No ar rarefeito
Jon Krakauer

Contratado pela Outside Magazine – revista especializada em atividades outdoor – para escrever sobre o aumento da comercialização da escalada ao Everest, Jon Krakauer participou em 1996 de uma expedição guiada ao topo do mundo. Junto com alguns membros do grupo liderado por Rob Hall, proprietário da Adventure Consultants, em 10 de março, chegou com muito custo ao topo do mundo, com seus 8848m. Enquanto retornava aos trancos e barrancos ao acampamento 4, nove pessoas – entre alpinistas e sherpas – morreram. Abalado pelo ocorrido e obcecado em rever o evento em detalhes, Krakauer escreveu este depoimento minucioso sobre os acontecimentos daquele dia, sobre o sentido da vida e a busca da realização dos sonhos.


no ar rarefeito - capa

“Mais tarde – depois que foram localizados seis corpos, depois que a busca de outros dois foi abandonada, depois que os médicos amputaram a mão direita de Beck Weathers meu companheiro de equipe – as pessoas se perguntariam por que motivo, se o tempo começara a piorar, os alpinistas não haviam prestado atenção aos sinais. Por que os veteranos guias do Himalaia continuaram subindo e conduzindo um bando de amadores relativamente inexperientes – que pagaram até 65 mil dólares para chegar em segurança ao Everest – rumo a uma evidente armadilha mortal?”
(p.22)

Li o livro logo após o lançamento. Estava numa fase de leitura de livros sobre expedições – Cem dias entre céu e mar (Amyr Klink), A pior viagem do mundo (Apsley Cherry-Garrard), O Último lugar da Terra (Roland Huntford) – e após ler sobre a conquista dos pólos, pareceu-me uma boa ideia ler sobre a conquista do Everest. Havia lido numa revista (provavelmente na Go Outside, nome brazuca da Outside Magazine) uma versão reduzida dos fatos trágicos de 1996 e a versão estendida naturalmente tornou-se um “must-read”. Reli há poucos meses, dias antes de assistir ao filme Everest (crítica aqui), uma versão em certo grau pouco fiel aos fatos – tanto que o próprio Krakauer desabonou o filme na imprensa especializada.

Mesmo sendo o relato de eventos reais, a escrita de Krakauer é envolvente e sua narrativa consegue gerar no leitor a tensão e a empatia com os personagens características de boas obras ficcionais. Krakauer se desculpa na introdução por ter escrito o livro como uma forma de catarse pessoal e tão pouco tempo após a tragédia, já que isso turva a percepção do autor e talvez o faça enxergar os fatos com menos clareza do que a necessária para dar ao leitor uma visão mais acurada dos acontecimentos. No entanto, a emotividade embarcada no texto é o que faz o leitor não querer largar a leitura antes do fim.

jon krakauer
Jon Krakauer
Na primeira parte do livro, Krakauer dedica-se a explanar seus “antecedentes” tanto como repórter quanto como alpinista e a narrar a sequência de eventos que o colocaram como parte integrante de uma expedição comercial rumo ao topo do Everest. Apresenta-nos também os “personagens”, dando ao leitor um panorama geral sobre a motivação e as expectativas de cada um dos alpinistas tanto da equipe de Hall quanto da de Scott Fisher, proprietário da Mountain Madness. E o mote de sua reportagem vai ficando cada vez mais claro e justificável: a grande quantidade de alpinistas com pouco ou nenhum preparo que junta recursos para realizar o sonho e/ou realizar o desafio de encarar – e conquistar – a maior montanha do mundo.

Krakauer também familiariza o leitor com a parte desagradável e sofrida da experiência – o mal da montanha, a dificuldade de aclimatação, as náuseas, os mal-estares gástricos, as dificuldades de higiene e saneamento, o cansaço e, logicamente, o frio. Enfim, toda a aura romântica da conquista do topo do mundo cai por terra. Fica claro que não basta ter dinheiro para bancar o preço cobrado pelas empresas de organizam as expedições – por volta de 65 mil dólares. É preciso, além do preparo físico obviamente, preparo psicológico para encarar os dissabores e ter a força de vontade necessária para não desistir. Mas o que boa parte dos clientes alpinistas claramente esquece é que além disso tudo, é preciso que “a montanha” faça sua parte, que o clima corrobore. E a análise do Krakauer repórter durante a subida aos primeiros acampamentos além do acampamento-base é bastante crítica no tocante à capacidade – seja técnica, seja física – dos seus companheiros de expedição.

“Tendo pago somas principescas para serem conduzidos ao topo do Everest, alguns alpinistas passaram a processar os guias sempre que por um motivo ou outro não conseguiam chegar ao cume. “De vez em quando aparece um cliente que acha que comprou um bilhete até o cume”, lamenta-se Peter Athans, um guia muitíssimo respeitado que já fez onze viagens ao Everest e chegou ao topo quatro vezes. “Tem gente que não entende que uma expedição ao Everest não pode ser administrada como um trem suiço.”
(p.37)

Num estilo de reportagem bem diverso, Krakauer consegue ter uma narrativa tão eficiente e envolvente quanto Capote em seu A sangue frio. Dá profundidade e complexidade à história sem pender para o drama gratuito. Evita a armadilha de estereotipar os personagens, dando-lhes contornos tridimensionais, o que deixa o leitor tenso e preocupado com o destino de cada um deles. E, com essas qualidade, a obra consegue agradar tanto aos fãs do gênero quanto aos “leigos”.

Do autor, vale a pena ler também Na natureza selvagem (Into the wild), que virou filme pelas mãos de Sean Penn, com Emile Hirsch no papel principal.

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Everest – Hillary Step
Cristine Tellier
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