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A realidade não é o que parece
Carlo Rovelli

O espaço e o tempo realmente existem? De que é feita a realidade? De onde vem a matéria? O cientista Carlo Rovelli passou a vida inteira investigando essas questões, tentando ampliar os limites do que sabemos. Em A realidade não é o que parece, ele revela como nossa compreensão da realidade mudou ao longo dos séculos, de Demócrito à gravidade quântica em loop. Rovelli nos guia por uma jornada maravilhosa e nos convida a imaginar um mundo completamente novo onde os buracos negros estão esperando para explodir, o espaço-tempo é feito de grãos e o infinito não existe – um vasto universo amplamente desconhecido.
(fonte: https://www.companhiadasletras.com.br/)

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Obviamente não é um livro de ficção. Contudo, em alguns (vários) trechos, faz-se necessária a suspensão de descrença para acompanhar a linha de raciocínio por onde Rovelli guia o leitor. Não quer dizer que o texto de Rovelli seja intrincado e pouco compreensível. O assunto é que demanda bem mais “do que pode imaginar nossa filosofia”. E, aproveitando a deixa de Hamlet, é interessante notar o quanto a física e a filosofia são – e estão – interligadas desde a Antiguidade até os dias de hoje. Muitos devaneios filosóficos derivaram para questionamentos sobre a física do mundo, do universo. Assim como muitos conceitos de física suscitam debates filosóficos.

Desde a Antiguidade, a ideia de um espaço vazio, a meio caminho entre uma “coisa” e uma “não-coisa”, incomodou os pensadores. Demócrito, que colocou o espaço vazio na base do seu mundo, onde correm os átomos, certamente não tece toda a clareza sobre a questão e afirmou que esse seu espaço era algo que estava “entre o ser e o não-ser”: “Demócrito postulou o cheio e o vazio como princípio, chamando um de ‘Ser’ e o outro de ‘Não-Ser’. O ser eram os átomos. O espaço era o “não-ser”. Um não-ser que, contudo, existe. É difícil ser mais obscuro que isso.
Newton, que ressuscitou o espaço democritiano, tentou remediar a situação dizendo que o espaço era o sensorium de Deus. Mas ninguém nunca soube muito bem o que Newton entendia por sensorium de Deus.
(…)
Einstein reuniu, portanto, não um, mas dois problemas. Primeiro: como descrever o campo gravitacional? Segundo: o que é o espaço de Newton?
Eis o extraordinário golpe de mestre de Einstein: uma das maiores inspirações no pensamento da humanidade: e se o campo gravitacional fosse precisamente o espaço de Newton, que nos parece tão misterioso? E se o espaço de Newton não fosse nada mais que o campo gravitacional?
Essa ideia, simples, belíssima, fulgurante, é a teoria da relatividade geral.
(p.81)

Rovelli tem uma visão de mundo e da importância de disseminar a ciência bem similar a Carl Sagan. É muito envolvente sua forma de explicar como os conceitos de física evoluíram e como a capacidade desses cientistas de juntar o conhecimento adquirido e ao mesmo tempo pensar fora da caixinha foram mudando os paradigmas. Ele consegue ser didático, mas não de um jeito chato. Não tem o ranço daquele tom professoral de alguns livros de escola. É enriquecedor ter a explicação de coisas que fomos obrigados a meramente decorar na escola, conceitos que, se tivessem sido esclarecidos em vez de empurrados garganta abaixo, teriam sido muito melhor compreendidos e guardados. Para aqueles que já leram outros livros mais técnicos sobre o assunto, a leitura se apresenta leve sem ser simplista. E é sempre interessante ver conceitos conhecidos sob outra óptica, com outros exemplos, outras metáforas.

O que é uma onda, que caminha sobre a água sem transportar nada além da própria história? Uma onda não é um objeto, no sentido de que não é formada por matéria que perdura. E também os átomos do nosso corpo fluem para fora de nós. Nós, como as ondas e como todos os objetos, somos um fluxo de eventos, somos processos que por um breve tempo são monótonos…
(p.133)

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Carlo Rovelli
Independente da complexidade do assunto, Rovelli apresenta-o aos poucos, de modo que o leitor consiga ir digerindo as informações num ritmo confortável, peça por peça, até compreender o todo. Por exemplo, ao falar sobre a maneira que Einstein descreve o formato do nosso universo, o autor começa falando da curvatura da Terra, e em como existem duas formas diferentes de definir esse formato esférico do planeta: a intrínseca e a extrínseca. A extrínseca é a que descreve a visão de quem está “de fora”: a Terra é esférica como uma laranja, por exemplo. A intrínseca é a da perspectiva interna, de quem está “no objeto”. Por exemplo, um homem andando em linha reta voltaria ao ponto de partida, se não fosse impedido pelos mares. E Rovelli continua:

