»» versão do artigo “The Untrue Truth Of ‘Write What You Know’”, escrito por Emma Newman, publicado em 03/11/2015 no Terribleminds ««

Emma Newman é inegavelmente um talento épico, e sua onda está prestes a quebrar na praia com seu livro mais recente, o espantoso Planetfall. Ela quis contribuir e falar sobre um conselho de que ela discorda – o clássico “Escreve sobre o que você conhece”. Então, sem mais delongas:

Se você lê qualquer coisa sobre como escrever, você provavelmente já tropeçou na velha ladainha “escreva sobre o que você conhece”. Sendo alguém refinado e de bom gosto, vendo que você está acessando o blog do Chuck, você provavelmente já chegou à conclusão de que esse conselho é, no máximo, raso e, no mínimo, falso.

Você poderia dizer: “não precisa ser tomado ao pé da letra – ‘o que você conhece’ pode incluir experiências emocionais que podem ser aplicadas a novas situações, não apenas experiências intelectuais”. E você estaria certo. Mas o que quero falar aqui é como abordar a lacuna entre a sua experiência e a de seu personagem.

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Primeiro, o jeito fácil

Vamos tirar isso da frente. Se você quer escrever sobre algo que não conhece, há a boa e velha pesquisa em livros (que pode te levar apenas até certo ponto – principalmente em algumas áreas da ficção científica) e há a conversa com pessoas. Referente a esta última, pode ser difícil encontrar alguém que responda tudo, então possivelmente você precisará falar com várias pessoas. Isso também ajuda a reduzir a probabilidade de informações incorretas e clichês.

E sobre coisas que não existem?

O que você pode ler ou com quem pode falar se o emprego ou a experiência que você quer explorar em sua escrita não existe – seja por ser fantasiosa demais ou por não ter sido inventada ainda? Ou se foi experimentada por pessoas com que você não tem a mínima chance de conversar a respeito?

Isso foi o que aconteceu quando eu estava escrevendo Planetfall. Minha protagonista, Ren, vive em uma colônia que foi fundada em um planeta a milhões de quilômetros da Terra, usando tecnologia que está apenas em seus primórdios no mundo atual. Ela é engenheira de impressoras 3-D e é responsável pela manutenção das impressoras utilizadas na colônia. Ela também é responsável por construir o que os colonizadores precisarem, seja habitação ou equipamento. Impressoras 3-D industriais estão no mercado há alguns anos, mas não são tão sofisticadas quanto as utilizadas em Planetfall, e a tecnologia das impressoras domésticas está décadas adiante do que existe hoje.

Nunca na minha vida eu fui uma engenheira. Tenho um tio que é e conversei com ele sobre as impressoras 3-D que ele usa no trabalho, mas a tecnologia que ele utiliza está bem aquém daquela que eu queria escrever a respeito. O que aprendi com ele, associado à minha própria pesquisa sobre a tecnologia atual de impressão 3-D, me capacitou a tomar decisões sobre como eu acho que essa tecnologia poderia evoluir.

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(foto: http://www.3durak.com/)

Sobre o que realmente estamos falando aqui

Minha maior preocupação era tornar a personagem de Ren parecer plausível como engenheira. Afinal, é com isso que as pessoas estão preocupadas quando estressam o “escreva sobre o que você conhece”. Escrever partindo de experiência pessoal é um jeito fácil de fazer o personagem soar e parecer correto. Ren sofre de um distúrbio de ansiedade que, mesmo não sendo o mesmo que eu enfrento, tem aspectos similares em termos de experiência, então pude usar isso para construir essa faceta dela.

Escrevendo Planetfall, aprendi que fazer Ren plausível como engenheira não era apenas dar atenção ao que ela fala ou faz. Não é apenas a terminologia que ela usa ou o conhecimento que ela tem. Isso é importante, lógico, mas para mim o que mais importava era a forma como ela via o mundo. Tive de encontrar um jeito de convencer o leitor de que ela experimentava o mundo através dos olhos de alguém que pensa como um engenheiro. Esse foi o verdadeiro desafio.

