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Número Zero
Umberto Eco

Um grupo de redatores, reunido ao acaso, prepara um jornal. Não se trata de um jornal informativo; seu objetivo é chantagear, difamar, prestar serviços duvidosos a seu editor. Um redator paranoico, vagando por uma Milão alucinada (ou alucinado numa Milão normal), reconstitui cinquenta anos de história sobre um cenário diabólico, que gira em torno do cadáver putrefato de um pseudo-Mussolini. Nas sombras, a Gladio, a loja maçônica P2, o assassinato do papa João Paulo I, o golpe de Estado de Junio Valerio Borghese, a CIA, os terroristas vermelhos manobrados pelos serviços secretos, vinte anos de atentados e cortinas de fumaça — um conjunto de fatos inexplicáveis que parecem inventados, até um documentário da BBC mostrar que são verídicos, ou que pelo menos estão sendo confessados por seus autores.
(fonte: 1a. orelha do livro)

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A história parece, a princípio, bastante insípida e superficial. E, de fato, o é. Colonna é contratado por Simei para ser editor-chefe de um jornal que não existe. Os demais integrantes da equipe são levados a crer que estão se preparando para o lançamento do jornal Amanhã, bolando estratégias jornalísticas, criando as seções e definindo pautas. Mas a real missão de Colonna é escrever um livro sobre essa experiência.

Em seu sétimo romance, Eco tira proveito dessa situação incomum, expondo e explorando as várias facetas do mau jornalismo. Como criar uma notícia, como conduzir (e induzir) os leitores, como manipular a opinião pública escolhendo apenas as versões convenientes e ocultando as demais. E quando essa crítica subjacente emerge, percebe-se que há outra história além da história, outra trama por trás da narrativa aparentemente simplória e superficial. E Eco reforça essa superficialidade fazendo uso de inúmeros clichês e expressões lugares comuns tão utilizadas na imprensa, mas despidas de significado: “no olho do furacão”, “com a corda no pescoço”, entre tantas outras.

“Atenção: fazer notícia é uma boa expressão, notícia quem faz somos nós, e é preciso saber fazer a notícia brotar das entrelinhas. Doutor Colonna, nas horas livres, reúna-se com os nossos redatores, folheiem despachos das agênias de notíias e montem algumas páginas temáticas, exercitem-se em fazer a notícia aparecer onde ela não estava ou onde ninguém conseguia enxergá-la. Força!”
(p.58)

O autor aproveita para recontar fatos históricos de forma totalmente distorcida pela visão paranóica de Bragadoccio, um editor obsessivo. Bragadoccio preenche lacunas deixadas em relatos de eventos históricos com teorias conspiratórias que, em alguns momentos, parecem fazer sentido – instigando o leitor a pesquisar por conta própria para comprovar (ou não) suas teses.

Os personagens são superficiais, com exceção de Maia, namorada de Colonna, que, com seu “suposto” autismo parece ser a única a ter consciência do quão nocivo é o jornalismo que estão sendo pagos para praticar. Bragadoccio, com suas teorias, é mais chato que interessante. Nem mesmo o protagonista consegue causar qualquer empatia. Quando ele acredita estar em perigo, ao leitor pouco importa se ele irá se safar ou não.

O mais incômodo é que a análise que Eco faz do momento sócio-político da Itália em 1992 encontra paralelos na situação atual do Brasil:

“Não viu como todos os entrevistados desta noite contavam tranquilamente que fizeram isto ou aquilo, como se esperassem uma medalha? Nada de claros-escuros em barroco, coisas da Contrarreforma, os tráficos emergiram en plein air, como se fossem pintados pelos impressionistas: corrupção autorizada, o mafioso oficialmente no Parlamento, o sonegador no governo, e na cadeia só os albaneses ladrões de galinhas. As pessoas de bem vão continuar votando nos canalhas porque não acreditarão na BBC ou não verão programas como os desta noite porque estarão grudados em algo mais trash, as televendas de Vimercate talvez acabem no horário nobre, e, se matarem alguém importante, funerais de Estado”
(p.206)

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Umberto Eco (foto: cartacapital.com.br)

Enfim, o livro vale mais pela crítica – direta ou indireta – do que pela história ou pelos personagens. A leitura é agradável, mas longe de ser arrebatadora.

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Cristine Tellier
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