Grande irmão
Lionel Shriver

Pandora é uma empreendedora de sucesso que vive em Iowa com o marido, Fletcher, um homem com temperamento irritadiço, que nunca consegue relaxar. Edison, irmão de Pandora, antes um conhecido pianista de jazz de Nova York, está completamente falido, sem ter onde morar. Contrariando o marido, Pandora envia uma passagem aérea para o irmão e convida-o a ficar em sua casa. Depois de quatro anos sem se encontrarem, ela quase não o reconhece quando vai buscá-lo no aeroporto e depara com um homem mais de cem quilos acima do peso. Em casa, os hábitos desleixados de Edison criam um enorme desconforto para Fletcher, até que Pandora decide se comprometer com o emagrecimento do irmão e abre mão de tudo para ajudá-lo.
(fonte: quarta capa do livro)

grande irmao - capa

Terminei de ler o livro há algumas semanas. Demorei a escrever a resenha não por preguiça ou falta de tempo. Acontece que a escrita da autora é tão intensa e visceral que demora algum tempo até o leitor digerir o que leu e conseguir conversar – ou escrever – a respeito. E mesmo assim não é fácil. O texto tem uma objetividade, uma crueza que deixam o leitor ao mesmo tempo desconcertado, desconfortável e, por que não dizer, envergonhado. Shriver consegue ser lírica em alguns momentos e em outros enfiar o dedo na ferida de modo a nos fazer desviar o olhar, tentar respirar pausadamente até ter condições de retomar a leitura.

É interessante o uso que a autora faz do fato de a protagonista gostar de cozinhar. O texto todo é permeado de metáforas e comparações diretas com comidas. Talvez fosse mais politicamente correto dizer “alimentos”, mas este termo tem uma aura mais relacionada à saúde; enquanto que “comidas” remete ao prazer advindo do ato de comer – elemento essencial na trama.

“Como a maioria das pessoas, tenho vívida lembrança dos meus pratos favoritos da infância e, como grande parte das crianças, eu gosta de coisas simples: torradas, pãezinhos caseiros, bolachas de água e sal. Meu paladar ficou mais amplo na idade adulta, mas não o meu caráter. Sou como arroz branco. Sempre existi para dar destaque a pratos mais empolgantes. Fui um complemento quando menina. Sou um complemento agora.”
(p.12)

“Quando nos conhecemos, sete anos antes, nosso bem-estar com o silêncio recíproco tinha sido cativantes.(…) Fletcher também se sentia assim, embora seu silêncio tivesse uma textura diferentes do meu: era mais denso, mais concentrado – agitado e opaco. Isso dava ao seu silêncio uma riqueza que combinava bem com minha serenidade mais fria, mais suave. Já o meu produzia o som de um cantarolar estranho, embora eu não chegasse de fato a cantarolar; em termos culinários, assemelhava-se a uma sopa fria e leve. Mais sombrio e taciturno, o de Fletcher parecia mais um molho de vinho tinto. Ele lutava contra os problemas enquanto eu simplesmente os resolvia.”
(p.14)

Lionel Shriver
Lionel Shriver
O “assunto-problema” da trama é a obesidade. E a autora não mede palavras para falar a respeito. Não há eufemismos. Shriver não tem papas na língua ao referir-se ao assunto. Por vezes de um modo que beira a crueldade. Pode até parecer intransigência, mas percebe-se que a autora não vê motivos para “dourar a pílula”. Em alguns textos, vê-se diálogos e/ou trechos que chocam apenas por chocar, em que o uso de linguagem agressiva é dispensável. O texto de Shriver é cruel porque precisa ser assim. Porque reflete com fidelidade o que as pessoas pensam – mas muitas vezes não falam – a respeito da obesidade e dos gordos.

“Um olhar curioso na direção do passageiro pesado me infundiu uma compaixão tão penetrante que foi como se eu levasse um tiro. Olhar para aquele homem foi como cair num buraco, e tive que desviar o rosto, porque seria grosseiro encará-lo, e mais grosseiro ainda chorar.”
(p.39 – quando Pandora vai buscar seu irmão no aeroporto)

“- ‘Aquela palavra’, ou palavras – retrucou Fletcher, encarando meu irmão, que deu um passo para trás – são: Desculpe. Sinto muito por ser um merda tão gordo…”
– Querido – implorei -, sei que você está aborrecido…
– Sinto muito por ser este poço de banha fracasso que não tem nada para fazer o dia inteiro, a não ser arriar a bunda enorme num móvel em que fui EXPRESSAMENTE proibido de me sentar. “
(p.121 – quando Fletcher explode depois de Edison quebrar um de seus móveis)

A narrativa em primeira pessoa é concisa e bem trabalhada. De modo que passadas as primeiras páginas o leitor já se sente íntimo de Pandora, tão estreitamente ligado a ela que já não é mais capaz de abandoná-la a mercê de seus problemas. Vale lembrar que isso faz o leitor enxergar tudo pelos olhos de Pandora, segundo sua interpretação e entendimento dos fatos. Seu ponto de vista é repleto de dúvidas e opiniões bastante peculiares, às vezes, questionáveis. Tanto Pandora quanto os demais personagens são construídos não de forma a serem admiráveis, mas de forma a serem marcantes, o que sem dúvida os deixa muito mais plausíveis e, por isso, interessantes.

precisamos falar sobre o kevinJá há algum tempo tenho vontade de ler um outro livro da autora, Precisamos falar sobre o Kevin. Minha curiosidade foi atiçada pela sinopse e pelos comentários lidos em blogs ou vistos em canais literários. Quando este livro foi lançado e disponibilizado para os parceiros da Intrínseca, vi logo a possibilidade de conhecer a escrita da autora. E não me decepcionei. Apesar de um pequeno detalhe, qeu não posso contar pois seria spoiler, a expectativa foi satisfeita e não vejo a hora de ler seus demais livros.

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Cristine Tellier
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