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A Resistência, de Julián Fuks: Memória, Identidade e Silêncio

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Em “A Resistência”, o escritor brasileiro Julián Fuks oferece ao leitor uma obra densa, íntima e poderosa sobre identidade, memória, exílio e a herança do silêncio. Publicado em 2015, o livro foi vencedor de prêmios como o Prêmio Jabuti, Prêmio Saramago e o Prêmio Oceanos, tornando-se um marco da literatura contemporânea latino-americana.

Inspirado em experiências pessoais, mas nunca inteiramente autobiográfico, A Resistência é um romance que mergulha na dor política e afetiva de uma família exilada durante a ditadura argentina, especialmente por meio da figura de um irmão adotivo, cujas origens estão marcadas pelo trauma da repressão.


Sinopse: Quando o Pessoal se Torna Político

O narrador do romance é um escritor em crise, que tenta escrever sobre o próprio irmão adotivo — uma criança argentina adotada ainda bebê por um casal de militantes de esquerda que foge da ditadura militar no país vizinho e encontra refúgio no Brasil.

O livro alterna entre as memórias da infância do narrador, os conflitos familiares, as dúvidas sobre a origem do irmão e os silêncios que pairam sobre esse passado. À medida que o narrador tenta contar essa história, ele enfrenta a resistência do outro, a resistência de si mesmo e a resistência da própria linguagem.


A Origem do Silêncio

O ponto central do romance é a ausência de certezas. O narrador tenta reconstruir uma narrativa que não é totalmente sua, mas que também não pertence completamente ao irmão. Há, portanto, uma busca dolorosa por compreensão e pertencimento.

A origem do irmão — talvez filho de desaparecidos políticos — é envolta em silêncio, culpa, e proteção. Essa resistência em revelar ou afirmar fatos é, por si só, um dos grandes temas do livro: o direito (ou não) de falar em nome do outro.

“Resistência é também a recusa em dizer, a negação do que se sabe ou imagina saber.”


Temas Centrais

1. Identidade e Adoção

O livro levanta questões profundas sobre o que significa ser filho, irmão, ou parte de uma família. O irmão do narrador luta para entender quem é, enquanto o narrador tenta compreender até onde pode ou deve contar essa história.

2. Exílio e Ditadura

A família no centro do romance é marcada pela fuga da ditadura argentina. O exílio transforma vidas e deixa marcas invisíveis que se perpetuam nas gerações seguintes. A política, aqui, é pessoal.

3. Memória e Ficção

Fuks joga com a tênue linha entre memória e invenção. Ao escrever sobre lembranças próprias e alheias, o narrador questiona o papel da literatura: é possível narrar a verdade? Ou toda escrita é uma forma de traição?


A Narrativa: Fragmentos e Fluxo

A escrita de Julián Fuks é marcada por frases curtas, profundas, poéticas e reflexivas. O romance é narrado em primeira pessoa, com estrutura fragmentada, em blocos curtos de texto que se conectam como peças de um quebra-cabeça emocional.

Essa escolha estilística transmite o tom íntimo e inquieto da narrativa — o texto parece estar em construção, em permanente dúvida, assim como o narrador que escreve.


Destaque para a Linguagem

Um dos maiores méritos do livro está na linguagem cuidadosamente trabalhada, que transmite angústia, ternura, e desconforto com poucas palavras. Cada parágrafo parece conter um universo de sentidos. Fuks domina o ritmo da introspecção, dando ao leitor o tempo necessário para digerir cada ideia.


Prêmios e Reconhecimento

Além do sucesso de crítica, A Resistência foi reconhecido com importantes prêmios:

  • 🏆 Prêmio Saramago (2017)
  • 🏆 Prêmio Jabuti (2016) – Categoria Romance
  • 🏆 Prêmio Oceanos (2016) – Melhor Livro de Língua Portuguesa

A obra também foi traduzida para diversas línguas e consolidou Julián Fuks como um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea.


Conclusão: Uma Obra Necessária

“A Resistência” é mais do que um livro sobre adoção, ditadura ou memória. É um livro sobre os silêncios que formam quem somos, sobre o direito de narrar e sobre o peso que carregamos — mesmo quando esse peso não é nosso.

Fuks constrói um romance comovente, literariamente sofisticado e politicamente necessário. Uma leitura para quem busca mais do que uma história: para quem busca escavar verdades entre o que é dito e o que é calado.

Ler A Resistência é como olhar para dentro de um espelho embaçado, onde aos poucos as formas ganham nitidez — mas jamais por completo.


Se você gosta de livros que misturam literatura com história, memória e questões existenciais, “A Resistência” é leitura obrigatória.

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