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Traições – cadernos de fofocas sobre mim mesmo
Antônio Ramos da Silva

Acredito que a grande maioria das pessoas já pensou em escrever sua autobiografia. É comum que todo aquele que tenha uma autoestima normal veja a si mesmo como o maior protagonista de sua própria vida. Pensamos que as coisas que nos ferem e/ou nos trazem alegria são dignas de registro e podem impressionar aos demais.

Eu, como ser humano, escritor e com uma autoestima possivelmente um pouco maior que a média, já aventei escrever sobre mim mesmo. O que me impede é que, ao analisar as histórias que contaria, tirando uma peripécia ou outra, não vejo nada que poderia ser tão interessante que já não tenha ocorrido com as outras pessoas.

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Infância, adolescência, risos, choros, perdas, ganhos, etc… Todo mundo – salvo casos extraordinários como Steve Jobs, Stephen Hawking, Paul McCartney, Tiririca e outros gênios da vida – acaba passando pelas mesmas coisas, em intensidades diferentes, mas sem muita variação. Portanto, não acho que muitos se interessariam em ler minhas memórias.

No meio literário existe uma máxima que prega que para escrever um bom texto não importa sobre o que você escreve, mas como você escreve. Eu concordo. Porém, existe a premissa de que para isso ser uma verdade e ser possível escrever sobre algo cotidiano de forma interessante, seu talento como escritor precisa ser genial. E, apesar da minha autoestima elevada, não acho que esteja neste nível. Ainda.

O romance Traições – cadernos de fofocas sobre mim mesmo, de Antônio Ramos da Silva, conta as peripécias da vida de um personagem um pouco melancólico. Um professor universitário de meia idade que revisita suas memórias, tecendo um paralelo entre seu presente e seu passado, abordando, de certa forma, as leis de ação e reação ou, em outros termos, explicando o presente olhando o para o passado.

À primeira vista, tem total cara de autobiografia. O autor, entretanto, me garantiu que não é e acho que dizendo isso estou cometendo um spoiler, mas tudo bem. É melhor para quem venha a conhecer o autor pessoalmente para que não olhe torto por algumas declarações, digamos, um pouco indiscretas do protagonista do romance.

Para mim, a identificação com o que lá é narrado acontece de imediato: as características físicas e intelectuais (creio que bem dentro do estereótipo nerd/geek: gordinho com tendências artísticas num mundo brutalmente dominado pela razão capitalista), os indecisos anos oitenta onde se passa parte da história, a timidez com traços de melancolia, o passado em sobrevoo constante sobre os olhos que vislumbram um presente relativamente fora dos planos… Enfim, uma premissa muito comum, explorada por inúmeros grandes romancistas como Cristovão Tezza em O Filho Eterno e Clarice Lispector em A Paixão Segundo G.H.. No caso de Traições, Cadernos de Fofoca Sobre Mim Mesmo, entretanto, a linguagem coloquial e simples traz a história para algo mais próximo do cotidiano. O que, a meu ver, é um ponto positivo. Traz também, contudo, uma falta de profundidade que acaba por fomentar o que comentei no início: é mesmo válido escrever um romance sobre o que pessoas normais vivem no dia a dia?

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O autor, Antônio Ramos da Silva
Em Memórias de um Subsolo ou O Duplo (ambos de Dostoievski) o personagem vive as peripécias de seu dia a dia, porém, a tormenta interna em suas mentes, a forma como o autor escrutina em suas agonias e pavores dá ao livro a densidade incomensurável. Algo que, infelizmente, esta obra deixou a desejar quando se ateve apenas às preocupações simplistas do cotidiano. Em dados momentos a narrativa explora um quase adultério. Ou quase um conflito. Quase uma transa, quase escritor… E assim, a história mantêm-se morna, na barreira do quase.

Ler é se entreter. Sair de si. Analisar a vida e as aventuras de outrem. Conhecer um mundo novo que pode ser tétrico como as desilusões amorosas de Clarice Lispector ou sarcástico como as tiradas de Machado de Assis. Independente do tom, precisa enfiar o pé na jaca, pôr pra foder, chegar ao limite, flertar com a loucura, apodrecer de riqueza ou de pobreza. Se é pra falar de trivialidades, prefiro cuidar da minha própria vida.

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