“Pensando bem, alguém que aprendeu de seu mestre que a superfície do nosso planeta tem uma forma tal que, caminhando sempre em linha reta, se volta ao mesmo ponto, talvez nao tenha tanta dificuldade em dar um passo além e imaginar que todo o Universo tem uma forma tal que, voando sempre em linha reta, se retorna ao mesmo ponto: uma triesfera é um espaço em que ‘dois cavaleiros alados que pudessem voar em direções opostas se encontrariam do outro lado’.”
(p.100)

E, neste momento, eu, leitora, que estava tendo dificuldade em visualizar o formato dessa tal triesfera, fui “liberada” dessa missão, pois o próprio autor escreve que “a melhor maneira de definir uma triesfera não é tentar ‘vê-la de fora’, e sim descrever o que acontece movendo-se no seu interior”. Mas o mais impressionante dessa parte do livro, não é como o leitor é conduzido passo a passo até o entendimento da descrição da forma do universo. O mais instigante é a referência feita a Dante Alighieri:

Antes de concluir este capítulo, quero fazer outra observação sobre a ideia de Einstein de que o Universo é uma triesfera. Por mais incrível que possa parecer, a mesma ideia já havia sido concebida por outro gênio de um universo cultural totalmente diferente: Dante Alighieri. No Paraíso, Dante nos ofereceu sua grandiosa visão do mundo medieval, baseada no mundo de Aristóteles, com a Terra esférica ao centro, circundada pelas esferas celestes.
Em sua fantástica viagem visionária, Dante sobe essas esferas, junto com Beatriz, até a esfera externa. Ao chegar ali, contempla o Universo abaixo dele, com os céus que giram, e embaixo, no fundo, no centro, a Terra. Mas depois olha ainda mais para o alto, e o que vê? Um ponto de luz circundado por imensas esferas de anjos, ou seja, outra bola imensa que, com suas palavras, “circunda e ao mesmo tempo é circundada” pela esfera do nosso Universo! Eis os versos de Dante no Canto XXVII do Paraíso: “[…] esta outra parte do Universo de um círculo o compreende, assim como ele aos outros”; e no Canto seguinte, sempre no último “círculo”: “[…] parecendo encerrado por aquele que ele encerra”. O ponto de luz e as esferas de anjos circundam o Universo e ao mesmo tempo são circundados pelo Universo! É exatamente a descrição de uma triesfera.
(p.97)

Como se pode perceber, não apenas a filosofia se entrelaça aos conceitos físicos explanados no livro, a poesia também tem participação. E, assim, mesclando conceitos de física quântica – comprovados ou apenas teóricos – filosofia e poesia, o autor desvela lentamente o que a comunidade científica hoje entende que seja a teoria mais plausível para explicar o que somos, de que somos feitos: a gravidade quântica – com seus loops e grafos, seus quanta e spins, seu mar de probabilidades.

Em escala muito pequena, o espaço é um pulular flutuante de quanta de gravidade que agem um sobre o outro e todos juntos agem sobre as coisas, e se manifestam nessas interações como redes de spins, grãos em relação um com o outro.
(p.170)

O capítulo 7 faz o leitor se sentir Indiana Jones no terceiro filme da franquia, quando Jones tem de encarar o leap of faith. Enquanto eu lia este livro, o Douglas lia A montanha mágica, de Thomas Mann – obra em que o autor discorre muito sobre o tempo, sobre a passagem do tempo e sua influência sobre os personagens. A leitura desde capítulo faz o leitor perceber que Mann escreve sobre algo que não existe: o tempo. O caminho das pedras para chegar a essa conclusão é percorrido paulatinamente pelo autor, guiando o leitor através de fórmulas e conceitos áridos, mas perfeitamente compreensíveis. O que dificulta a vida do leitor, o que causa a perplexidade frente ao conceito é a mudança de paradigma. É o entendimento de que o que vemos não é exatamente a realidade. Nada é. Tudo parece.

Temos de aprender a pensar o mundo não como algo que muda no tempo, mas de alguma outra maneira. As coisas mudam apenas uma em relação a outra. No nível fundamental, o tempo não existe. A impressão do tempo que passa é apenas uma aproximação que só tem valor para as nossas escalas macroscópicas: deriva do fato de que observamos o mundo somente de modo rudimentar.
O mundo descrito pela teoria está distante daquele que nos é familiar. Não existe mais o espaço que “contém” o mundo e não existe mais o tempo “ao longo do qual” ocorrem os eventos. Existem processos elementares nos quais quanta de espaço e matéria interagem entre si continuamente. A ilusão do espaço e do tempo contínuos ao nosso redor é a visão desfocada desse denso pulular de processos elementares. Assim como um plácido e transparente lago alpino é formado por uma dança veloz de miríades de minúsculas moléculas de água.
(p.178)

Leitura obrigatória para quem já se aventurou a tentar compreender a teoria das cordas, descrita em O universo elegante e A relidade oculta, ambos de Brian Greene. A gravidade quântica é uma alternativa bastante coerente que merece ser compreendida e considerada.


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Entrevista com o autor no Blog da Companhia.


Cristine Tellier
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