Biofobia
Santiago Nazarian
Após o suicídio da mãe, uma conhecida escritora, André, um roqueiro decadente, vai passar alguns dias na casa de campo em que a mãe passou os últimos anos. O que deveria ser apenas um fim de semana entediante transforma-se em um pesadelo, quando a casa e a natureza circundante parecem se voltar contra André. Entre garrafas de vodca, restos de drogas, telefonemas para a ex-namorada, visitas passageiras de conhecidos, ele enfrenta os fantasmas de suas lembranças, encara a descrença no futuro e experimenta o medo do desconhecido que o cerca.
(fonte: http://www.record.com.br/)
Oitavo livro do autor, sexto romance, esta obra é a volta de Nazarian à literatura adulta. Apesar de ter iniciado a carreira escrevendo literatura adulta – com Olívio, depois A morte sem nome – ficou conhecido como um autor jovem escrevendo para jovens. E ter um público predominantemente nessa faixa etária, além de ter um de seus livros infanto-juvenis – Mastigando humanos adotado em escolas e como leitura obrigatória em vestibulares, apenas reforçou essa imagem. Em conversa no Sempre um papo, afirmou que ansiava por, de certa forma, voltar ao início e ser reconhecido não apenas como um autor infanto-juvenil – o que, no frigir dos ovos, nem é 100% verdade.
A trama tem um quê de O iluminado, de Stephen King, e de Coração das trevas, de Joseph Conrad. O isolamento do protagonista num local de difícil acesso e a natureza opressiva. Ambos mexendo com o personagem, alterando seu estado de espírito, ainda mais vulnerável depois do suicídio da mãe, levando-o a questionar sua própria existência. Apesar de aparentemente encarar com naturalidade a morte dela, é justamente a ausência de sentimentalismo ao tratar do assunto que o entrega. Há, nas entrelinhas, desprezo, amargura, ressentimento.
A natureza é um “personagem” importante na trama. É possível sentir sua presença a todo momento. Interessante notar que, do mesmo modo que a mata parece querer retomar seu espaço, aproximando-se cada vez mais da edificação, a própria casa aparece invadida por livros – livros que, em última instância, são um subproduto das árvores ao redor.
“A mãe cuidara de tudo. A mãe cuidara de se matar para que ele mesmo e sua irmã não tivessem de cuidar dela mais tarde. Fora cremada para que não houvesse nem sepultura a ser visitada. Nada de missa, nenhuma flor a murchar. Ele não era capaz nem mesmo de assinar os atestados de óbito.”
(p.20)
“E os livros, livros por todos os lados. Cada superfície plana era ocupada por um livro. Tampo da mesa, armário, criado-mudo, mesinha de cabeceira. Nenhum bibelô, Nenhum suvenir. Nenhum porta-retratos. Só restaram os livros. Para que ele soubesse quem fora realmente a mãe, teria de abri-los e ler. Teria de ler cada página de milhares, milhões.”
(p.66)
A prosa é seca, direta, sem rodeios ou firulas desnecessárias. Frases curtas, concisas, concretas, mesmo que as ironias sejam presença constante. Conjunção bem sucedida com o local em que se passa a trama, combinando perfeitamente com ambiente “natural” que cerca a casa. Mesmo ao descrever o interior da residência percebe-se a predominância do concreto, do palpável. E faz um excelente contraponto com a degringolada psicológico-emocional do protagonista, André. É quase um fluxo de consciência, não fosse o fato de a narração ser em terceira pessoa. Contudo, é tão próxima, que em vários trechos o leitor esquece que “alguém” está contando a história. E, ao se esquecer, é levado pela narrativa a tirar conclusões que não necessariamente são verdadeiras. E esse é um dos grandes trunfos do livro – a incerteza. Na parte final do livro, o leitor é obrigado a rever certos acontecimentos por outro ângulo, já que a “versão inicial” estava parcialmente incompleta. Ou não.
Essa dúvida que perturba e faz o leitor querer reler tudo para tentar entender e descobrir algum detalhe que indique qual é a verdade enriquece a leitura de um modo que particularmente eu, como leitora, aprecio demais e, como escritora, invejo. Afinal, escrever algo que dê margem a inúmeras interpretações é sempre mais divertido do que escrever algo que pode apenas ser lido “ao pé da letra”. E, sem sombra de dúvida, Nazarian conseguiu fazer isso.
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Não conhecia esse livro, achei a sinopse meio pesada :/
Mas acredito que deva ser um livro interessante.
Beijos
http://www.gemeasescritoras.com/
Olá Monica,
Certamente não é um chic-lit nem um livro de aventuras infato-juvenis. É denso psicologicamente, mas vale mto a leitura.
Abraços e boas leituras.
Esse livro me surpreendeu pelas reviravoltas e pelas mil referências pop, principalmente a literatura e música. Ri muito no trecho de queima de livros em que cita seus parceiros literários.
Abs e parabéns pela resenha, muito legal ver a opinião de outras pessoas 🙂
Olá Noris
Realmente, as referências pop são uma diversão à parte – que eu esqueci de mencionar, valeu pela lembrança.
Obrigada pela visita e volte sempre.
Abraços e boas leituras 🙂