Habilidades transferíveis

Há alguns anos, quando eu estava ocupada estragando minha vida para evitar escrever (isso é uma outra história), eu era designer de moda. Eu tocava meu próprio negócio, principalmente desenhando e fazendo vestidos de gala, vestidos de noiva e roupas de RPG. Fiz isso com conhecimento que adquiri sozinha, então provavelmente eu estava fazendo um monte de coisas erradas, mas durante cerca de dois anos foi como eu ganhei a vida.

Uma das coisas de que me lembro sobre essa época é que meu trabalho altamente especializado mudou minha forma de ver o mundo, em particular, as roupas que as pessoas vestiam. Nunca tinha realmente reparado nisso antes de saber como ajustar roupas corretamente (eu costumava desenhar meus modelos do nada, então o caimento era uma parte crítica do trabalho desde o início), mas quando aprendi, de repente estava vivendo em um mundo onde parecia que 95% dos homens vestiam ternos mal cortados. Eu me via andando pela rua, me esforçando para não correr atrás de desconhecidos e começar a alfinetar suas roupas para que tivessem um caimento apropriado. Isso tornou praticamente impossível o ato de comprar roupas para mim em lojas de rua, já que as coleções com caimento “bom o suficiente” não estavam nem próximo disso.

Outro efeito desse trabalho foi a habilidade de mentalmente “explodir” as roupas em moldes separados das peças de que se constituíam, e ainda mentalmente ter uma ideia de como cortar o molde nos estágios iniciais do desenho. Roupas e sua construção tornaram-se algo técnico e, ao mesmo tempo, estético.

Olhando para trás percebo que aquela época me ajudou a escrever Ren pois me fez considerar com muito cuidado como ser alguém que constroi coisas na colônia afetaria sua forma de ver o mundo. Detalhes importam – detalhes que sequer ocorreriam a qualquer outra pessoa. Detalhes como que material reveste o exterior das construções e como as portas funcionam. Memórias de decisões tomadas no processo de design são tão valiosas quanto o resultado final. Problemas são abordados lógica e sistematicamente, e aqueles que contrariam a lógica são combatidos como coisas desconfortáveis, antinaturais e pouco familiares. Ela percebe quem cria seus próprios objetos e quem apenas usa objetos impressos padronizados – e os julga por isso também.

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Estamos de volta ao “escreva sobre o que você conhece”, não é?

Este é um formato desse conselho, eu acho. Eu sei como é ver o mundo através dos olhos de uma designer, só que minha experiência era em corte-e-costura e não em impressão 3-D e engenharia. Mas foi o suficiente para eu ser capaz de ver o mundo como eu imagino que Ren veria, em contraste com um escritor sentado ao seu computador sonhando com tudo isso. Para mim, fixar-me em experiências o mais próximo possível das dos meus personagens – mesmo que não sejam exatamente a mesma coisa – é a parte mais divertida tanto sobre RPG quanto sobre escrita. Ver e experimentar o mundo como outra pessoa é a coisa que mais me agrada como jogadora de RPG e o que estou sempre me esforçando para tansmitir aos personagens que escrevo.

Então, na próxima vez que você quiser escrever um personagem com um trabalho diferente do seu, e todas as vias de pesquisa estiverem esgotadas ou inexistentes, convido você a tentar achar correspondência entre uma habilidade sua numa área diferente da do seu personagem e usá-la para chegar à mentalidade dele. Na pior das hipóteses, pode ser uma maneira interessante que pensar diferente sobre suas próprias habilidades e definitivamente irá ajudar em sua interpretação no RPG também. Como não amar?


emma-newmanEmma Newman escreve contos e novelas urbanas e de ficção científica. Between Two Thorns, seu primeiro livro da série de fantasia urbana “Split Worlds”, foi indicado às categorias de Melhor Novela e Melhor Autor Iniciante no prêmio BFS. Seu próximo livro, Planetfall, será uma obra de ficção científica publicada em novembro pela Roc. Planetfall_final-coverEmma é uma narradora profissional de audiobooks e também é co-autora e host do podcast “Tea and Jeopardy”, que fala de chá, bolo, perigo leve e galinhas cantoras. Seus hobbies incluem corte-e-costura e RPG. Encontre-a em seu blog – www.enewman.co.uk – e no Twitter – @emapocalyptic.


Cristine Tellier
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