ser criada por um artista; e estranhamente, do médico de Balzac, Dr. Bianchon, que Balzac inventou para sua Comédia. No seu leito de morte, foi relatado que Balzac chamou por sua criação ficcional, dizendo: “Apenas Bianchon pode me salvar…”

Cristine Tellier
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2 Replies to “5 dicas para escrever ficção histórica”

  1. Caros,
    Venho sempre aqui desde que conheci esse blog, as dicas são incríveis. E, claro, para meu romance histórico, era tuuuudo o que eu precisava ler para tomar vergonha na cara e escrevê-lo. :b
    obrigada!

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