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O sol é para todos
Harper Lee

“O livro conta a história de um advogado que defende um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca nos Estados Unidos dos anos 1930 e enfrenta represálias da comunidade racista.”

(fonte: goodreads.com)

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Pode-se afirmar, sem receio de exagero, que o maior trunfo do livro em termos de narrativa é o fato de a narradora ser uma criança – Jean Louise, ou melhor, Scout. Acompanhar toda a história através de seu olhar singelo e livre – livre de preconceito, de intolerência, de julgamentos – faz com que o leitor tenha uma experiência de leitura única e, por que não dizer, inesquecível.

“Nunca tinha me ocorrido que Calpúrnia levava uma modesta vida dupla. A ideia de que ela tinha outra vida, fora da nossa casa, era nova para mim, isso sem falar no fato de ela dominar duas línguas.
— Cal, por que você fala como… os seus amigos quando está com eles se sabe que falam errado? — perguntei.
— Bom, primeiro porque sou negra…
— Mas isso não quer dizer que precisa falar errado, se sabe falar certo — disse Jem.
Calpúrnia empurrou o chapéu para o lado, coçou a cabeça, depois enfiou o chapéu até as orelhas.
— É difícil explicar. Imagine se você e Scout falassem como os negros em casa… seria estranho, não seria? Se eu falasse como os brancos na igreja ou com meus vizinhos, eles iam pensar que eu estava querendo ser mais importante que o profeta Moisés.
— Mas você sabe falar direito — insisti.
— Ninguém precisa mostrar tudo que sabe. Não é educado. Em segundo lugar, as pessoas não gostam de quem sabe mais que eles. Incomoda. A gente não muda os outros falando direito, eles precisam querer aprender. E se não querem, o jeito é ficar calada ou falar como eles.”
(p.159)

Scout é a filha caçula de Atticus, renomado advogado de Maycomb (cidade fictícia), no Alabama. Órfâ de mãe, ela vive com seu pai, seu irmão Jem e a cozinheira/babá Calpúrnia. O livro se inicia num tom que lembra bastante Mark Twain e suas aventuras de Huck Finn e Tom Sawyer. Ou Monteiro Lobato e as aventuras da turma do Sítio do Picapau Amarelo. Scout conta como ela, seu irmão e o vizinho Dill se divertem durante as férias e como é sua experiência ao começar na escola. Quando ocorre o evento que transforma o cotidiano pacato da cidadezinha, o leitor já está tão envolvido com os personagens, tão mergulhado naquele ambiente, que quase se sente parte da população local. E essa identificação, esse vínculo tornam impossível abandonar a leitura.

Interessante perceber que, até o momento do julgamento, o leitor não tem detalhes do que houve, já que sua “fonte” de informação é uma criança. Uma garota sapeca que, do alto de seus 7 anos, enxerga a situação de um modo todo particular. Conta uma história de conflitos envolvendo direitos humanos, preconceito e racismo de forma transparente, com a inocência inerente à sua idade. É esse seu ponto de vista que expõe contundentemente o quão irracionais e carentes de bom senso são as ações e reações dos habitantes de Maycomb. Não há como não sentir revolta com as injustiças e com certos hábitos da época – alguns infelizmente ainda arraigados na sociedade. O leitor vê, nas entrelinhas da narrativa dela, o que está havendo. Esse contraponto entre a visão de Scout e do leitor – já adulto, que tem vivência suficiente para entender o jogo social – é o que torna a narrativa tão rica e tão envolvente. Fazendo uma comparação bem simplista é como um adulto hoje assistindo a algum filme da Pixar. Há um subtexto ali, referências, piadas, ironias que uma criança não capta. E essa sensação de entender além do que está escrito é recompensadora demais para o leitor.

“— A srta. Gates é legal, não é?
— Claro. Eu gostava de ser aluno dela.
— Mas ela detesta Hitler…
— E qual é o problema?
— Bom, ela disse que ele trata os judeus muito mal. Jem, é errado perseguir alguém, não é? Quer dizer, não se deve nem pensar mal dos outros, não é?
— Claro que não, Scout. Qual é o problema?
— Naquela, noite, quando saímos do tribunal, a srta. Gates estava descendo a escada na nossa frente, você com certeza não a viu, ela estava conversando com a srta. Stephanie Crawford. Ouvi quando ela disse que estava na hora de alguém dar uma lição neles, que estavam indo longe demais, daqui a pouco iam querer casar com brancos. Jem, como uma pessoa pode detestar Hitler e depois falar isso de alguém daqui mesmo…?”
(p.307)

Ainda atual, depois de tanto tempo de sua primeira publicação, é uma obra irrepreensível. Forte e leve ao mesmo tempo, é uma leitura indispensável, que agrada a gregos e troianos pela linguagem acessível, pela narrativa cativante e pela forma como a autora submerge o leitor na trama.

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Cristine Tellier
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