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O filho eterno
Cristovão Tezza

Cada leitor identifica o porquê de um livro ser bom de sua forma particular. Eu, de minha parte, se me pego rindo no metrô ou aflito numa passagem tensa. Perco a hora de descer e mesmo irritado por ter de voltar algumas estações, fico feliz por ganhar alguns minutos a mais de leitura. Com este, O filho eterno, de Cristóvão Tezza, me peguei exasperado.

É objetivo do escritor fazer o leitor identificar-se com seu personagem. Identificando-se, gosta. E gostando lê até o final, pois tem interesses em comum, tem afeto pela imagem espelhada. Neste romance, entretanto, a minha identificação foi tamanha e tão nítida que quase me senti plagiado. Cristovão é tão intenso e tão certeiro que foi difícil analisar a obra com olhar mais técnico e menos passional.

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Ele conta a história de um escritor na odisséia para encontrar sua voz literária e que, em meio à turbulência de sua carreira desorganizada e situação financeira em ruínas, tem um filho com síndrome de down, desencadeando uma crise de aceitação desta criança.

Quem tem filhos sem a síndrome e conhece o desafio que é criá-los pode imaginar o que é ter um filho que será uma eterna criança de cinco anos, mesmo que passe dos quarenta.

Não sei identificar até que ponto é um romance autobiográfico, visto que Cristóvão tem mesmo um filho com a síndrome, mas é nítida a sinceridade dos sentimentos lá descritos. Até porque me parecem ser verdades universais: dúvidas, dores e angústias que todo pai tem e que todo escritor tem.

Sabemos que é ele quem fala de si, mesmo narrando em terceira pessoa. Uma brincadeira muito bem feita pelo autor: é ele mesmo, mas por via das dúvidas, estava falando de outro. Confere à obra um quê de epopeia. Seu tom indulgente marca o peso sentimental do tensa abordado.

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Cristovão Tezza
O que surpreende em Tezza não é nenhum recurso estilista, mas seu sentimentalismo cru. Sua verdade sem eufemismos – o que não deixa de ser um estilo. A coragem de olhar para si mesmo e dizer a verdade. Algo tão raro na literatura contemporânea.

Sob a proteção da personagem fictícia (mas nem tanto), o romance olha para as verdades, por vezes tão sujas como desejar a morte de um filho mongoloide (termo comum nos anos oitenta), mas tão comuns em nossos pensamentos secretos e analisa aquilo, mostrando sobretudo o difícil caminho de superação.

Em paralelo à história do pai, há a história do escritor. As peripécias da juventude, com toda a fartura de experiências dos primeiros anos de vida, mostrada como ligeiros e propícios flashbacks, que vão ajudando a construir a personagem e justificar com o passado os pensamentos do presente e dão ideia da formação do autor.

Considerando que seja de fato um texto auto biográfico, a formação de Tezza lembra, guardadas as devidas proporções, a de Rimbaud, Jack Kerouac, Álvares de Azevedo e outros que abraçam a arte em seu âmago, mergulhando numa entropia (envolvendo drogas, álcool e sexo) e voltam para o mundo real transformados em gênios. Coisa rara, considerando que este caminho normalmente não tem volta. E na maior parte das vezes gera apenas artistas incompreensíveis, marginais e sem valor real de arte vívida.

Sou bastante preconceituoso quanto a escritores contemporâneos brasileiros. Neste caso, entretanto, fico feliz em ter sido desmentido. Ganhador do prêmio Jabuti em 2008, foi totalmente merecido. Lamento não tê-lo conhecido nas rodas de artistas que frequentei em Curitiba.

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Capa da edição publicada na Austrália e Nova Zelândia

Apenas para complementar, até agora a obra arrematou seis prêmios ⇨ Jabuti, Prêmio São Paulo de Literatura, Portugal Telecom de Literatura, Bravo! Prime de Cultura, APCA e Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon.

Além disso, já foi traduzido para o francês (Le Fils du Printemps) e para o italiano (Bambino per Sempre).

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