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A gigantesca barba do mal
Stephen Collins

Na ilha de Aqui tudo é meticulosamente organizado e certinho. As ruas são asseadas, a grama é bem aparada e os homens são rigorosamente barbeados.
Dave não foge à regra. Tem um emprego que lhe permite pôr em prática todo o seu senso de organização, bem como distrair a mente de pensamentos indesejáveis, e encontra paz numa rotina totalmente ordeira.
Num dia fatídico, porém, Dave se vê como a raiz de um gigantesco problema: uma barba que irrompe de seus poros e desafia a lógica e a ciência.
(fonte: 1a. orelha do livro)

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Entre no clima. Leia a resenha ao som de “Eternal Flames” (Bangles)

A história de Dave é uma fábula dos tempos modernos. E, em tempos de governo Trump, mais atual do que nunca. Há nela, dois aspectos principais a serem observados: a relação de Dave com sua barba (e seu significado) e a relação dos moradores de Aqui com Dave (pós nascimento da barba). Principais, mas não os únicos. Collins fala sobre rotina, tédio, consumismo, padrões, corporativismo, insegurança, solidão, comodismo, hipocrisia, tabus. Tudo com uma leveza e um bom humor que contrastam com a densidade dos questionamentos e que cativam o leitor desde a primeira página.

A barba é, nitidamente, uma alegoria para os impulsos criativos reprimidos de Dave. Ele passa seu tempo livre em casa ouvindo “Eternal flame”, olhando pela janela, observando os transeuntos – todos certinhos, simétricos e comportados – e desenhando-os, assim como tudo o mais que ele vê na rua. E como tudo é tão organizado, os desenhos são sempre iguais. Diferente do que talvez o título possa sugerir, Dave não se rebela em certo momento e resolve se tornar um transgressor, deixando sua barba crescer desordenadamente. Aquele único pelo em seu rosto, de repente se multiplica em dezenas, centenas de fios que começam a crescer à revelia do dono. É um processo que Dave não consegue controlar. Ele até tenta. Apara os fios durante horas, infrutiferamente. É algo que sai de dentro dele, e que nada tem a ver com ele ou com seu mundo. E, lógico, se é desordenado, estranho, não pode ser de Aqui, só pode ser de Lá. E tudo o que vem de Lá é ruim. E o pobre Dave se vê desamparado diante dessa realidade.

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Enquanto isso, a reação dos moradores da cidade vai do estranhamento ao medo e à hostilidade. É o preconceito em relação ao que é diferente, ao que não se está habituado. É o caos que vem perturbar o status quo. É o conservadorismo da cidade certinha versus a vanguarda de uma barba crescendo incontrolavelmente. Os moradores não sabem como lidar seja com a barba que cresce sem parar seja com as mudanças feitas na cidade devido à existência da barba – por exemplo, várias ruas próximas à casa de Dave são interditadas e as pessoas são obrigadas a alterar sua rotina e fazer outros trajetos. A-Gigantesca-Barba-do-MalHá, como em qualquer situação incomum, os medrosos – que só pensam em se manter o mais distante possível da barba; os curiosos – querendo saber mais sobre a barba e como o governo da cidade irá lidar com a situação; os observadores – que, obviamente, se limitam a observar em silêncio; e os juízes – que, baseados na crença de que tudo o que é diferente é ruim, acham que o melhor é darem cabo da barba e, consequentemente, de Dave.

A paleta em preto-e-branco combina perfeitamente com a história. Dificilmente, a narrativa teria tanto impacto no leitor e tanta sinergia com o texto se o quadrinho fosse colorido. O traço é incrível. Vale notar que os quadros, inicialmente regulares e distribuídos simetricamente nas páginas, vão assumindo outras formas e tamanhos à medida que a barba cresce. Em alguns momentos, o leitor tem a impressão de estar acompanhando o storyboard de um filme, tamanha a vivacidade do desenho. E destaque para a barba. Independente do que estiver acontecendo, ela está ali, forte, intensa, chamando a atenção do leitor o tempo todo.

Mesmo fazendo tantos questionamentos, o texto de Collins – assim como os desenhos – faz com que seja uma leitura leve, prazerosa. Entretendo o leitor durante e fazendo-o parar e refletir a respeito depois.

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Cristine Tellier
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